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Estatais registram em 2024 pior déficit da história – CNN Brasil Money

Em entrevista à CNN Brasil, Maílson da Nóbrega, ex-Ministro da Fazenda, comentou sobre o desempenho das estatais, que registraram, em 2024, o pior déficit da história.

O ano começa com um desafio já conhecido pelo governo: o espaço no orçamento. A política fiscal segue gerando um clima de insegurança no país. As empresas estatais registraram um déficit primário de mais de R$ 8 bilhões em 2024, o maior da série histórica.

Privatizar ou não privatizar?

Quando questionado se privatizar essas empresas seria um bom começo para equilibrar as contas do governo, Maílson diz que, antes de tudo, é importante esclarecer um ponto: houve um aumento do déficit primário, ao contrário do que alguns veículos de comunicação noticiaram como sendo um rombo nas estatais. Rombo está associado a prejuízo e endividamento nem sempre é um. Uma estatal pode operar no prejuízo e, ao mesmo tempo, reduzir seu endividamento.

Maílson acredita que o Brasil já passou da fase de manter grandes empresas sob controle do governo. Ele explica que empresas estatais são um fenômeno do século XIX e que, antes disso, elas não existiam. A Revolução Industrial, que fez da Inglaterra uma potência econômica mundial, ocorreu sem a necessidade de empresas estatais. A justificativa para a criação de uma estatal ocorre quando um serviço essencial para a economia não é atrativo para o setor privado.

Um exemplo clássico no Brasil foi a fundação do Banco do Brasil por Dom João VI em 1808. Na época, não havia bancos no país nem instituições emissoras de moeda e o comércio crescia rapidamente com a chegada da família real e milhares de portugueses. Por isso, o governo precisou criar um banco estatal.

Atualmente, porém, Maílson diz que não há mais razões para manter grandes estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Elas continuam existindo porque parte da sociedade comprou a ideia equivocada de que são estratégicas. Além disso, governos como os do PT tendem a defender as estatais, acreditando, equivocadamente, que elas têm um papel fundamental no desenvolvimento do país.

Ele ainda diz que, se olharmos para o Reino Unido, pioneiro nas privatizações dos anos 80, ainda há algumas empresas estatais em setores muito específicos, como pesquisa contra o câncer, que não atraem investidores privados. Mas, no Brasil, muitas estatais poderiam simplesmente ser fechadas.

Outro ponto crucial é que empresas estatais, em geral, são menos eficientes do que as privadas. Isso ocorre porque estão sujeitas a mudanças de gestão a cada quatro anos – ou até com mais frequência –, além de regras burocráticas para aquisição de bens e serviços. Muitas vezes, um problema em licitações públicas pode atrasar investimentos essenciais. O Banco do Brasil, por exemplo, ficou dois anos sem modernizar seu parque de computadores por conta de disputas jurídicas em processos de concorrência.

Diante disso, Maílson diz que não há dúvida de que o Brasil tem capacidade empresarial e um mercado de capitais robusto para privatizar empresas como a Petrobras. Se fosse privada, a Petrobras certamente seria mais eficiente, lucrativa e útil ao país, sem o peso do controle estatal.

Infelizmente, Maílson diz que o atual governo não pensa assim e dificilmente mudará de opinião. Esse debate levará tempo, mas, no longo prazo, a tendência é a eliminação da maioria das estatais, salvo aquelas que realmente não despertam interesse do setor privado e precisam ser mantidas pelo governo.

Ao ser questionado se os modelos adotados atualmente estão no caminho certo ou se ainda há ajustes a serem feitos para garantir privatizações mais eficientes no futuro, Maílson acredita que o melhor modelo é o que foi adotado nas privatizações da Eletrobras e da Sabesp: o modelo de Corporation, em que não há um único dono da empresa.

Maílson diz que isso facilitaria a privatização de uma companhia como a Petrobras, pois dificilmente se encontrará um empresário no Brasil ou um investidor estrangeiro disposto a desembolsar, de uma só vez, o valor total da empresa.

Ele explica que o modelo de Corporation permite a disseminação das ações entre o maior número possível de investidores, sejam pessoas físicas, jurídicas, fundos de investimento, family offices, entre outros. Esse formato já provou ser o mais eficiente.

Porém, Maílson diz que o governo ainda interfere. Por exemplo, o PT não se conformou com a privatização da Eletrobras, baseado na equivocada ideia de que a empresa é estratégica e, portanto, não deveria estar no setor privado.

Maílson ainda aponta que essa visão revela um certo preconceito do partido em relação à iniciativa privada. O PT recorreu ao Judiciário para questionar o modelo, pois, apesar de deter mais de 10% do capital da empresa, teve direito a apenas um assento no conselho.

