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Meu caro VR – O Globo

Lula assina na terça-feira decreto que muda regras para vale-alimentação e refeição

Com atendimento no almoço, em uma região comercial, o restaurante Casa da China, tradicional self-service de comida oriental em Belo Horizonte (MG), aceita todas as quatro principais bandeiras de vale-refeição. As taxas cobradas variam de 3,5% a 6,5%, mais altas que as de cartão de crédito e débito, mas os vouchers viabilizam até 40% das vendas do estabelecimento.

— Se não aceitar, outro restaurante vai levar meu cliente. O custo é alto, coloco junto com os impostos no meu custo geral. Mas, se eu perder de 35% a 40% do meu volume de vendas, eu fecho — explica Matheus Daniel, de 45 anos, dono do estabelecimento, destacando que o “dinheiro carimbado” é fundamental em meio ao orçamento apertado dos brasileiros.

A experiência de Matheus Daniel no Casa da China se repete em outros bares e restaurantes do país, sobretudo aqueles que funcionam no horário comercial, porque os trabalhadores de empresas próximas preferem almoçar em lugares que aceitam os vales, uma parte da renda direcionada para a alimentação.

De outro lado, com 80% do mercado concentrado em quatro empresas, a taxa média cobrada dos estabelecimentos pela operação com os vouchers é mais alta do que em outros meios de pagamento. Segundo pesquisa Ipsos-Ipec, a média para o vale-refeição é de 5,19%, contra 3,22% no cartão de crédito e 2% no débito.

— A maior parte dos operadores de alimentação no mercado de vales é pequena. Se não receberem esse meio de pagamento, não sobrevivem. É como se o setor fosse sequestrado para trabalhar com essa forma de pagamento — resume o presidente da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), Erik Momo, dono da rede Pizzeria 1900.

O governo decidiu copiar a experiência bem-sucedida da abertura do mercado de cartões para aumentar a competição entre empresas de vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA). Em decreto que deve ser publicado na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também deve limitar as taxas cobradas pelas bandeiras aos estabelecimentos comerciais e reduzir o prazo de repasse dos valores aos lojistas.

Regra de transição

Um dos pontos em aberto é o prazo para reembolso a bares, restaurantes e mercados, que hoje é de até 30 dias após a operação. Além disso, outro foco do debate é o percentual máximo que poderá ser cobrado do lojista por transação, que deve ficar entre 3% e 4%.

Mas aliados de Lula garantem que haverá regras de transição, proporcionais ao tamanho das empresas, para evitar mudanças bruscas no mercado. Toda a fiscalização será realizada pelo Ministério do Trabalho, responsável pelo Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que dá benefícios tributários a empregadores que têm políticas de alimentação, a exemplo dos vales para refeição e alimentação.

Parte das empresas de voucher, contudo, argumenta que a imposição de teto para a taxa e a redução do prazo podem ter efeito contrário e aumentar a concentração, com maior dificuldade de sobrevivência das “tiqueteiras” menores.

É o que mostra estudo da Tendências Consultoria, encomendado pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa as principais bandeiras de VA e VR.

A discussão se insere na regulamentação de uma lei de 2022 que alterou as regras do PAT. Justamente para aumentar a concorrência, a atratividade para os estabelecimentos e o benefício ao trabalhador — que muitas vezes revende os vales no mercado informal, com desconto no valor — a legislação estabeleceu a interoperabilidade entre bandeiras de voucher e a portabilidade.

Propostas na mesa

A interoperabilidade permitiria que todos os cartões fossem aceitos em qualquer “maquininha”, e a portabilidade daria ao trabalhador o poder de escolher o vale que quer usar. Hoje, a empresa de VA e VR é contratada pelo empregador.

No governo Lula, o assunto ganhou força após a crise de preços de alimentos no início do ano, sob o argumento de que a redução de abusos no mercado de vouchers poderia abrir espaço para conter a inflação nas prateleiras de supermercados e nos cardápios de restaurantes.

Segundo aliados, a opção foi implementar a interoperabilidade por meio da abertura dos arranjos e do fim das cláusulas de exclusividade, permitindo que qualquer “maquininha” faça o credenciamento dos vales nos estabelecimentos.

Hoje, as principais empresas do mercado de voucher de alimentação estão estruturadas na forma de arranjo fechado: controlam todo o processo, desde o contrato com empregadores que ofertam vales aos funcionários, passando pelo credenciamento dos estabelecimentos até o processamento e a liquidação das operações.

Essa abertura foi exatamente o que aconteceu no mercado de cartões de crédito e débito há uma década, possibilitando uma competição maior das “maquininhas”, antes restritas a duas empresas, e a redução de custos aos lojistas.

A limitação das taxas repete a experiência do mercado de cartões. O Banco Central determina um teto para a tarifa cobrada das “maquininhas” pelos emissores de cartão (taxa de intercâmbio), de 0,5% no débito e de 0,7% no pré-pago. No caso dos vales, a ideia do governo é limitar as taxas cobradas das “maquininhas” e o percentual que os estabelecimentos pagam pela operação (taxa de desconto).

