Dívida dos EUA não é “caso emergencial”, mas preocupa e deve manter mercado volátil – Capital Aberto
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- 29/05/2025
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Preocupação com o fiscal do país piorou após aprovação de projeto de isenção de impostos, fazendo taxas de Treasuries longas subirem
A dívida do governo dos Estados Unidos (EUA) tem se tornado uma preocupação mais frequente nos últimos anos, especialmente diante das projeções de seu crescimento rápido. O tema ganhou ainda mais destaque depois da ascensão de Donald Trump à presidência do país e, mais recentemente, com o rebaixamento da nota de crédito soberano do país pela última das grandes agências de rating, a Moody’s, e o lançamento do pacote de corte de impostos de Trump, o “Big Beautiful Bill”. Embora a situação não seja emergencial, a dívida crescente, agora na casa dos US$ 36 trilhões, frente a um PIB de cerca de US$ 28 trilhões, traz à tona uma preocupação de diversos agentes com a segurança da economia dos EUA e deixa em xeque sua posição perante o globo, devendo manter o mercado volátil.
O assunto foi tomando espaço desde a pandemia, quando se discutia o aumento dos orçamentos públicos para combater a covid. Depois atenuou, mas voltou aos holofotes recentemente com Trump no poder. “O que assusta é que a chegada de Trump ameaça essa posição hegemônica americana. Não que vá surgir outro player de um dia para outro que vá desbancar o país, mas ele tira dos Estados Unidos aquela imagem de porto seguro, de grande parceiro do mundo ocidental, de grande reserva de valor. Cria uma dúvida, um medo, já que o dinheiro está muito concentrado lá, com um líder errático e que cria muita volatilidade”, comenta Hudson Bessa, especialista em Mercado Financeiro e economista na Fipecafi, dizendo que isso pode ameaçar o dólar e a dívida pública americana como grande reserva de valor.
Na sexta-feira (16), a Moody’s reduziu o rating do Tesouro dos EUA de “AAA” para “Aa1” devido ao crescimento do déficit orçamentário e da dívida pública, estimando que a relação dívida/PIB do país saia de 98%, em 2024, para 134%, em 2035. A agência foi a última, atrás de S&P Global Ratings e Fitch, a rebaixar a nota de crédito dos EUA.
A preocupação ganhou ainda mais luz sob a aprovação na câmara do projeto do governo Trump de concessão de novas isenções fiscais, que acrescentará na próxima década cerca de US$ 3,8 trilhões à dívida de US$ 36,2 trilhões do governo norte-americano. Do total da dívida, US$ 28,8 trilhões correspondem a títulos negociáveis mantidos pelo público, segundo dados do Tesouro dos EUA.
“Não é por acaso que se observa uma grande pressão no custo do financiamento do Tesouro dos EUA, tendo em vista exatamente isso. A perspectiva de que o Tesouro necessite de um nível de financiamento cada vez mais alto num contexto em que os demandantes pela dívida norte-americana estão mais cautelosos é um tema que tem entrado fortemente no radar, e a tendência é que isso cresça ao longo dos próximos meses e anos, à luz dessa perspectiva de aumento cada vez mais consistente da dívida”, opina Silvio Campos Neto, sócio e economista-sênior da Tendências Consultoria.
Na quinta-feira (22), inclusive, os rendimentos dos Treasuries nos EUA de 20 e 30 anos subiram e atingiram 5,11% e 5,10% ao ano, respectivamente, após a aprovação do projeto “One Big Beautiful Bill Act” de corte de impostos. Já os índices de ações caíram, bem como o dólar.
O próprio secretário do Tesouro Scott Bessent pediu que o Congresso “aumente ou suspenda o limite da dívida até meados de julho, antes do recesso programado, para proteger a plena fé e crédito dos Estados Unidos”, dizendo que a capacidade de seu departamento de usar manobras contábeis especiais para permanecer dentro do limite da dívida federal pode se esgotar em agosto, segundo informações da Bloomberg.
Dívida crescente
O escritório de orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) tem feito projeções a partir de todas essas medidas e os sinais vão numa direção preocupante. Segundo as previsões, a relação dívida/PIB deve sair das proximidades de 100% para níveis mais próximos de 118% ao longo dos próximos 10 anos e atingir 156% do PIB em 2055.
