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Juro alto ainda tem o mesmo efeito no Brasil? Entenda o que é ‘dominância fiscal’ e por que ela ameaça o país – O Globo

Analistas veem risco de cenário no qual descontrole das contas públicas deixa Banco Central de mãos atadas

O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou hoje uma alta de 1 ponto percentual na taxa Selic, elevando-a para 12,25%. A preocupação de analistas é com o poder de fogo da política monetária brasileira para controlar a inflação. As expectativas para os juros não param de aumentar. E o termo dominância fiscal, quando, mesmo com juros mais altos, a inflação não cai e pode até subir, vem aparecendo com mais frequência nos relatórios de consultorias e bancos.

Especialistas alertam que há fatores que montam um quadro de juros mais altos por mais tempo: a frustração com o pacote de corte de gastos públicos, a eleição de Donald Trump, indicando que a inflação americana pode subir com a política protecionista que o novo presidente diz que pretende adotar, e o crescimento chinês que não avança como o esperado.

Morgan Stanley e UBS falam explicitamente em risco de dominância fiscal, assim como o Goldman Sachs. O UBS afirma “Na nossa visão, a política monetária está arcando com o peso de uma política fiscal frouxa, que está se ajustando menos do que deveria. Estamos nos aproximando da dominância fiscal.”

Aprovação do pacote

O Banco Central vem subindo juros desde agosto, de 10,50% ao ano para 11,25% agora, mesmo assim, as expectativas de inflação continuam subindo, assim como os juros futuros, sinalizando uma perda de potência da política monetária, dizem os especialistas

— Há um desequilíbrio no desenho da política macroeconômica. Claramente, o que se vê hoje no Brasil é uma política fiscal que já vem frouxa há muito tempo e que tem forçado uma política monetária mais apertada, exigindo do Banco Central juros mais altos para se tentar cumprir a meta de inflação. E, no momento, a própria meta não está sendo cumprida. As expectativas de inflação estão elevadas a perder de vista — afirma o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos.

O economista chegou a viver essa situação à frente do BC em 2002, quando os investidores não aceitavam papéis com vencimentos em 2003, com receio da condução fiscal com o PT no poder.

— Tomando o cuidado de ser justo, o próprio PT, no caso, com suas figuras mais relevantes, o próprio presidente eleito (Lula) e Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda no primeiro mandato de Lula), conseguiu acalmar as expectativas e aprofundar o ajuste fiscal —lembra Arminio.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, afirma que se o governo conseguir aprovar o pacote de corte de gastos que está no Congresso, poderá estancar a piora das expectativas de inflação, na cotação do dólar e nos juros futuros, ganhando um tempo para fazer uma reforma mais profunda na estrutura de gastos.

A economista lembra que a trajetória da dívida pública é de crescimento até pelo menos nos próximos dez anos e até mais.

— Pelas nossas projeções, até 2033, a dívida pública como proporção do PIB continua subindo, mas estamos revisando esses números, e ela deve continuar em alta por mais tempo.

Dívida maior

Em julho, a Instituição Fiscal Independente (IFI) projetou dívida em mais de 100% em 2034, mas vai rever essas previsões na próxima semana. Para o curto prazo, 2024, 2025 e 2026, a correção foi para cima. Prevendo dívida em 80% do PIB ao fim deste ano.

Mas Alessandra acha difícil falar em dominância fiscal nesse momento. Para ela, a política monetária no Brasil ainda “tem grau de eficiência importante”, mas reconhece que a ação está limitada pelo aumento do gasto público.

— Acho que há risco sim, pela própria dinâmica da dívida. Os agentes avaliam que será difícil para o governo cumprir as metas de resultado primário. Mesmo com esse pacote, não está claro se as metas serão cumpridas, e as medidas não serão suficientes para conter o avanço da dívida.

Na aprovação do arcabouço fiscal, em 2023, já havia alguma descrença na política fiscal mais contida. As dificuldades do governo em aprovar no Congresso as medidas de aumento da arrecadação foram deteriorando ainda mais a confiança no ajuste. As contas externas em ordem também traziam certa tranquilidade de que o dólar não iria disparar.

— O elemento novo foi a eleição do Donald Trump nos Estados Unidos. Com isso, o contexto muda bem, não só a eleição, mas a forma que ganhou. Ele saiu muito fortalecido, mostra poder para, nos dois primeiros anos, implementar a agenda dele. É uma agenda inflacionária que vai requerer juros e dólar mais altos. Subiu a barra para gente. Foi um detonador importante de percepção de risco. A situação ficou mais difícil para emergentes.

A isso se soma a demora no anúncio do corte de gastos, sinalizando que as propostas não tinham consenso dentro do governo, diz ela.

O economista José Júlio Senna, chefe de Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre e consultor associado da MCM, diz que o Banco Central deveria dar um choque de juros para conter as expectativas. Para ele, o Copom terá que tomar uma das decisões mais difíceis, já que o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem dizendo que os juros futuros nos patamares atuais não refletem a situação adequadamente e que não pretende impor altas fortes na Selic:

— Subir a Selic 50 pontos (para 11,75%) não será suficiente para conter a piora das expectativas, mas subir 100 pontos (para 12,25%) poderia mostrar ao mercado que a situação é ainda pior do que se mostra e não estancar a alta das expectativas. Mesmo assim, se não aumentar 100 pontos, o risco será maior.

Para ele, não estamos numa situação de dominância fiscal, mas houve uma redução na força da política monetária. Senna lembra que a média anual da alta real do gasto público é de 5,7% nos dois primeiros anos do governo Lula.

‘Não é uma doença terminal’, diz Arminio

Armando Castelar, também da FGV, diz que começam a surgir comparações com o primeiro governo de Dilma Rousseff. Uma preocupação de que o Banco Central não suba os juros como deveria com receio do impacto nas contas públicas — o déficit nominal, que inclui os gastos com os juros da dívida, está perto de 10%, percentual semelhante ao fim do segundo governo da presidente, em 2015:

—Há temor da repetição de 2011, quando se passou a trabalhar com inflação mais alta.

Arminio afirma, porém, não é “não é uma doença terminal” e que é só mostrar um esforço mais estrutural na área fiscal, e a situação pode se resolver:

— Se o BC está sendo obrigado a elevar tanto o juro para cumprir sua meta é porque está precisando de ajuda do lado fiscal.

Ele diz que as propostas de cortes de gastos — reduzir a alta real do salário mínimo e tornar mais restritivos os critérios para concessão de benefícios sociais — não são uma solução permanente e não reduziriam o ritmo de crescimento da dívida.

Para ele, se o governo sinalizasse, com medidas bem desenhadas, redução de despesas com folha de pagamento, Previdência e gastos tributários, mesmo que ocorressem gradualmente, “teria grande impacto nas expectativas”:

— O governo saiu aumentando muito o gasto, fez uma proposta de ajuste gradual com muito peso nos dois últimos anos de governo. Com o ciclo político é mais difícil.

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