Essa limitação foi um dos fatores que tornaram a privatização atraente para os investidores. Caso a União tivesse um número de membros no Conselho de Administração proporcional à sua participação no capital, haveria quase um domínio estatal, o que desincentivaria os investidores.

Prioridades do governo

Sobre a pauta econômica, há uma lista de 25 prioridades do governo, apresentada ao Congresso Nacional para este segundo biênio da gestão. No topo da lista, está o fortalecimento do arcabouço fiscal, mas há outros temas relevantes.

Entre as prioridades, estão a reforma tributária sobre a renda, a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000, a limitação dos supersalários, a reforma da Previdência dos militares e o projeto de lei de conformidade aduaneira, que visa premiar os bons contribuintes e tornar o fisco mais orientador do que punitivo.

Outros pontos incluem o aprimoramento da lei de falências, o fortalecimento da proteção aos investidores no mercado de capitais, a resolução bancária e a consolidação legal da infraestrutura.

Ao ser questionado se essas prioridades estão alinhadas com o momento fiscal do Brasil, Maílson diz que a lista é muito boa, comprova a qualidade da equipe do ministro Haddad e acredita que a maior parte das propostas será aprovada sem grandes dificuldades no Congresso Nacional.

Talvez haja resistência na questão do imposto sobre grandes fortunas e na limitação dos supersalários. A Fazenda já foi derrotada na primeira tentativa de limitar os supersalários, que, na prática, beneficiam principalmente membros do Judiciário e do Ministério Público.

Maílson diz que a Fazenda propôs uma medida correta, que previa submeter os chamados “penduricalhos” — benefícios criados pelos próprios juízes sem autorização legislativa — à aprovação de uma lei complementar. No entanto, os juízes se mobilizaram silenciosamente e conseguiram alterar o projeto no Congresso, substituindo a exigência de lei complementar por uma lei ordinária.

A imprensa não percebeu a manobra e interpretou a mudança como uma flexibilização, quando, na verdade, a lei complementar tem status constitucional e regulamenta dispositivos da Constituição. Então, ao dizer que seria uma lei complementar, ela se aplicaria também aos juízes e desembargadores dos estados, onde estão os maiores escândalos de remuneração. 

Maílson acredita que a Fazenda deve reiterar a ideia de que tem que ser uma lei complementar. Mais do que isso, ele acredita que é preciso avançar para proibir órgãos da Justiça, órgãos do Judiciário e os conselhos — tanto Federal como Estadual — de aprovar benefícios pecuniários para juízes. Isso é uma tarefa do Legislativo. Além disso, há um conflito de interesse, porque os desembargadores que estão aprovando esses escândalos também serão beneficiados.

Governo de Milei

Sobre as políticas do governo Milei e se podemos dizer que é uma das maiores experiências liberais deste século, Maílson acredita que, sim, é uma das experiências mais incríveis deste século e que se surpreende, não só com a dimensão das medidas, a maioria quase todas na direção correta.

Ele explica que é preciso livrar a Argentina do peso do populismo, da irresponsabilidade que tem caracterizado o país há 70 anos e diz que a Argentina é o único caso no mundo, nos últimos três ou quatro séculos, em que um país rico empobrece.

Maílson diz que Milei está na direção correta e, para sua surpresa, a paciência do povo argentino é maior do que qualquer pessoa imaginava. Tudo indicava que, quando começasse a apertar o cinto, sobretudo dos mais pobres, Milei perderia popularidade, o Congresso assumiria uma posição mais agressiva contra ele e ele perderia a guerra. Isso não aconteceu.

A popularidade dele, apesar do aumento da pobreza na Argentina, cresceu. Ou seja, uma prova de que o povo argentino se cansou definitivamente dos efeitos desastrosos das políticas do partido peronista.

Por outro lado, Maílson diz que Milei é um homem complicadíssimo e que essa atitude dele de sair da Organização Mundial da Saúde parece quase uma piada, sendo uma ação feita só para imitar Donald Trump.

Maílson diz que não é bem-visto um presidente tomar medidas — por mais importantes que sejam — apenas porque outro país fez o mesmo. A Argentina tem soberania e capacidade para tomar decisões com base em seus próprios estudos e visões de mundo.

Além disso, Maílson diz que, entre diversas medidas, ele já anunciou que até o final do ano haverá câmbio livre na Argentina, tornando a política cambial argentina a mesma do Brasil. 

Maílson explica que o dólar é quase um fetiche na Argentina. A partir desse momento, qualquer argentino poderá comprar dólar, o que provavelmente esfriará essa bolha da adoração da moeda norte-americana. 

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!