Falências bancárias nos Estados Unidos motivam preocupações sobre risco sistêmico

A tomada de controle do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank pelo Banco Central Americano (FED), em março de 2023, reverberou pelos mercados dentro e fora do país, gerando temores de que esta fosse a ‘ponta do iceberg’ de uma crise financeira ampla, comparável à ocorrida em 2008, que causou uma profunda recessão mundial.As investigações preliminares sobre os determinantes da falência do SVB indicam uma combinação perversa de dois elementos: (i) aumento dos saques dos principais depositantes – startups com necessidades de caixa; e (ii) escolhas de investimento arriscadas que geraram prejuízos, dadas as necessidades de liquidez dos depositantes.

Como chegamos até aqui?

Desde março de 2022 o FED tem elevado suas taxas de juros para combater a inflação, cenário que não era visto desde 2018. Neste contexto, os títulos do tesouro americano se tornaram uma alternativa com juros mais atraentes, o que, combinado a dificuldades em alguns nichos de mercado (por exemplo, o setor de inovação e tecnologia), levou depositantes de alguns bancos a aumentar seus saques. Para atender a esses pedidos de retirada, os bancos tiveram que vender seus ativos a um valor de mercado inferior ao anteriormente esperado. No caso do SVB e do Signature Bank, esse processo se deu até ficar claro que não haveria recursos suficientes para atender aos depositantes.

A lógica econômica por trás desse processo

Bancos usualmente recebem depósitos bancários e utilizam recursos destes depósitos para fazer investimentos. Os depósitos podem ser sacados por depositantes a qualquer momento e, portanto, são compromissos de curtíssimo prazo. Já os investimentos dos bancos podem ser em empréstimos ou outros ativos de prazo mais longo. Por exemplo, no caso do SVB, uma parte substancial de seus investimentos correspondia a títulos públicos de longo prazo. Neste caso, o pagamento destes títulos pelo governo é feito anos à frente de sua emissão. Essa conduta, chamada de “transformação de maturidade”, embora seja comum e contribua para a expansão da oferta de crédito (permitindo que recursos em depósitos sejam emprestados), não é isenta de riscos: se muitos depositantes decidem sacar seus recursos líquidos simultaneamente, um banco pode não ter recursos líquidos suficientes para disponibilizar a eles, tornando-se insolvente. O temor dos depositantes de que isso ocorra de um dia ao outro gera o fenômeno conhecido como “corrida bancária”.

Reação dentro e fora dos Estados Unidos

Em resposta à falência destes bancos, autoridades e instituições americanas ratificaram publicamente a solidez do sistema financeiro americano e ofereceram garantias – ao menos parciais – para os recursos dos depositantes afetados, indicando que estes bancos seriam pequenos o suficiente para não gerar risco sistêmico e, portanto, casos isolados. Ademais, algumas iniciativas regulatórias estão em análise nos Estados Unidos e mesmo na Europa.Esta movimentação internacional, que visa a afastar o aumento da desconfiança sobre a solidez do sistema bancário, reforça a importância da pesquisa em economia bancária liderada por Ben Bernanke, Douglas Diamond e Philip Dybvig, que curiosamente foi contemplada pelo último prêmio Nobel de Economia, em 2022.A pesquisa premiada pelo Nobel de Economia identificou que há um componente de ‘profecia autorrealizável’ quando expectativas negativas são formadas sobre a saúde financeira dos bancos de uma forma geral.  Preocupações com a segurança dos ativos costumam gerar pânico e corrida bancária, que podem levar bancos financeiramente sadios ao colapso e carregar a economia real a uma recessão profunda.

O papel do regulador

Apesar de a lógica de mercado sugerir que bancos mal gerenciados devam sair do mercado, é comum que governos e reguladores os socorram, minimizando os danos destas quebras. Neste caso, ‘o diabo está nos detalhes’ porque cuidar em excesso dos depositantes afetados adversamente pela quebra pode incentivá-los a serem menos cuidadosos na escolha do banco depositário, o que pode exacerbar o comportamento ‘descuidado’ do banco em relação à alocação de riscos de seus recursos (risco moral).  O regulador, portanto, enfrenta um dilema importante entre prevenir a crise ex-ante e proteger aqueles depositantes afetados após a quebra. Por outro lado, reguladores devem minimizar o risco de quebras através do monitoramento do capital e da liquidez bancária, além da realização de auditorias adequadas e simulações testando sua solidez (stress tests). Esses procedimentos devem levar em conta o tamanho dos bancos e atentar para não elevar desnecessariamente barreiras à entrada que prejudiquem a concorrência no setor. O caso recente do SVB e do Signature Bank sugerem que há espaço para aprimoramentos nesta supervisão, uma vez que o regulador foi incapaz de detectar estes riscos com antecedência.

O que vem a seguir?

A Tendências Consultoria segue acompanhado com atenção os desdobramentos deste episódio e o posicionamento das principais autoridades bancárias e concorrenciais no mundo, com atenção às experiências brasileira e internacional e à pesquisa econômica de qualidade produzida sobre o tema.Por: Adriana Perez e Gabriel Madeira.Leia mais: Pesquisa sobre o papel dos bancos nas crises financeiras leva o Nobel de Economia em 2022

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