Lula assina nesta terça nova regra que deve limitar taxas de vale-refeição e alimentação a 3,6%; veja o que muda – O Globo
- Na Mídia
- 11/11/2025
- Tendências
Prazo de repasse aos comerciantes deve cair de 30 para 15 dias
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar nesta terça-feira decreto com mudanças nas regras do vale-refeição e do vale-alimentação. Entre elas, a redução do prazo de repasse dos valores aos lojistas, que deve sair de 30 dias para 15 dias, e um limite nas taxas cobradas pelas bandeiras aos estabelecimentos comerciais, que deve ser de 3,6%. O percentual foi antecipado pela Folha de S.Paulo e confirmado pelo GLOBO. A assinatura deve ocorrer às 16h, no Palácio do Planalto, e deve contar com a presença dos ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Fazenda, Fernando Haddad.
As novas regras atingem estabelecimentos como o restaurante Casa da China, tradicional self-service de comida oriental em Belo Horizonte (MG), que aceita todas as quatro principais bandeiras de vale-refeição. As taxas cobradas variam de 3,5% a 6,5%, mais altas que as de cartão de crédito e débito, mas os vouchers viabilizam até 40% das vendas do estabelecimento.
— Se não aceitar, outro restaurante vai levar meu cliente. O custo é alto, coloco junto com os impostos no meu custo geral. Mas, se eu perder de 35% a 40% do meu volume de vendas, eu fecho — explica Matheus Daniel, de 45 anos, dono do estabelecimento, destacando que o “dinheiro carimbado” é fundamental em meio ao orçamento apertado dos brasileiros.
A experiência de Matheus Daniel no Casa da China se repete em outros bares e restaurantes do país, sobretudo aqueles que funcionam no horário comercial, porque os trabalhadores de empresas próximas preferem almoçar em lugares que aceitam os vales, uma parte da renda direcionada para a alimentação.
De outro lado, com 80% do mercado concentrado em quatro empresas, a taxa média cobrada dos estabelecimentos pela operação com os vouchers é mais alta do que em outros meios de pagamento. Segundo pesquisa Ipsos-Ipec, a média para o vale-refeição é de 5,19%, contra 3,22% no cartão de crédito e 2% no débito.
— A maior parte dos operadores de alimentação no mercado de vales é pequena. Se não receberem esse meio de pagamento, não sobrevivem. É como se o setor fosse sequestrado para trabalhar com essa forma de pagamento — resume o presidente da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), Erik Momo, dono da rede Pizzeria 1900.
O governo também decidiu copiar a experiência bem-sucedida da abertura do mercado de cartões para aumentar a competição entre empresas de vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA). As maiores empresas, com base no número de trabalhadores atendidos, devem ser obrigadas a abrir seus arranjos. Na prática, isso significa que todas as maquininhas terão de aceitar todas as bandeiras de vale que existem no mercado.
Regra de transição
Aliados de Lula garantem que haverá regras de transição, proporcionais ao tamanho das empresas, para evitar mudanças bruscas no mercado. Toda a fiscalização será realizada pelo Ministério do Trabalho, responsável pelo Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que dá benefícios tributários a empregadores que têm políticas de alimentação, a exemplo dos vales para refeição e alimentação.
Parte das empresas de voucher, contudo, argumenta que a imposição de teto para a taxa e a redução do prazo podem ter efeito contrário e aumentar a concentração, com maior dificuldade de sobrevivência das “tiqueteiras” menores.
É o que mostra estudo da Tendências Consultoria, encomendado pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), que representa as principais bandeiras de VA e VR.
A discussão se insere na regulamentação de uma lei de 2022 que alterou as regras do PAT. Justamente para aumentar a concorrência, a atratividade para os estabelecimentos e o benefício ao trabalhador — que muitas vezes revende os vales no mercado informal, com desconto no valor — a legislação estabeleceu a interoperabilidade entre bandeiras de voucher e a portabilidade.
Propostas na mesa
A interoperabilidade permitiria que todos os cartões fossem aceitos em qualquer “maquininha”, e a portabilidade daria ao trabalhador o poder de escolher o vale que quer usar. Hoje, a empresa de VA e VR é contratada pelo empregador.
O assunto ganhou força no Palácio do Planalto após a crise de preços de alimentos no início do ano, sob o argumento de que a redução de abusos no mercado de vouchers poderia abrir espaço para conter a inflação nas prateleiras de supermercados e nos cardápios de restaurantes.
Segundo aliados, a opção foi implementar a interoperabilidade por meio da abertura dos arranjos e do fim das cláusulas de exclusividade, permitindo que qualquer “maquininha” faça o credenciamento dos vales nos estabelecimentos.
Hoje, as principais empresas do mercado de voucher de alimentação estão estruturadas na forma de arranjo fechado: controlam todo o processo, desde o contrato com empregadores que ofertam vales aos funcionários, passando pelo credenciamento dos estabelecimentos até o processamento e a liquidação das operações.
Essa abertura foi exatamente o que aconteceu no mercado de cartões de crédito e débito há uma década, possibilitando uma competição maior das “maquininhas”, antes restritas a duas empresas, e a redução de custos aos lojistas.
