Dólar oscila e projeção depende de vitorioso nas eleições dos EUA – Capital Aberto
- Na Mídia
- 25/10/2024
- Tendências
Estimativa está em intervalo de R$ 5,45 e R$ 5,65 sob influência do resultado do pleito americano e questão fiscal no Brasil
Em meio a um cenário macroeconômico desafiador, o dólar oscila com rapidez – e chegou à faixa de R$ 5,70, acima do teto de R$ 5,60 previsto por economistas para o final deste ano há apenas um mês. Fatores externos pesam mais para a alta neste momento. Entre eles, o ritmo do corte de juros pelo Federal Reserve (Fed), as eleições americanas, além dos conflitos no Oriente Médio e a situação econômica chinesa. No Brasil, o motivo é a preocupação acerca do risco fiscal. O câmbio deverá permanecer em um intervalo entre R$ 5,45 e R$ 5,65 em dezembro, segundo estimativas dos economistas entrevistados pela Capital Aberto. A eleição americana ditará o ritmo da alta e o teto do dólar até o final do ano.
A percepção de que o Fed vai ser mais comedido no corte de juros daqui para frente, com sinais de que a economia norte-americana ainda segue firme, tem trazido efeito aos juros de mercado e, também, ao próprio dólar, o que explica parte desse ganho. “Além do mercado já começar a ficar de olho numa eventual vitória de [Donald] Trump, e estar um pouco mais cauteloso, em relação a esse cenário nas eleições daqui a duas semanas”, comenta Silvio Campos Neto, sócio da Tendências.
Os conflitos no Oriente Médio também têm afetado o câmbio, favorecendo o dólar ante o real devido à relação com os recursos naturais, principalmente devido ao petróleo, o que acaba influenciando o cenário no Brasil. Já internamente, a grande preocupação continua sendo o cenário fiscal e o rumo das contas públicas. “No Brasil, pesam mais os fatores internos em relação ao fiscal. Ainda não há nenhuma sinalização por parte do governo sobre a forma de alcançar a meta fiscal estabelecida pelo arcabouço fiscal”, aponta Elson Gusmão, diretor de câmbio da Ourominas.
Na avaliação de um executivo de tesouraria de um grande banco, que atende investidores estrangeiros e empresas, o maior peso na trajetória de valorização recente do dólar, frente ao real e outras moedas, tem vindo do ambiente externo, respondendo por dois terços do movimento da moeda. São importantes nesta conta a probabilidade de vitória de Donald Trump, a força da economia americana (fator que pode levar o Fed a reduzir os cortes na taxa de juros) e a incapacidade da China em reaquecer sua economia, o que pressiona commodities importantes para atrair divisas para o Brasil.
A visão do peso da vitória de Trump na valorização do dólar é compartilhada por outros especialistas do mercado. “Ele tem algumas plataformas que preocupam na parte de tarifas comerciais e mesmo de cortes de impostos. No fundo, são elementos que eventualmente retomam pressões inflacionárias, pioram o lado fiscal, e isso desencadeia também o movimento de valorização do dólar lá fora”, comenta o sócio da Tendências.
Para o executivo da Ourominas, em escala de importância, as eleições têm surtido a maior pressão sobre o câmbio, por mexerem diretamente com o orçamento norte-americano e o dólar. “Tivemos essa semana um reporte de um déficit norte-americano muito alto, e isso acaba impulsionando o dólar, porque, com déficit, como tentam arrecadar dinheiro? Emitindo títulos públicos pagando uma taxa de juros um pouco maior, e isso acaba fortalecendo o dólar, já que os investidores acabam comprando esses títulos”, diz.
A Ourominas, inclusive, tem trabalhado com dois cenários para o “teto do dólar”. Se o cenário for a vitória de Donald Trump, Gusmão vê o dólar em um patamar entre R$ 5,60 a R$ 5,65, a depender também do cenário fiscal no Brasil. Enquanto na vitória de Kamala Harris, acredita em um dólar um pouco mais baixo, entre R$ 5,50 a R$ 5,60, também ainda dependendo de algumas medidas internas.
Corte do Fed
Mais um fator que influencia o câmbio é a expectativa de que o Fed reduza o juro americano ainda neste ano, com dois cortes de 0,25 ponto percentual, que estão sendo revistos para apenas um. Dados divulgados nesta quinta-feira (24) sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos reforçam esta visão. O número de pedidos de auxílio-desemprego caiu em 15 mil, para 227 mil solicitações na semana encerrada em 19 de outubro. Os números da semana vieram abaixo do consenso, na casa de 242 mil pedidos.
A Tendências vê espaço para que o Fed siga gradualmente com a queda de juros, mas o fator eleitoral é um ponto de preocupação, reforça Campos Neto. Contudo, por enquanto, a consultoria mantém a projeção de dólar a R$ 5,45 no final do ano. Ele reconhece que há um risco de o câmbio eventualmente se estabilizar em patamares mais elevados do que o esperado.
Na visão do especialista de tesouraria, que pediu anonimato, a Selic em alta no Brasil vai inibir um pouco a compra de dólar futuro (hedge) porque o custo fica alto. Embora a Selic deva subir algo perto de meio ponto percentual na próxima reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), a curva de juro já projeta Selic a 13,5% em 2025. O custo – diferença entre quanto paga na Selic e o quanto recebe no cupom cambial – está hoje em 6% para hedge de seis meses. Na prática, se ao final do contrato o dólar não estiver pelo menos 6% mais caro, quem montou a posição perde dinheiro. “O aumento da Selic fará efeito, mas ainda demora. Para hedge de prazos mais curtos, o custo é de 4,5%, o que justifica a compra de uma proteção – posições compradas em dólar”, explica.
