Tendências Consultoria Econômica

  • Português
  • English
Edit Template

Efeitos financeiros extrafiscais no pós-Reforma: o que as calculadoras não te contam

Por: Mário Nazzari Westrup, Guilherme Venturini Floresti e Diego Rodrigues Lucchesi, consultores da Tendências

A transição para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) muda a forma como ajustes comerciais se convertem em base tributária e em caixa. No sistema atual, muitos abatimentos correm por fora do documento fiscal: aluguel liquidado por boleto com descontos posteriores, bonificações condicionadas a metas registradas em nota de débito, acertos financeiros no fechamento do mês, entre outros. Essas práticas alteram o resultado contábil, mas nem sempre aparecem nas calculadoras de prateleira, que leem os SPEDs e balancetes, e inferem a carga tributária atual como se todos esses ajustem fossem neutros aos tributos.

Saiba mais sobre a Reforma Tributária com a Tendências Consultoria

A nova base de cálculo na Reforma Tributária: mais abrangente e documentada

No novo regime, a base de cálculo passa a ser o valor integral cobrado a qualquer título, incluindo acréscimos, juros e os descontos concedidos sob condição. Descontos incondicionais só reduzem a base quando constarem do documento fiscal e não dependerem de evento posterior. Em outras palavras, o “abatimento de boleto” não documentado fiscalmente deixa de ser invisível e continua compondo base, o que desloca carga e altera o timing do caixa.

Impactos diretos sobre o varejo e a distribuição

A consequência prática é direta na cadeia de varejo e distribuição. Um fornecedor que faturava preço cheio e devolvia parte por nota de débito ou ajuste financeiro precisará migrar o incentivo para a nota fiscal, como desconto incondicional ou bonificação que cumpra os requisitos legais. Sem essa formalização, o tributo incide sobre o valor bruto e o split payment captura sua fração no ato, comprimindo a folga de caixa do fornecedor e do varejista e induzindo renegociação de metas, prazos e métricas de performance.

A relação entre débito, crédito e neutralidade tributária

Quando o débito não é corretamente constituído no documento fiscal, o crédito na etapa seguinte não é gerado, dado que a não cumulatividade depende do que foi efetivamente tributado. Ajustes fazem com que o fornecedor recolha menos do que deveria e, como consequência, o cliente não consiga apropriar o crédito correspondente, gerando cumulatividade para a cadeia restante. No pós-Reforma, com split payment e validações eletrônicas, essa dissociação tende a aparecer rápido no caixa e nos controles, transformando um “acordo comercial” em custo efetivo para todos os elos.

Fiscalização e o fim dos ajustes “por fora”

A fiscalização também ganha instrumentos para fechar a porta dos ajustes “por fora”. A lei autoriza o arbitramento do valor da operação quando houver falta de documentação fiscal, documento inidôneo ou subfaturamento evidente, desestimulando acordos paralelos e empurrando o ecossistema para um fluxo único: todos componentes do preço (incidentais ou não) dentro da base de cálculo de CBS e IBS.

Casos típicos de risco: bonificações, locações e incentivos financeiros

Casos típicos como locações com abatimentos posteriores, bonificações vinculadas ao desempenho de vendas e incentivos por participação de carteira tendem a migrar para contratos e notas que expressem com clareza o preço efetivo. Sem essa tradução para o documento fiscal, o ajuste permanece apenas no financeiro e cria uma leitura enganosa nas calculadoras, ao mesmo tempo em que aperta o caixa no momento da liquidação.

Documentação fiscal como estratégia financeira no pós-Reforma

No pós-Reforma, a documentação que espelha o valor econômico passa a ser variável estratégica. Ela condiciona a neutralidade da não cumulatividade, reduz a volatilidade de margens e delimita a necessidade de capital de giro, com efeitos sobre custo de financiamento e risco de crédito entre empresas. Onde preço, condição e incentivo não forem refletidos no documento fiscal, a cadeia operará com maior incerteza e carregará custos financeiros que não aparecem na planilha, mas que impactarão resultado.

Leia também: Créditos de CBS e IBS no ativo imobilizado: impactos em concessões e PPPs