Há dúvidas de quanto o pacote pode ser desidratado’, diz economista sobre medidas fiscais – O Globo
- Na Mídia
- 13/12/2024
- Tendências
Para economista-sênior e sócio da Tendências, Silvio Campos Neto, alta da Selic não será suficiente para conter a alta do dólar. Isso depende das contas públicas, diz
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de aumentar a Selic em um ponto percentual mexeu com os mercados na quinta-feira. No dia seguinte à elevação da taxa básica de juros de 11,25% para 12,25% ao ano, o dólar encerrou em alta de 0,69%, a R$ 6,0091.
Somado a isso, as dúvidas sobre a candidatura à reeleição do presidente Lula e as incertezas sobre a política fiscal brasileira também alimentam o pessimismo dentro do mercado financeiro.
Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, analisa a última decisão do colegiado do Banco Central de 2024 (e última sob o comando de Roberto Campos Neto), como isso afeta o dólar e as possibilidades para 2026.
Como o senhor avalia a decisão do Banco Central?
Sobre a decisão em si, a gente vê como uma tentativa do Banco Central de mostrar que ele não será complacente ou leniente com uma piora cada vez mais clara das expectativas inflacionárias no Brasil.
Isso tem como pano de fundo a condução da política fiscal, entre outras questões. A inflação corrente está dando sinais mais claros de piora, o IPCA já está acima do teto da meta. Temos uma deterioração cada vez maior da inflação, além do câmbio.
Então (o Banco Central) optou por fazer esse ajuste justamente na tentativa de mostrar que “eu, Banco Central, não vou sancionar essa piora. O que tiver ao meu alcance, eu vou fazer”. O problema é que não depende só dele. Isso também tem essa questão fiscal muito presente.
Esse aumento e a sinalização de mais duas elevações de 1 ponto percentual aliviam a desconfiança do mercado sobre o comando de Gabriel Galípolo no Banco Central a partir de janeiro de 2025?
Eu acredito que pelo menos para esse período de transição alivia sim. É um sinal muito claro de que o Banco Central passará por uma continuidade. Essa mudança não parece que mudará a busca do Banco Central pela convergência da meta.
E para o dólar? O aumento nos juros deve aliviar a pressão no câmbio brasileiro ou ainda vamos ver a moeda americana apreciada por aqui?
Eu diria que essa ação do Banco Central tem sim a capacidade de esfriar um pouco essa pressão, mas não que vá colocar o câmbio (brasileiro) numa trajetória de apreciação mais forte, porque isso depende das negociações em torno do pacote fiscal.
E é uma preocupação (com o fiscal) que vai continuar mesmo depois do avanço das medidas (fiscais). Também existem as dúvidas de quanto desse pacote possa ser eventualmente desidratado.
A decisão do Banco Central demonstra esse posicionamento mais firme para lidar com esse movimento de maior risco, mas a reversão mais consistente do dólar vai depender naturalmente do desfecho desse pacote.
Esse aumento forte nos juros não pode piorar ainda mais a trajetória da dívida pública brasileira?
O Banco Central não poderia ficar inerte. Essa puxada a mais da Selic piora essa questão, mas a trajetória da dívida não depende só disso. Então de certa forma tem um efeito que não é só relacionado a essa medida (aumento dos juros). No fundo, o que vai quebrar essa dinâmica é que se consiga emitir um sinal minimamente sustentável no caráter dos gastos.
E mesmo que as medidas propostas pelo governo sejam aprovadas, isso não vai reverter as preocupações fiscais. Os mercados vão continuar com essa preocupação da dinâmica de dívida. Essa preocupação está muito mais ligada com esse problema inicial de uma falta de ajuste fiscal no longo prazo.
O juro é uma consequência, se você não der um sinal mais crível da parte fiscal, as taxas vão ficar mais pressionadas independentemente de qualquer coisa.
Na visão de economistas e analistas, ainda há esperança de que pelo menos alguns pontos do projeto sejam aprovados este ano no Congresso?
Existe. Mas não é nada óbvio enxergar se eles vão conseguir equacionar todas as dúvidas e questionamentos sobre o pacote em um prazo tão curto. Mas, de novo, não é uma coisa que dê para cravar. É viável, mas ainda está cercado de muitas dúvidas. E se ficar para o ano que vem, a retomada vai coincidir com as eleições presidenciais do Congresso.
O quadro de saúde do presidente Lula abriu discussões sobre uma possível desistência da candidatura dele à reeleição em 2026. O mercado está monitorando essa situação?
Certamente. Acho que o que ocorreu essa semana abre essa possibilidade de o presidente ter esse questionamento de ele ter a capacidade, de saúde mesmo, para concorrer em 2026. Então esse é um tema que claramente vai entrar cada vez mais no radar do mercado.
Isso é bem visto pois abre margem para outras lideranças, até mesmo o ministro Fernando Haddad, que é visto como alguém muito mais moderado. No lado do ex-presidente Jair Bolsonaro também há essa possibilidade para alguém mais capaz no lado econômico, caso ele siga inelegível.
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