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Mudança no arcabouço: analistas dizem que governo deu sinal negativo ao antecipar R$ 15,7 bi – O Globo

Avaliação de especialistas é que medida mostra “inclinação permanente” por mais despesas

Pressionado por parlamentares e por servidores em busca de reajuste salarial, o governo Lula patrocinou a primeira mudança nas regras do arcabouço fiscal menos de um ano depois de o conjunto de regras para as contas públicas ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, em agosto de 2023. A Câmara aprovou no fim da noite de terça-feira a antecipação de um gasto extra de R$ 15,7 bilhões neste ano. O dispositivo foi inserido no projeto que recria o seguro obrigatório para vítimas de acidentes de trânsito, o DPVAT, e ainda precisa passar pelo Senado, onde senadores avaliam que será aprovado com facilidade. Especialistas criticaram as mudanças, vistas como um sinal negativo para a regra fiscal.

A proposta foi aprovada após articulação da Casa Civil, comandada por Rui Costa. O Ministério da Fazenda, de Fernando Haddad, não se opôs à mudança. A Fazenda, no entanto, vai trabalhar para segurar a criação de novas despesas. O time de Haddad não conta, por exemplo, com a liberação de todo o recurso pleiteado pelo Congresso para emendas, de R$ 5,6 bilhões.

Aumento de arrecadação

O arcabouço fiscal prevê que, em seu primeiro ano de vigência (ou seja, 2024), se houver um “excesso de arrecadação” na comparação com 2023, o governo poderia gastar mais. Esse gatilho, pelo texto original, será acionado em maio, no segundo relatório de avaliação de receitas e despesas. Mas a emenda incluída no projeto do DPVAT antecipa esta data para o relatório de 22 de março, garantindo o gasto.

O valor de R$ 15,7 bilhões decorre da diferença entre o aumento real de despesas previsto no Orçamento deste ano (1,7%) e o limite de crescimento real de gastos estabelecido pelo arcabouço fiscal (2,5%).

O acordo na Câmara foi uma solicitação do governo diante dos riscos de perda de receitas em maio, uma vez que o aumento de gastos ainda não é garantido para esse momento — enquanto que, pelo relatório de março, isso já está concretizado. A eventual perda de receita poderia anular esse crédito.

Além de um crescimento menor da arrecadação federal, há fatores de risco para as receitas do governo, como a agenda travada no Congresso. Nesta lista estão propostas como a manutenção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), a redução de impostos para prefeituras e a medida provisória que limita compensações tributárias. São assuntos que têm deixado o governo mais pessimista e preocupado com os resultados do próximo mês.

Como o desempenho de março foi positivo, o governo achou melhor garantir o pedido de recursos extras. Com a liberação do dinheiro, líderes preveem ainda que o governo ficará mais confortável em permitir a derrubada do veto às emendas de comissão, liberando um valor de R$ 5,6 bilhões aos parlamentares. O valor havia sido vetado por Lula no início do ano, na sanção da Lei Orçamentária Anual. O dinheiro também pode ser usado para desbloquear R$ 2,9 bilhões no Orçamento e buscar espaço para reajustar salário dos servidores (leia mais sobre o assunto abaixo).

O secretário executivo da Fazenda, Dario Durigan, ressaltou que o dispositivo não altera a meta de déficit zero.

— Não há mudança nos balizadores do arcabouço, e isso permite seguir a trajetória de ancoragem fiscal — disse o número 2 do ministro Fernando Haddad. — Não há qualquer efeito sobre a meta de déficit zero.

O secretário diz que a equipe econômica não gostaria de ver alterações nas regras fiscais, mas entende que o pactuado pelo governo preservou a ideia do arcabouço e evitou que houvesse uma pressão acentuada sobre os gastos.

— Os limites de gastos previstos no arcabouço seguem mantidos. O valor do gasto segue o mesmo — afirmou, enfatizando que não houve criação de uma nova despesa, mas o exercício de um dispositivo já previsto na legislação.

Para Pedro Schneider, economista do Itaú, a mudança é mau sinal para o arcabouço:

— Não deixa de ser um sinal de preocupação, porque é um aumento de gastos numa economia que está rodando em déficit. A discussão ficou em torno de buscar um déficit zero (este ano), mas é preciso lembrar que o resultado para estabilizar a dívida pública é um superávit cada vez maior — disse, durante o evento Macro em Pauta do banco.

Tiago Sbardelotto, da XP, afirma que a mudança é uma “mensagem muito ruim”, pois o país acaba de aprovar um arcabouço, com regras de longo prazo. Ele lembrou que, além da antecipação do gasto extra, ficou estabelecido que os gastos podem ser feitos por decreto, e não via crédito suplementar, que depende da aprovação do Congresso:

— O efeito prático é que o decreto é muito mais rápido, dá velocidade para abrir o crédito adicional. O Executivo ganha uma autonomia maior.

‘Vontade de elevar despesa’

Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, disse que a mudança, à qual chamou de manobra, teve como fim permitir um aumento de gastos além do que estava previsto.

— Essa manobra não é algo que é bem recebido — disse. — Por mais que se esperasse a possibilidade de permitir uma revisão no limite de despesas em algum momento, previsto no relatório de maio, a antecipação mostra essa ânsia, essa vontade de elevar despesas. A gente sabe que é um ano eleitoral e o próprio Congresso quer esse aumento.

Para o ex-secretário do Tesouro Jeferson Bittencourt, da ASA Investments, o aumento da despesa em R$ 15,7 bilhões, embora esperado pelo mercado, mostra o que chamou de “inclinação permanente” para gastar mais.

— Independentemente do conteúdo da mudança, ela mostra a inclinação permanente por mais despesas e a vulnerabilidade do arcabouço, que tem sido alterado sem compromisso com a previsibilidade das decisões de política econômica, com a estabilidade das regras e com a transparência das decisões — disse.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!