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Dólar recua 7,7% desde pico de 2024 e pode aliviar inflação – O Globo

Para governo, projeções ainda estão contaminadas pela alta do câmbio no fim do ano, mas analistas sugerem cautela.

Após disparar em dezembro, a taxa de câmbio vem caindo dia após dia desde o início de 2025, o que poderá trazer um alívio para a inflação. Ontem, o dólar encerrou o pregão em queda de 0,13%, a R$ 5,785, um recuo acumulado de 7,7% desde 18 de dezembro, quando atingiu a máxima histórica, de RS 6,267, impulsionado tanto pelas perspectivas com a volta de Donald Trump à Casa Branca quanto pelas desconfianças em relação ao desequilíbrio das contas do governo no Brasil.

No Ministério da Fazenda, interlocutores acreditam que as projeções atuais sobre o comportamento dos preços ainda estão muito poluídas pela disparada do dólar no fim de 2024. Os níveis atingidos nos últimos dias estão parecidos com os do fim de novembro, antes do anúncio, pelo governo, de medidas para conter os gastos públicos, que foram consideradas insuficientes por analistas e investidores.

A alta do dólar pressiona os preços de produtos importados ou de bens que usam componentes vindos de fora. Matérias-primas produzidas aqui, mas comercializadas globalmente na divisa americana, também ficam mais caras. Tudo isso fez a disparada do câmbio de dezembro acender mais um sinal de alerta para a inflação.

A equipe econômica ainda não fechou as projeções oficiais para este ano, mas avalia que a inflação deve fechar ao redor do teto da meta – que é de 4,5%, considerando o alvo de 3%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Um aliado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que é difícil antecipar o comportamento do câmbio, até porque o movimento da moeda normalmente é determinado pelos ventos da economia global, atualmente bastante afetados pelas declarações de Trump. Esse interlocutor concorda com o ministro na visão de que os fundamentos da economia brasileira apontam para um câmbio mais próximo de RS 5,70 no longo prazo.

Haddad tem repetido que a redução do dólar e a previsão de safra recorde de grãos este ano devem diminuir a pressão sobre os preços de alimentos. A expectativa na pasta é que a inflação dos alimentos fique mais perto de 5% este ano, ou até menos. Em 2024, houve alta de 7,69% do grupo Alimentação e Bebidas no IPCA, incluindo um aumento de 8,23% nos produtos da alimentação em domicílio.

Freada na economia

Outro vetor importante para o alívio da inflação em 2025, na visão da Fazenda, deve ser a desaceleração da economia. Há confiança de que a Selic (a taxa básica de juros, hoje em 13,25% ao ano) elevada fará o seu papel para esfriar o crescimento econômico, que deverá ficar entre 2% e 2,5% este ano, contra 3,6% em 2024.

Para economistas ouvidos pelo GLOBO, não está claro ainda se o alívio recente nas cotações do dólar será suficiente para melhorar o quadro geral da dinâmica de preços. Será preciso aguardar os próximos dados para compreender a magnitude da perda de fôlego do crescimento da economia. Há ainda o desafio de calibrar a “variável Trump”, que pode mexer com a moeda e, consequentemente, com os preços internacionais.

Mais otimista, André Braz, coordenador dos índices de Preços da FGV, avalia que a valorização do real frente ao dólar ajuda a conter a inflação, que deve fechar o ano em torno de 4,8% ou 5%, um patamar próximo ao observado em 2024:

– Com o juro alto do jeito que está (o que desaquece a economia), safra boa e câmbio mais depreciado, a gente consegue repetir 2024. Não vejo um cenário tão caótico como 6% (de inflação).

Apesar do otimismo, Braz não acredita que a conjuntura mais favorável permitirá que o Banco Central (BC) deixe de subir os juros nas próximas reuniões, levando a Selic para algo como 15%.

Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, concorda que o atual patamar dos juros deverá desacelerar a economia. Mantidas as variáveis de juros em alta, economia perdendo força e dólar sem grande volatilidade, Cunha também não espera que o câmbio faça tanto peso sobre a inflação. No entanto, isso não significará que os preços deixarão de causar certo desconforto ao consumidor, alerta o professor:

– Você pode ter uma inflação parada, mas os preços continuam altos. Os preços não voltaram para baixo.

Risco externo

Cunha avalia que o cenário internacional é hoje o principal fator de risco para o dólar, com destaque para a política econômica dos EUA. O professor lembra que Trump emite sinais mistos, que podem afetar os preços tanto para cima quanto para baixo.

De um lado, o presidente americano deverá forçar uma atuação sobre o setor de energia, para ajudar a reduzir os preços do petróleo e, consequentemente, da gasolina. Caso os preços do petróleo baixem, o impacto sobre o Brasil e a inflação do combustível será positivo.

Por outro lado, as perspectivas de imposição de tarifas para insumos produzidos fora dos EUA podem afetar outros preços e bagunçar o jogo internacional.

—É difícil saber o que vai ser o setor externo. Toda vez que Trump assopra, mas não morde, aí melhora (o dólar).

Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, atribui a queda recente do dólar à decisão de Trump de direcionar suas políticas comerciais contra países vizinhos mais vulneráveis, em vez de adotar uma postura mais agressiva em relação à China — embora tenha anunciado medidas, mais leves, contra os chineses.

Também ajudaram o câmbio recentemente algumas notícias de curto prazo sobre as contas públicas, como a venda de reservas internacionais em dezembro, o que resultou na redução da dívida pública, e o desempenho do resultado entre receitas e despesas.

No entanto, assim como Cunha, Vale considera que o conjunto de políticas econômicas de Donald Trump deverá manter uma pressão sobre o câmbio. Por isso, o economista considera mais provável o câmbio se manter ao redor de RS 6 nos próximos meses. A dúvida que paira agora é se a desaceleração da economia que já aparece em alguns indicadores será suficiente para levar a inflação de volta à meta.

Aceleração surpresa

A prévia da inflação de janeiro mostrou uma aceleração surpreendente nos preços de serviços e bens comercializáveis, o que fez a Tendências Consultoria elevar a projeção de inflação de 2025 de 4,7% para 5,5%. A despeito de uma perda de fôlego no ritmo da economia, os preços ao consumidor ainda não dão trégua e desafiam a tarefa de segurar a inflação.

– Tem vários pontos que ainda apontam uma certa cautela, como a dinâmica no mercado de crédito e o próprio mercado de trabalho, que ainda tem uma resiliência grande, apesar da desaceleração. Avaliamos ser muito cedo para comprar esse cenário de dólar mais tranquilo — diz Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria.