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Desvincular para sempre o salário mínimo da Previdência – Folha de S. Paulo

Por Maílson da Nóbrega*

Pelo artigo 201, parágrafo segundo, da Constituição, “nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo”.

Talvez única no mundo, a norma assegura ganhos reais para aposentadorias e pensões. O normal é proteger tais benefícios contra a inflação. Ela teve efeitos fiscais desastrosos para o INSS. Desde 1994, quem recebe até o mínimo —mais de dois terços dos benefícios previdenciários— obteve 180% acima da inflação.

O Projeto de Lei Orçamentária da União para 2026 prevê gastos previdenciários de R$ 1,26 trilhão com benefícios previdenciários e de prestação continuada. Tomando por base o valor a ser despendido neste ano (R$ 1,16 trilhão), podemos estimar que, se o montante dos benefícios básicos fosse corrigido apenas pela inflação, o país gastaria R$ 25 bilhões a menos em 2026, o que ajudaria a alcançar o centro da meta de resultado primário. O efeito é crescente ao longo do tempo.

O governo Jair Bolsonaro buscou enfrentar o problema reajustando o mínimo apenas pela inflação. Conseguiu aprovar a reforma da Previdência, que gerou economias de R$ 800 bilhões no período de dez anos. Mas Lula restabeleceu os aumentos reais do mínimo, acarretando custos de R$ 1,3 trilhão em igual período, segundo estimativas do Ministério do Planejamento.

Especialistas do setor privado estimam que as perdas sejam de 50% a 60% das economias da reforma. Seja como for, a vinculação de benefícios previdenciários ao salário mínimo pode contribuir, a partir de 2027, para uma insustentável trajetória de crescimento da dívida pública. O correspondente colapso fiscal pode provocar uma grave queda de confiança no país e o risco de séria crise financeira.

Para complicar, vivemos sob uma rigidez orçamentária sem paralelo no mundo. Os gastos primários obrigatórios da União correspondem a 96% da despesa primária total. É o efeito dos dispêndios obrigatórios, como os de pessoal, Previdência, programas sociais e pisos constitucionais em favor da educação e da saúde. Não há margem de manobra para um ajuste fiscal que estabilize e depois reduza a relação dívida/PIB, que pode alcançar 83% do PIB em 2026 e continuar subindo. Para atingir esse objetivo, o Banco Mundial estima ser necessário um superávit primário de 3% do PIB. Outros cálculos indicam algo menor —2% do PIB. O governo se vangloria de cumprir uma meta de 0,25% do PIB e mesmo assim depois de excluir dela vários gastos. Não dá.

A saída é realizar reformas estruturais para reduzir a rigidez e devolver a flexibilidade necessária à boa gestão do Orçamento. Isso inclui medidas como uma nova reforma da Previdência (eliminando distinções de gênero, de benefícios urbanos e rurais e da área militar), a eliminação de pisos constitucionais de gastos, a redefinição das regras do MEI (uma bomba-relógio que pode explodir em breve) e, de importância maior, a desvinculação de benefícios previdenciários ao salário mínimo.

Uma saída para a desvinculação, defendida por renomados economistas, é suspender os aumentos reais do mínimo por um tempo. Em seguida, cada governo fixaria regras de reajuste. A ideia parece boa, mas, para funcionar, seria preciso congelar o valor nominal do mínimo, medida que seria social e politicamente inviável.

É preciso, pois, uma solução definitiva que exclua a regra constante do mencionado artigo 201 da Constituição. Há quem sustente que essa norma é uma cláusula pétrea, mas desconsideram que ela não se aplica, por exemplo, ao Bolsa Família. Além disso, o parágrafo quarto do mesmo artigo garante o reajuste de benefícios previdenciários pela inflação, o que seria preservado.

Se aceito que o parágrafo segundo é insuscetível de mudança, a suposta cláusula pétrea nos imporia um suicídio fiscal de terríveis efeitos. Constitucionalistas contestam a tese, pois ela condenaria o país à mediocridade e à pobreza.

*Maílson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda (1988-1990, governo Sarney) e  sócio da Tendências Consultoria

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