Inelegibilidades e fragmentação podem dificultar competitividade da direita, dizem analistas – Estadão
- Na Mídia
- 07/03/2025
- Tendências

Espectro político tem grande potencial eleitoral em razão do baixo desempenho do governo Lula, mas sofre com a dificuldade de um nome de consenso em meio a impedimento jurídico de Bolsonaro
A direita brasileira chega ao cenário eleitoral de 2026 diante de um impasse: as inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), e do empresário Pablo Marçal (PRTB) fecha opções populares para a disputa presidencial, e o campo conservador ainda não conseguiu consolidar um nome forte o suficiente para rivalizar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que segue como favorito. Especialistas apontam que, apesar do desgaste do governo Lula, a fragmentação na esfera conservadora pode dificultar a competitividade da oposição.
O cientista político e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, avalia que “a direita tem um grande potencial eleitoral em 2026″ por causa da queda de popularidade de Lula e da manutenção de uma forte polarização política no País . “Outros fatores são as perspectivas econômicas, com inflação, sobretudo de alimentos e serviços, ainda alta, taxa de juros com tendência de alta. Ou seja, podemos chegar a 2026 com um crescimento não tão dinâmico para alimentar um projeto de reeleição e trazer um sentimento de continuidade para o eleitor [sobre Lula].”
No entanto, Cortez alerta que a direita precisa superar desafios internos. “A direita vai ter que ter um trabalho de construção, de aproveitar essa oportunidade. Na minha leitura, dados os desafios jurídicos e políticos de Bolsonaro – o único nome com capital político para unir o campo conservador e ter um grau de competitividade -, a tendência é de fragmentação no primeiro turno”, analisa.
Na mesma linha, o cientista político Paulo Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo (FespSP) e ESPM, destaca que, caso Bolsonaro siga inelegível, a direita ficará “órfã” de uma grande liderança capaz de aglutinar votos. “O nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), surge como uma opção, mas há um detalhe importante: desde a redemocratização, com exceção do Collor, cargos executivos em Estados e municípios nunca foram trampolim direto para a Presidência. O PSDB que o diga”, afirma, referindo-se às tentativas frustradas ao Palácio do Planalto de candidatos tucanos ao longo das últimas décadas.
O governador de São Paulo é considerado um aliado estratégico de Bolsonaro, mas ainda evita se comprometer publicamente com uma candidatura presidencial. Para o cientista político Ricardo Ribeiro, analista da MCM 4Intelligence, essa hesitação tem fundamento. “Para Tarcísio, o custo de oportunidade de deixar uma reeleição quase garantida em São Paulo para entrar numa eleição presidencial incerta é muito alto”, pontua.
Além de Tarcísio, outros nomes são citados, como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e o do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). No entanto, os especialistas concordam que ambos sofrem com a falta de projeção nacional. “Fora de seus Estados, são praticamente desconhecidos, e teriam dificuldades em se viabilizar eleitoralmente”, observa Ribeiro.
Outro nome que ganha atenção é o do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que já manifestou interesse em se candidatar. Contudo, Ramirez pondera que ele não tem “lastro político” e que sua candidatura esbarra na falta de estrutura partidária. “Ele pode ser um puxador de votos para um partido, um outsider, como chamamos, mas, sozinho, dificilmente se sustentaria na corrida presidencial. Fora isso, tem as investigações em cima dele sobre as bets, casas de apostas”, afirma.
Eles avaliam que Caiado segue como uma opção, já que pode conseguir reverter a inelegibilidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como diz Cortez, mas relembrando, como pontua Ribeiro, que o goiano não tem muita capilaridade entre os eleitores brasileiros. O caso de Caiado é considerado mais simples de reverter do que os de Marçal e, sobretudo, de Bolsonaro, por exemplo. Neste último caso, com decisão já em última instância.
Cenário na esquerda é mais complicado se Lula não disputar
No campo da esquerda, Lula segue como o principal nome para a sucessão. Caso o presidente não dispute, alternativas como os nomes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) ganham força. No entanto, os especialistas dizem acreditar que uma candidatura governista sem Lula enfrentaria dificuldades. “Ele ainda é o nome mais forte do campo governista. A popularidade de Haddad não cresceu como esperado, e Alckmin já mostrou limitações eleitorais”, explica Cortez.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, que ganhou projeção em 2022, também aparece como opção, mas sua vinculação com o governo pode ser um entrave. “Assim como aconteceu com o PSDB em 2018, candidatos próximos a um governo impopular acabam sendo rejeitados”, completa.
No caso do ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes (PDT), o cientista Ricardo Ribeiro diz que “o PDT encolheu, em primeiro lugar”. “O Ciro Gomes também perdeu força dentro do partido. Então, acho bastante improvável a candidatura Ciro Gomes [à Presidência] e se for candidato também, é bastante improvável que seja um nome competitivo.” Cortez acrescenta que será uma aposta alta das legendas centro-esquerda [como no caso do PDT] caso adotem um nome que não seja de Lula ou o apoiado pelo governo. “Então, tem um custo muito alto.”
Reflexo de 2024
A fragmentação da direita já foi visível nas eleições municipais de 2024 e pode se repetir em 2026. “Sem um líder natural para unificar o campo, há risco de pulverização de candidaturas, o que pode beneficiar Lula ou seu sucessor”, afirma Ramirez. Ribeiro também destaca que Bolsonaro, mesmo inelegível, ainda deve influenciar fortemente a disputa. “Ele deve tentar emplacar um nome aliado, possivelmente de um dos filhos, mas, ao mesmo tempo, pode ser um fator de instabilidade dentro do próprio campo conservador”, avalia.
Diante desse cenário, os próximos meses serão decisivos para definir qual estratégia a direita adotará, avaliam os especialistas. A competitividade eleitoral dependerá da capacidade de o grupo encontrar um nome que una diferentes setores, como o agronegócio, evangélicos, bancada da bala e atraia o eleitorado que rejeita o atual governo. “Caso contrário, a oposição pode desperdiçar uma oportunidade, mesmo diante da queda de popularidade de Lula”, finaliza Cortez.
Inelegibilidades
Bolsonaro está inelegível por decisão do TSE e foi denunciado pela PGR na semana passada como líder da organização criminosa que tentou dar golpe de Estado após ser derrotado na eleição de 2022. Se for condenado, a pena pode chegar a 43 anos de prisão.
Caiado anunciou que irá lançar sua pré-candidatura à Presidência da República para 2026 em um evento em Salvador (BA) no mês de abril. Porém, ele foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral de Goiás por oito anos, por abuso de poder político durante as eleições municipais de 2024, quando apoiou Sandro Mabel (União Brasil) para a Prefeitura de Goiânia. Ainda cabe recurso da decisão. Desde as eleições municipais do ano passado, Caiado busca se colocar como uma alternativa de direita ao bolsonarismo, disputando o espólio do ex-presidente.
A Justiça Eleitoral de São Paulo condenou Marçal por abuso de poder político e econômico durante a campanha para a Prefeitura de São Paulo no ano passado. A decisão declarou Marçal inelegível por oito anos. O ex-candidato pode recorrer da decisão.
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