Após o primeiro aumento de juros pelo Banco Central, os estrangeiros com posições em derivativos de câmbio na B3 (hedge) começaram a se desfazer de posições compradas – que acreditavam na alta. Chegaram a ser negociados R$ 10 bilhões em contratos comprados. “Agora, em outubro, esse movimento do estrangeiro desfazendo as posições de hedge no Brasil perdeu força com a possibilidade de que o juro americano não caia tanto. Pelo menos até a eleição americana, a tendência é esta, todos aguardam o cenário clarear”, disse a fonte. A probabilidade de que o dólar feche o ano em R$ 5,40, conforme estima há semanas o boletim Focus, é pequena. “Dependendo do que ocorrer, o real pode recuperar um pouco, mas algo próximo de R$ 5,50.”
Em 2024, o movimento de estrangeiros na B3 está negativo em R$ 22,9 bilhões. Já no mês de outubro, até o dia 21, o saldo é positivo em R$ 273,5 milhões. Com a Selic em alta aqui e corte nos EUA, a tendência seria algum movimento de entrada de capital estrangeiro no país, no entanto, a questão fiscal tem afastado os investidores.
O fluxo cambial em setembro, inclusive, foi negativo em US$ 4,1 bilhões, com as saídas do financeiro ainda em nível elevado, ao passo que as entradas do comercial continuaram a tendência de queda dos últimos meses, segundo relatório do Itaú.
Para Gusmão, da Ourominas, a tendência é que essa saída do financeiro continue mais forte. “No final do ano, a tendência é que aumente os valores enviados. Tem muita empresa que, no começo do ano, traz algum recurso aqui para o Brasil, aplica em renda fixa, que continua muito atrativa e, no final do ano, acaba voltando esses valores para as suas matrizes.”
O país não está conseguindo “ganhar no diferencial de juros”, ainda devido à questão fiscal, que tem afastado o investidor estrangeiro, segundo o executivo da Ourominas. Ainda de acordo com ele, neste fim de semana, é possível que o governo dê uma pausa no assunto “questão fiscal” devido às eleições municipais. “É necessário o governo esperar para saber quais serão os próximos prefeitos, já que grande parte da nossa dívida provém dos municípios.”
O executivo da Tendências também acredita que essa piora do ambiente nos últimos dias vai forçar o governo a tomar algumas medidas após o término das eleições municipais. “Eventualmente, anunciando alguma medida que possa ajudar a conter pelo menos parte da dinâmica de despesas com algumas linhas”, observa Campos Neto.
Expectativas e desancoragem
Embora o dólar esteja em um patamar de R$ 5,70 atualmente, o Boletim Focus, do Banco Central, que semanalmente tem ajustado as expectativas para a inflação, por exemplo, parece não refletir o cenário para a moeda. O último relatório, divulgado nesta terça-feira (22), prevê um dólar a R$ 5,42.
Para o executivo da Ourominas, esse cenário é pouco provável e há uma desancoragem. “Particularmente, acredito que o dólar está desancorado. Acredito que o pessoal do relatório Focus acaba não colocando essa alta, porque acreditam que a inflação hoje, praticamente, está chegando na meta, de 4,5%, e no aumento da taxa Selic, aumentando, talvez, esse diferencial de juros o Brasil e os Estados Unidos, trazendo mais dólar para cá para poder ganhar nessa diferença de juros”, comenta o especialista, o que significaria mais moeda estrangeira entrando e arrefeceria a alta do dólar ante o real. “Mas acredito que hoje o dólar está desancorado. Terça-feira, acredito que tenhamos alguma tendência do dólar para cima no relatório Focus também”, diz.
Campos Neto, da Tendências, também vê como provável a alta vir refletida no próximo Focus. No fundo, diz ele, o ajuste poderá ocorrer observados os cenários interno e externo. A partir do desfecho das questões mencionadas, a própria expectativa dos agentes começará a se ajustar.
Diante da alta, vez ou outra o mercado se pergunta se o Banco Central não cogitaria intervir no câmbio, embora o atual presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, já tenha se manifestado publicamente afirmando que isso aconteceria apenas em casos de volatilidade atípica, que não foi exemplificada por ele.
Para a Tendências, por mais que exista um componente especulativo natural, porque há uma percepção de maior risco neste momento, não há razão para intervenção do BC. “No fundo, ele queimaria reservas sem ter qualquer sinal mais claro de que isso vai reverter a dinâmica. O BC simplesmente estaria dando saída para quem eventualmente quer mudar de posição em dólar, cujo efeito tende a ser bastante pontual, tendo em vista que as fontes dessa depreciação, por enquanto, vão continuar presentes”, finaliza o sócio da consultoria.
Já Gusmão, da Ourominas, acredita que um fator que poderia fazer o BC intervir é o IPCA. “Acredito num próximo governo um pouquinho mais intervencionista no câmbio. Hoje temos inflação praticamente ancorada na meta. Se começar a vir um IPCA um pouquinho mais alto, tenho certeza de que o Banco Central vai começar a mexer no câmbio. Acho que o Banco Central está ancorado ainda em questão da inflação. O que as pessoas, às vezes, não têm bem claro na cabeça é que o dólar alto acaba influenciando na inflação também.” Dólar alto, via importação, é um fator que pressiona ainda mais a inflação.
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