A limitação das taxas repete a experiência do mercado de cartões. O Banco Central determina um teto para a tarifa cobrada das “maquininhas” pelos emissores de cartão (taxa de intercâmbio), de 0,5% no débito e de 0,7% no pré-pago. No caso dos vales, a ideia do governo é limitar as taxas cobradas das “maquininhas” e o percentual que os estabelecimentos pagam pela operação (taxa de desconto).
O cardápio de opções em debate
Taxas
A ideia do governo é limitar tanto as taxas cobradas dos lojistas a 3,6%. Hoje, não há teto.
O modelo é similar ao que o governo já fez com o mercado de cartões, no qual o Banco Central define um percentual máximo para a taxa cobrada. No caso dos vales, o governo planeja limitar as taxas cobradas das “maquininhas” e o percentual que os estabelecimentos pagam pela operação (taxa de desconto).
Prazo
Será reduzido o prazo máximo para repasse dos valores pagos por meio de vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR) a bares, restaurantes e supermercados, que hoje é de até 30 dias após a transação, para 15 dias corridos.
A avaliação é que o trabalhador recebe o vale na conta como um pré-pago, mas o pagamento só é repassado ao restaurante ou supermercado um tempo depois, o que permite que as empresas de vales apliquem os recursos no mercado ou adiantem mediante custo elevado para os estabelecimentos comerciais.
Estudo elaborado pela Tendências Consultoria a pedido das empresas tradicionais do setor aponta risco à sustentabilidade de empresas de vouchers com a mudança, em razão do impacto no fluxo de caixa. A leitura é que a medida afetaria sobretudo as empresas de menor porte, tornando-se, portanto, um fator a mais de concentração do mercado.
Interoperabilidade
A medida vai permitir que qualquer máquina de cartão passe a aceitar os vales de todas as bandeiras, o que não ocorre hoje. A ideia do governo é implementar a ação por meio da abertura dos arranjos e do fim das cláusulas de exclusividade, permitindo assim que qualquer “maquininha” faça o credenciamento dos vales nos estabelecimentos comerciais.
Tamanho do mercado
O volume anual de negócios do mercado de benefícios no país está na casa dos R$ 150 bilhões. A maior parte dos valores é paga dentro do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), com concessão de incentivos fiscais às empregadoras.
Riscos de concentração
O governo entende que a limitação de abusos no prazo de repasse e nas taxas cobradas deve coibir outra prática das “tiqueteiras” que já foi até proibida pela lei de 2022: o “rebate”. Uma espécie de cashback das empresas de voucher aos empregadores de forma a incentivá-los a fechar o contrato. Segundo os balanços públicos da Ticket, Alelo e Pluxee, foram gastos mais de R$ 1,5 bilhão em rebates em 2024.
O estudo da Tendências aponta que a redução do prazo impõe riscos à sustentabilidade econômica e operacional das empresas de voucher devido ao impacto no fluxo de caixa. O prejuízo, diz o estudo, seria maior para as que têm exposição relevante ao modelo pós-pago, proibido pela lei de 2022, mas ainda presente em contratos antigos.
“Empresas de menor porte e com maior dependência de contratos públicos encontram-se
ainda mais vulneráveis aos efeitos financeiros e operacionais da medida, podendo comprometer sua viabilidade, levando à saída do mercado”, diz o estudo.
— Elas (empresas menores de atuação regional) podem não conseguir mais oferecer o serviço. E, para as maiores, pode não ser interessante atender um estabelecimento pequeno — diz Lucio Capelletto, presidente da ABBT.
Já sobre a abertura dos arranjos, Capeletto diz que o risco é que as credenciadoras “independentes” passem a atuar só como meio de pagamento, sem respeitar as premissas do PAT para oferecer alimentação adequada e nutritiva.
Como alternativa, a ABBT propôs redução de 30% nas taxas cobradas pelas facilitadoras de pequenos comerciantes. Outra ideia é criar um fundo social privado, com recurso do PAT, para custear a oferta de vales a categorias desprovidas de direitos trabalhistas, como entregadores e catadores.
A Zetta, que representa parte das novatas, como o iFood, avalia que a redução do prazo deve afetar a viabilidade econômica das empresas menores. Segundo a vice-presidente da entidade, Fernanda Laranja, a redução do prazo e a limitação da taxa podem beneficiar o lojista, mas dificilmente vão impactar o trabalhador.
— São medidas paliativas: vai atender uma parte do mercado, dos restaurantes, mas o trabalhador não vai ser beneficiado — disse ela, que defende a interoperabilidade e a portabilidade.
Nos bastidores, porém, as empresas novatas, como o Ifood, consideram que, ainda que não sejam ideais, as medidas são um avanço para aumentar a competição no mercado, já que vão permitir uma rentabilidade mais equilibrada entre todos os participantes. A avaliação é que as mudanças devem impactar mais as empresas consolidadas, já que as mais novas já praticam taxas e prazos de repasse menores.
Já Juliana Minorello, diretora executiva da Câmara Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (CBBT), que reúne as empresas de tecnologia Caju, Flash e Swile, afirmou em nota que esforços com o intuito de corrigir as distorções no PAT “são fundamentais para garantir competição justa, segurança jurídica ao setor e fortalecimento da política”.
No setor de supermercados, o vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Márcio Milan, defende as mudanças do governo e vê queda de até 2% no valor da cesta básica.
Já o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, reconhece o problema das altas taxas, mas é contra tabelar preços.
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