Além disso, haverá prazo máximo para repasse dos valores pagos por VA e VR a bares, restaurantes e supermercados, hoje de até 30 dias após a transação, ainda que o benefício seja creditado nos vales da maioria dos trabalhadores de forma pré-paga.

Assim, no intervalo entre a compra e o pagamento ao lojista, a empresa de voucher consegue aplicar o valor no mercado financeiro e ganhar com juros ou oferecer soluções de antecipação aos estabelecimentos a custo alto.

O cardápio de opções em debate

Taxas

A ideia do governo é limitar tanto as taxas cobradas das “maquininhas” quanto o percentual total que os estabelecimentos pagam pela operação. As taxas cobradas atualmente variam de 3,5% a 6,5%.

O modelo é similar ao que o governo já fez com o mercado de cartões, no qual o Banco Central define um teto para a taxa cobrada. No caso dos vales, o governo planeja limitar as taxas cobradas das “maquininhas” e o percentual que os estabelecimentos pagam pela operação (taxa de desconto).

Prazo

Será reduzido o prazo máximo para repasse dos valores pagos por meio de vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR) a bares, restaurantes e supermercados, que hoje é de até 30 dias após a transação.

A avaliação é que o trabalhador recebe o vale na conta como um pré-pago, mas o pagamento só é repassado ao restaurante ou supermercado um tempo depois, o que permite que as empresas de vales apliquem os recursos no mercado ou adiantem mediante custo elevado para os estabelecimentos comerciais.

Estudo elaborado pela Tendências Consultoria a pedido do setor aponta risco à sustentabilidade de empresas de vouchers com a mudança, em razão do impacto no fluxo de caixa. A leitura é que a medida afetaria sobretudo as empresas de menor porte, tornando-se, portanto, um fator a mais de concentração do mercado.

Interoperabilidade

A medida vai permitir que qualquer máquina de cartão passe a aceitar os vales de todas as bandeiras, o que não ocorre hoje. A ideia do governo é implementar a ação por meio da abertura dos arranjos e do fim das cláusulas de exclusividade, permitindo assim que qualquer “maquininha” faça o credenciamento dos vales nos estabelecimentos comerciais.

Tamanho do mercado

O volume anual de negócios do mercado de benefícios no país está na casa dos R$ 150 bilhões. A maior parte dos valores é paga dentro do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), com concessão de incentivos fiscais às empregadoras.

Riscos de concentração

O governo entende que a limitação de abusos no prazo de repasse e nas taxas cobradas deve coibir outra prática das “tiqueteiras” que já foi até proibida pela lei de 2022: o “rebate”. Uma espécie de cashback das empresas de voucher aos empregadores de forma a incentivá-los a fechar o contrato. Segundo os balanços públicos da Ticket, Alelo e Pluxee, foram gastos mais de R$ 1,5 bilhão em rebates em 2024.

O estudo da Tendências aponta que a redução do prazo impõe riscos à sustentabilidade econômica e operacional das empresas de voucher devido ao impacto no fluxo de caixa. O prejuízo, diz o estudo, seria maior para as que têm exposição relevante ao modelo pós-pago, proibido pela lei de 2022, mas ainda presente em contratos antigos.

“Empresas de menor porte e com maior dependência de contratos públicos encontram-se ainda mais vulneráveis aos efeitos financeiros e operacionais da medida, podendo comprometer sua viabilidade, levando à saída do mercado”, diz o estudo.

— Elas (empresas menores de atuação regional) podem não conseguir mais oferecer o serviço. E, para as maiores, pode não ser interessante atender um estabelecimento pequeno — diz Lucio Capelletto, presidente da ABBT.

Já sobre a abertura dos arranjos, Capeletto diz que o risco é que as credenciadoras “independentes” passem a atuar só como meio de pagamento, sem respeitar as premissas do PAT para oferecer alimentação adequada e nutritiva.

Como alternativa, a ABBT propôs redução de 30% nas taxas cobradas pelas facilitadoras de pequenos comerciantes. Outra ideia é criar um fundo social privado, com recurso do PAT, para custear a oferta de vales a categorias desprovidas de direitos trabalhistas, como entregadores e catadores.

A Zetta, que representa parte das novatas, como o iFood, avalia que a redução do prazo deve afetar a viabilidade econômica das empresas menores. Segundo a vice-presidente da entidade, Fernanda Laranja, a redução do prazo e a limitação da taxa podem beneficiar o lojista, mas dificilmente vão impactar o trabalhador.

— São medidas paliativas: vai atender uma parte do mercado, dos restaurantes, mas o trabalhador não vai ser beneficiado — disse ela, que defende a interoperabilidade e a portabilidade.

Já Juliana Minorello, diretora executiva da Câmara Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (CBBT), que reúne as empresas de tecnologia Caju, Flash e Swile, afirmou em nota que esforços com o intuito de corrigir as distorções no PAT “são fundamentais para garantir competição justa, segurança jurídica ao setor e fortalecimento da política”.

No setor de supermercados, o vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Márcio Milan, defende as mudanças do governo e vê queda de até 2% no valor da cesta básica.

Já o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, reconhece o problema das altas taxas, mas é contra tabelar preços.

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