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Exceção à regra – O Globo

Com despesas para Defesa, gastos fora da meta fiscal podem passar de R$ 150 bi

Com o projeto que retira R$ 5 bilhões de gastos com as Forças Armadas da meta fiscal, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pode superar R$ 150 bilhões em exceções à regra até o fim do mandato. Atualmente, as exceções previstas já superam R$ 140 bilhões, mas a conta pode aumentar com a aprovação de projetos em tramitação no Congresso, como o que beneficia a Defesa, que recebeu aval do Senado nesta quarta-feira, com apoio do governo e da oposição.

Independentemente do mérito, especialistas afirmam que as exceções são uma forma de driblar as regras fiscais para aumentar gastos. Além disso, limitam a eficácia e a credibilidade da meta como sinalização da trajetória fiscal e para promover o equilíbrio das contas públicas. Mesmo que essas despesas não sejam consideradas para verificar o cumprimento do alvo de resultado primário, efetivamente saem dos cofres da União e aumentam a dívida pública.

A maior parte das iniciativas para excluir gastos da meta incluem a permissão para que os valores sejam retirados do limite de despesas criado pelo novo arcabouço fiscal — proposto pelo próprio governo Lula em 2023 e que começou a valer no ano passado.

A meta é o objetivo definido para as contas públicas e é um indicador de solvência fiscal. Pelas regras de hoje, o resultado final pode variar de 0,25% do PIB para mais ou para menos. É possível obter exceções por alterações na lei ou decisões judiciais.

Bolsa Família de um ano

Nas contas da Instituição Independente do Senado (IFI), as deduções da meta podem chegar a R$ 157,3 bilhões de 2024 a 2026, considerando os projetos que excetuam as despesas com as Forças Armadas e o impacto fiscal com as medidas de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço dos Estados Unidos, de R$ 9,5 bilhões. Para dar uma dimensão do volume de recursos envolvidos, isso seria praticamente o bastante para pagar o Bolsa Família ao longo de um ano. O valor previsto no Orçamento deste ano para o programa é de R$ 158,6 bilhões.

Os senadores já aprovaram o texto-base do projeto do “Plano Brasil Soberano”. Contando só com o que já está valendo, o economista João Leme, da Tendências Consultoria, calcula em R$ 145,3 bilhões as exceções no mesmo período.

O período entre 2024 e 2026 é o da vigência do arcabouço fiscal sob o governo Lula 3. Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento não se manifestaram.

A primeira iniciativa para retirar gastos da meta foi adotada antes mesmo de o arcabouço fiscal entrar em vigor, em dezembro de 2023. Naquele mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o teto para o pagamento das dívidas judiciais da União, que havia sido criado no governo de Jair Bolsonaro, mas autorizou a gestão Lula a regularizar a fatura fora do limite de gastos e da meta fiscal até o fim de 2026.

Como o governo antecipou o pagamento no próprio ano de 2023, não houve excepcionalização relativa aos precatórios em 2024. Mas, em 2025 o gasto fora da meta é de cerca de R$ 40 bilhões. Para 2026, a proposta orçamentária prevê a exclusão de R$ 57,8 bilhões referente ao pagamento de dívidas judiciais.

Para além dos precatórios, no ano passado, os gastos com a reconstrução do Rio Grande do Sul (R$ 29 bilhões) após a tragédia provocada pelas enchentes também foram excetuadas da meta e do limite de despesas, assim como os recursos destinados a socorrer as regiões que sofreram com grandes incêndios (R$ 1,4 bilhão).

Houve ainda a retirada de R$ 1,3 bilhão da restituição de limites concedidos a menos no teto de gastos do Judiciário entre 2017 e 2019, conforme decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). A partir do ano passado, também foi autorizada a exclusão de até R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

‘Banalização’

Por conta dessa sequência de regras, no fim do ano passado, houve déficit efetivo de R$ 43 bilhões. Mas, para fins de cumprimento da meta, o resultado foi de rombo de R$ 11 bilhões, dentro do limite de tolerância do alvo zero.

Em 2025, a novidade foi o ressarcimento do governo aos aposentados do INSS lesados por descontos fraudulentos em seus benefícios. A autorização foi dada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e, posteriormente, o Congresso aprovou um crédito extraordinário de R$ 3,3 bilhões. Junto com os precatórios e os investimentos de estatais no PAC, o valor fora da meta este ano já chega a R$ 47,1 bilhões.

Atualmente, a equipe econômica projeta um déficit de R$ 73,5 bilhões para este ano, mas as deduções permitem que o resultado negativo chegue a R$ 30,2 bilhões, próximo do piso da meta zero, que permite rombo de até R$ 31 bilhões.

Para o ano que vem, a proposta orçamentária prevê um superávit de R$ 34,5 bilhões, no centro da meta, descontando os precatórios. Ainda podem entrar nas deduções os gastos com a Defesa e o impacto primário com as medidas do pacote de socorro a empresas afetadas pelo tarifaço.

O diretor da IFI Alexandre Seijas observa que as deduções da meta vem aumentando ano a ano, o que contradiz, segundo ele, o discurso do governo de que o processo de consolidação fiscal do país está em curso. O economista ainda destaca que algumas despesas excluídas do cálculo da regra fiscal eram imprevisíveis, mas no caso da iniciativa mais recente, dos gastos com as Forças Armadas, foi planejada e já consta, inclusive, da proposta orçamentária de 2026.

— O espaço orçamentário está cada vez mais apertado. Esse movimento de excetuar despesas da meta só reflete essas condições — diz Seijas, ressaltando que abre um precedente perigoso. — A meta tem deixado de sinalizar, já não reflete um compromisso com a sustentabilidade das contas públicas, cada vez mais os agentes observam a trajetória de endividamento — completa.

R$ 27,1 bi para fechar contas

Para João Leme, economista da Tendências, o governo tem banalizado um instrumento que deveria ser usado para situações bastante excepcionais com o objetivo de evitar o descumprimento da meta e a responsabilização do gestor público.

— Não deveria ser assim, deveria se usar a banda da meta para absorver situações imprevisíveis, mas desde o ano passado o governo vem mirando no piso. Só em casos muito excepcionais é que deveria ser usado o instrumento que permite a exclusão da meta. Mas o que aconteceu foi uma banalização — afirma.

Dessa forma, na visão de Leme, com os resultados “turvados”, a regra fiscal vai perdendo credibilidade para ancorar as expectativas em relação à trajetória fiscal e da dívida pública, o que pesa para a política monetária e retroalimenta o problema fiscal, já que os investidores cobram prêmios maiores para comprar títulos soberanos.

Mesmo com os gastos excetuados da meta, o governo vai precisar de R$ 27,1 bilhões adicionais no último trimestre para fechar o ano dentro do resultado estabelecido, de acordo com relatório divulgado ontem pela IFI. O documento aponta que o déficit registrado pelas empresas estatais neste ano e a perda de arrecadação com a queda da medida provisória alternativa ao aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) são os principais desafios para o cumprimento da meta.

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