Dólar e juros devem subir, dizem analistas – O Estado de S. Paulo
- Na Mídia
- 07/11/2024
- Tendências
‘Ativos brasileiros devem ser afetados’ (Silvio Campos Neto – Sócio e economista sênior da Tendências)
Em termos econômicos, a vitória de Donald Trump traz desdobramentos importantes, considerando a defesa de uma plataforma baseada em (i) ampliação e extensão dos cortes de impostos e (ii) política agressiva de aumento de tarifas de importação, principalmente sobre produtos chineses, o que deve vir acompanhado de retaliação. Como exemplo, a escalada tarifária iniciada em 2018 por Trump resultou no crescimento de apenas 1,2% do volume de comércio mundial de bens e serviços em 2019, ante uma média anual de 3,7% nos cinco anos anteriores.
Influenciado por esse cenário, o crescimento do PIB mundial recuou de 3,6% em 2018 para 2,9% em 2019. A desaceleração da atividade no mundo afetaria não somente os volumes transacionados, mas também os preços dos bens e serviços, com destaque para as commodities – canal que afetaria diretamente o Brasil. Do lado da China, a intensificação da guerra comercial com os EUA estimularia ainda mais a exportação de produtos industriais para outros mercados (como os países da América Latina), um fator de risco à produção local nesses países.
As medidas protecionistas devem ter implicações inflacionárias nos Estados Unidos, dificultando o trabalho do Federal Reserve nos próximos anos. Se a expectativa de redução dos juros em 0,25 ponto porcentual pelo Fed em novembro e dezembro está mantida por ora, há dúvidas quanto ao espaço para a continuidade do movimento em 2025. Adicionalmente, os cortes de impostos devem elevar a necessidade de financiamento e piorar a trajetória já preocupante da dívida do governo norte-americano. Como resultado da combinação de maiores riscos fiscais e inflacionários, as taxas de juros de mercado devem operar em patamares mais elevados, enquanto o dólar deve manter posição mais forte perante outras moedas.
Com isso, os ativos brasileiros devem ser afetados pelas maiores pressões externas das taxas de juros e do dólar, com potencial agravamento pela maior exposição ao risco China e pelas fragilidades internas. Em um primeiro momento, espera-se uma taxa de câmbio mais depreciada, ainda que ao longo de outubro a variável já tenha incorporado parte do cenário Trump. Os juros de mercado também devem passar por ajustes, como reflexo do reposicionamento das taxas de mercado dos títulos americanos.
Os efeitos podem ser atenuados pelo anúncio de medidas fiscais pelo governo em breve, algo que ganha um senso de urgência ainda maior. De todo modo, a atual expectativa da Tendências de taxa de câmbio em R$ 5,45/US$ ao final do ano ganha claro viés de alta à luz do fator externo, com revisão a ser promovida após a divulgação do plano de contenção de gastos. A trajetória da política monetária também merece atenção, sendo que o cenário básico atual contempla pico da Selic em 12,5% em março e taxa ao final de 2025 em 11,5%. Eventual necessidade de maior aperto deve seguir no radar, embora uma revisão não deva ocorrer neste momento.