Tendências Consultoria Econômica

  • Português
  • English
Edit Template

Despesas caem, mas dívida sobe e governo continua no vermelho – O Estado de S. Paulo

Gastos obrigatórios contratados para o futuro tornam o cenário mais incerto; Ministério da Fazenda não comenta

Os gastos do Tesouro Nacional caíram em 2024. Ao mesmo tempo, as contas públicas continuaram no vermelho e a dívida bruta do governo cresceu. Uma série de despesas obrigatórias contratadas para o futuro torna o cenário mais turvo à frente e deixa os investidores com o pé atrás sobre a sustentabilidade da política fiscal do governo Lula.

A proximidade do ano eleitoral de 2026, a perda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a tendência de desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB), por conta da alta dos juros pelo Banco Central, põem em xeque a força política da equipe econômica para adotar medidas de controle de despesas. Isso porque o pacote de contenção de gastos, aprovado no ano passado, foi visto pelo mercado e por especialistas como insuficiente para reequilibrar as contas públicas.

“O grande problema não é só agora, mas também o futuro. Cerca de 95% do Orçamento está comprometido com despesas obrigatórias. Esse aumento vai ser constante, enquanto a arrecadação tende a desacelerar desacelerar, com a economia mais fraca. Essa conta não fecha ao longo do tempo”, explica o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.

Em queda

As despesas do governo federal caíram sob duas óticas em 2024. Como proporção do PIB, a redução foi de 19,5% para 18,7%. Já em termos reais, descontada a inflação, a queda foi de 0,7% sobre o ano anterior.

Há, contudo, distorções nos números que já vêm desde 2022 e que precisam ser contextualizadas, explica João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria.

“Os últimos anos foram marcados por uma série de ocorrências extraordinárias e que dificultam a análise. Não é que houve maquiagem de dados, mas é preciso notar que há um impacto formidável anterior e que precisa ser contextualizado para que possamos tirar conclusões razoáveis sobre a atual situação fiscal”, explicou.

A confusão começou com o calote dos precatórios (dívidas judiciais da União) em 2022, no governo Bolsonaro – o que reduziu artificialmente a despesa daquele ano, que ficou em 18% do PIB.

Em 2023, a despesa saltou para 19,5% do PIB, incluindo o pagamento desse calote (cerca de R$ 90 bilhões), mas também o aumento de despesas contratado pelo governo Lula com a chamada PEC da Transição, que ampliou o valor do Bolsa Família para R$ 600, além de outros gastos.

Em 2024, tendo como referència essa base elevada do ano anterior, houve a queda da des-

pesa para 18,7% do PIB. O crescimento mais forte da economia e o chamado “deflator do PIB” (inflação embutida no PIB, que ajuda a diluir os gastos na estatística) contribuíram para a queda.

O fenômeno também é visto quando os gastos são comparados em termos reais, descontada a inflação. Em 2024, houve queda de 0,7% nas despesas, em relação ao ano anterior, mas sobre uma base de comparação extremamente elevada, já que 2023 contou com o pagamento dos precatórios herdados de 2022.

Além disso, economistas apontam outro problema. O governo antecipou para 2023 o pagamento de R$ 32 bilhões em precatórios que deveriam ser pagos em 2024, além de outros R$ 9 bilhões em compensação aos Estados por perdas com ICMS. “As tentativas que ocorreram de limpar o número de 2024 à custa de piorar o de 2023 fazem parte da iniciativa do governo de entregar resultados que não são reais. O ideal é considerar que em dois anos tivemos déficit de 2,5% do PIB, o que é muito alto”, afirmou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

No vermelho

Ainda que o Tesouro tenha registrado queda dos gastos, seja em proporção ao PIB, seja em termos reais, em 2024, as contas do governo continuaram no vermelho.

Em 2024, houve déficit primário de 4% do PIB. Ou seja, descontando os gastos com juros, a arrecadação do governo não foi suficiente para cobrir as despesas. Esse número incorpora a ajuda dada pelo governo federal ao Rio Grande do Sul, mas também leva em conta receitas consideradas atípicas.

Já o déficit nominal, que inclui as despesas com juros, foi muito maior – de 8,45% do PIB. Nesse caso, conta o aumento da inflação, que obrigou o Banco Central a elevar a Selic, influenciando a taxa de juros futura, além da própria desconfiança do mercado com a política fiscal do governo, que aumentou o custo para o Tesouro rolar a sua dívida.

Salto da dívida

Com o aumento do déficit, a dívida bruta do governo subiu 4.4 pontos no mandato do presidente Lula. Houve um salto de 71,7%, em dezembro de 2022 para 76,1%, em dezembro de 2024. O número só não foi maior porque em dezembro o Banco Central vendeu reservas cambiais para conter a disparada do dólar. Isso provoca também o efeito indireto de reduzir a dívida.

“O resultado de dezembro ficou quase 2 pontos abaixo da divulgação de novembro. Isso foi possível por conta do maior leilão de reservas da história do Banco Central, que impulsionou o resgate líquido de dívida e sobrepôs as pressões altistas”, explicou Leme.

O endividamento bruto do governo é um dos principais indicadores analisados por investidores ao olhar para os países. No caso do Brasil, a dívida está acima da média de outros países emergentes.

“A gente tem um custo de carregamento da dívida muito elevado, e a gente não apresenta nenhum plano crível e consistente para ajudar a cortar despesas”, diz Agostini. “Cumprir uma meta dentro de um déficit significa que a sua relação dívida/PIB continua crescendo.”

Gastos contratados

Economistas de bancos e consultorias calculam que o governo terá dificuldade para manter os gastos sob controle, porque já há despesas contratadas para os próximos anos.

“A pesquisa Datafolha (sobre a popularidade de Lula) vai aumentar ainda mais o risco de o governo não seguir com o mínimo de ajuste que se precisa”, disse Vale.

Pesquisa Datafolha divulgada no dia 14 deste mês mostrou que a aprovação do governo Lula caiu de 35% para 24% em dois meses, o pior índice dos seus três mandatos na Presidência. A mesma sondagem apontou que a reprovação do governo do petista também é recorde, passando de 34% para 41%.

Conforme o instituto, a “crise do Pix” e a alta no preço dos alimentos ajudam a explicar a queda da popularidade do presidente, que tem apostado na comunicação do governo para reverter a imagem ruim.

Ao mesmo tempo que a popularidade de Lula cai, tem crescido a visão de que quem tomar posse em 2027 precisará apresentar novas medidas estruturantes para reduzir despesas para além do pacote fiscal aprovado no final do ano passado.