Descongelamento eleva preocupações com Selic e endividamento do governo – Veja
- Na Mídia
- 24/09/2024
- Tendências
Segundo economistas, a liberação de recursos está baseada em projeções excessivamente otimistas e compromete redução nos juros
O governo descongelou R$ 1,7 bilhão do Orçamento de 2024 amparado pela reoneração gradual da folha de pagamento e também no crescimento da arrecadação. A medida, anunciada pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda na última sexta-feira, busca aliviar as pressões orçamentárias e sustentar a execução fiscal. No entanto, o movimento levanta preocupações sobre a viabilidade de manter o equilíbrio das contas públicas diante de projeções econômicas cada vez mais desafiadoras.
O Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, enviado ao Congresso, revelou que o volume de recursos congelados no orçamento foi reduzido de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões. Ao mesmo tempo, as despesas bloqueadas subiram de R$ 11,2 bilhões para R$ 13,2 bilhões.
“O recente descongelamento de despesas contrariou as expectativas do mercado. A expectativa era de que houvesse um esforço mais significativo para enfrentar os desafios fiscais do lado das receitas. Contudo, o que se viu foi uma redução, ainda que moderada, no esforço para controlar as despesas”, diz Silvio Campos Neto, economista-chefe da Tendências Consultoria.
Segundo ele, do lado das receitas, a agenda já parece dar sinais de esgotamento, o que é natural em um país com uma carga tributária elevada, como o Brasil. “O governo tem recorrido a fontes de receita extraordinárias, que não necessariamente estão vinculadas à arrecadação tributária, para cobrir parte do déficit. Analistas e mercados estão atentos a essas manobras, e mesmo que o governo cumpra a meta fiscal para este ano – no limite inferior, com um déficit de 0,25% do PIB – isso não representaria uma melhora estrutural nas contas públicas, nem traria alívio às preocupações dos investidores”, pontua.
O governo revisou sua projeção de déficit primário para 2024 para R$ 28,3 bilhões, apenas R$ 400 milhões abaixo do limite máximo estabelecido pelo novo arcabouço fiscal. Pelas normas atuais, é permitido um rombo de até R$ 28,8 bilhões sem que a meta seja oficialmente descumprida. No entanto, ao incluir despesas fora dessa meta, como a ajuda financeira ao Rio Grande do Sul, a previsão de déficit sobe para R$ 68,8 bilhões neste ano.
O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um alerta sobre o risco de descumprimento da meta fiscal. Segundo o órgão, as receitas projetadas para o ano estão aquém do esperado devido à frustração de receitas com a reintrodução do “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O aumento dos gastos, mesmo que parcialmente compensado por uma elevação nas receitas, coloca o governo em uma corda bamba entre o cumprimento de suas promessas fiscais e a possibilidade de alimentar pressões inflacionárias.
As projeções econômicas já refletem esse cenário de incerteza. O mercado revisou para cima suas expectativas para o IPCA de 2024, que subiu para 4,37%, próximo do teto da meta de 4,50%. Ao mesmo tempo, a expectativa para a taxa Selic aumentou para 11,50%, o que indica o ciclo de elevação dos juros poderá ser mais agressivo do que o inicialmente previsto. Se os gastos continuarem a crescer sem uma contrapartida sustentável em receitas, a inflação pode escapar do controle, obrigando o Banco Central a adotar uma política monetária ainda mais restritiva.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e do Planejamento, a liberação de recursos está baseada em projeções excessivamente otimistas. “O governo revisou para baixo, como havíamos indicado que precisaria acontecer, as receitas administradas, que estavam infladas, mas substituiu essa arrecadação projetada por depósitos judiciais e dividendos. São receitas incertas e não recorrentes”, alerta. Ainda que ele não veja motivo para alarme imediato, o risco de deterioração fiscal no longo prazo permanece.
Já Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário da Fazenda, expressa preocupações com o impacto dessa política sobre o ciclo monetário. “O governo está mirando o limite inferior da meta, o que é ruim para o gerenciamento das expectativas. Isso pode comprometer um novo ciclo de afrouxamento monetário em 2025-2026”, observa, sugerindo que o equilíbrio entre gastos e arrecadação deve ser manejado com maior rigor.
A dinâmica da dívida pública, que continua a crescer, é outro ponto de preocupação. Com mais gastos e juros mais altos, a dívida cresce. “Mesmo com os esforços para cumprir a meta fiscal, a dívida se aproxima de 80% do PIB, com projeções de atingir 90% nos próximos três a quatro anos. Esse cenário praticamente inviabiliza qualquer tentativa do governo de recuperar o grau de investimento no curto prazo, e as agências de classificação de risco não devem oferecer qualquer sinal positivo ao governo nas reuniões previstas”, diz Campos Neto.
A realidade é que, enquanto o governo busca formas de sustentar sua base fiscal, o aumento dos gastos públicos, sem uma recuperação firme das receitas, pode minar a confiança do mercado e prejudicar a política monetária. As consequências de um desequilíbrio fiscal prolongado são claras: inflação persistente, juros elevados e crescimento econômico estagnado — um cenário que o Brasil não pode se dar ao luxo de reviver.
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