“Tem um sinal muito claro de aumento de dívida e, mais do que isso, um peso cada vez maior sendo estimado para o componente de juros da dívida. Algo que para EUA, até pouco tempo, não era uma preocupação, mas cada vez mais o peso do custo da dívida tem crescido”, ressalta Campos Neto, dizendo que o projeto de Trump, sem dúvida, será um dos fatores que vai contribuir com todo o aumento de déficit e do próprio endividamento nos próximos anos.
A lógica do governo era de aumentar a arrecadação e compensar os gastos: por meio das tarifas, fazer com que as indústrias voltem para o país, gerando aumento de arrecadação, assim baixar os impostos e a economia iria crescer. “Quando a economia crescer, o que vai acontecer? A gente vai ter maior receita tributária e conseguir compensar não só a redução desses impostos, como também o serviço da dívida. E não é à toa que ele está pressionando o Jerome Powell para baixar a taxa de juros. Trump parece ter um raciocínio mágico de que o crescimento da economia vai gerar a receita tributária suficiente para compensar isso”, pontua Bessa.
Do ponto de vista do aumento de receitas com as tarifas de importação, os especialistas citam que isso não é suficiente para compensar as reduções do outro lado, sendo um impacto relativamente pequeno no total do déficit do próprio orçamento, ainda mais contando que boa parte dessa suposta arrecadação gerada direta ou indiretamente pelo tarifaço não deve ocorrer devido às negociações. Há também discussões sobre corte de gastos, como o Medicare, programa federal de seguro saúde, e até na parte de gastos militares, mas ainda há dúvida das sinalizações, sem nada muito concreto.
Na visão de Campos Neto, essa preocupação com a ausência de uma política consistente que possa realmente redirecionar a situação fiscal nos EUA é o que tem feito com que os mercados fiquem mais nervosos, mais tensos e reticentes em financiar o governo. Tanto é que os leilões de títulos do Tesouro têm acontecido de forma muito recorrente, até pela própria necessidade de financiamento, e o que se observa é que a demanda está um pouco contida devido à falta de um sinal claro de políticas e medidas que possam reverter o quadro fiscal do país.
“Esse corte de gastos, nessa magnitude, dá 1% do PIB, algo do tipo. Não vai ter essa reformulação, corte de gastos efetivo no curto prazo, nem no médio. Acho difícil até no longo prazo. Para falar a verdade, não acho que a economia americana vai continuar virtuosa fazendo uma política de ‘quase substituição’ de importações, como o Brasil já fez”, opina Bessa, pontuando que a tendência é esse déficit público aumentar.
Embora seja uma situação difícil, os Estados Unidos ainda são a reserva de valor do mundo e possuem a moeda de troca do comércio mundial, tendo “muita gordura para queimar”, significando que a dívida dos EUA e o déficit ainda não são emergenciais, mas pontos a serem observado com atenção e preocupação.
“Estamos agora no fim do império americano? Não é isso. Mas, por exemplo, hoje, me colocando no lugar de um líder europeu, já não faria mais nenhum planejamento de longo prazo contando com os Estados Unidos como aquele cara seguro de última instância”, pontua Bessa, dizendo que a palavra para o mercado nos próximos meses é “volatilidade”, que deve fazer com que, em alguns momentos, a taxa de juros americana suba e assuste o mercado.
Já para Campos Neto, da Tendências, medidas não são necessárias no curtíssimo prazo, mas o fato é que a preocupação já faz preço e tem pressionado a dívida, e quanto mais o governo Trump demorar para indicar um caminho de ajuste, mais tempo vai passar se financiando a um custo muito alto, o que vai, obviamente, piorando mais a dinâmica da dívida.
“Naturalmente, eles terão que encontrar saídas ao longo do mandato, de preferência até o ano que vem, pensando no ponto de vista político, quando tem as eleições de meio de mandato e ele precisa apresentar uma situação minimamente sob controle”, diz o executivo, contando que ainda não se sabe se as medidas de corte de gastos como Medicare e com gastos militares são suficientes, por exemplo, para arrefecer as preocupações de mercado e permitir com que o governo se financie com taxas de juros mais baixas. O cenário, portanto, deve ser de volatilidade para os próximos meses.
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