Incerteza fiscal contribui para piora na percepção de risco de investidores – O Estado de S. Paulo
- Na Mídia
- 30/10/2024
- Tendências
Alta dos juros futuros é sinal de que investidores exigem ganho maior para financiar um governo que tende a se endividar
Toda vez que o cenário externo fica mais difícil, é como se a barra subisse para o Brasil. A combinação de um mundo mais complexo com as incertezas fiscais locais contribui para uma piora na percepção de risco dos investidores em relação ao País. Esse movimento, claro, se reflete no câmbio. Desde o início do ano, o dólar mudou de patamar e se aproximou de R$ 5,70 – ontem fechou em R$ 5,76.
Na mesma toada, os juros futuros subiram. Um título do Tesouro Nacional atrelado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) e com vencimento em 2035 oferece um ganho real superior a 6,7%. Em janeiro, o retorno desse papel era de 5,37%. Na prática, é um sinal do aumento da desconfiança com o rumo das contas públicas do Brasil. Ou seja, os investidores estão exigindo um ganho maior para financiar um governo cujo endividamento só tende a aumentar ao longo dos próximos anos.
A equipe econômica só vai conseguir estancar o crescente endividamento brasileiro se colocar o País numa rota de superávits primários. Ou seja, fazer com que as receitas superem as despesas, sem levar em conta o pagamento de juros. Em 2024 e 2025, o governo diz que vai entregar uma meta zero de resultado primário. Em 2026, no último do terceiro mandato do presidente Lula, a promessa é de um superávit de 0,25% do PIB.
Definida com o arcabouço fiscal, a meta para o número primário tem um limite de tolerância de 0,25 ponto porcentual. Com uma arrecadação robusta, os analistas avaliam que o resultado deste ano deve ser cumprido, mas há uma grande dúvida se esse cenário vai se repetir nos próximos anos. “As medidas de arrecadação deram certo (em 2024), mas o mercado começou a colocar no preço os anos de 2025 e 2026, porque vê que muitas coisas não são sustentáveis”, diz a diretora de macroeconomia e análise setorial na Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro.
Juros e inflação
A condução da política fiscal também liga um alerta, porque ela está em oposição ao aumento de juros promovido pelo Banco Central (BC). É como se o governo estivesse colocando o pé no acelerador ao mesmo tempo que a autoridade monetária tenta pisar no freio, com o objetivo de levar a inflação à meta de 3%.
Em seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto porcentual, para 10,75%. Foi a primeira alta do terceiro mandato do presidente Lula.
Analistas consultados pelo relatório Focus, elaborado pelo BC, esperam que a Selic encerre este ano em 11,75% e termine 2025 no patamar de 11,25%. É um cenário bem pior do que esperado em janeiro de 2024, quando as projeções para a taxa básica de juros ao fim de cada ano eram de 9% e 8,5%, respectivamente.
O BC precisou dar início ao aperto monetário diante das expectativas para a inflação cada vez mais distantes de 3%. Os números para o IPCA pioraram, sobretudo, por causa da desvalorização do real e pela estiagem enfrentada pelo País, que afetou os preços de energia elétrica e alimentos.
No último relatório Focus, a previsão dos analistas consultados para o IPCA deste ano está em 4,55%, acima, portanto, do teto da meta (4,5%). As previsões para os próximos anos também estão rodando distantes da meta. A de 2025 está em 4%, e a do ano seguinte é de 3,6%.
Na condução da política monetária, há uma incerteza adicional relacionada ao rumo do Banco Central por causa da troca de presidência – se a autoridade monetária vai ser dura na magnitude suficiente para trazer a inflação para 3%. Em 2025, o BC será comandado por Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula para substituir Roberto Campos Neto.
“Há o receio de que ano que vem o BC não atue de forma tão independente, já que estaremos nos aproximando de 2026 (ano de eleição presidencial), principalmente se a economia der sinais de desaceleração”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.