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Derrubada do decreto que aumentava o IOF antecipa dificuldades ainda maiores para 2026, dizem economistas – O Globo

Para eles, se aproxima o risco de uma nova revisão da meta fiscal, enquanto para este ano novos contingenciamentos devem ser necessários

A decisão do Congresso de derrubar o decreto que aumentava a alíquota do IOF evidencia o esgotamento da tentativa do governo fechar as contas com foco na arrecadação e antecipa dificuldades ainda maiores para 2026, quando a meta é de um superávit equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de R$ 34 bilhões.

A avaliação de economistas ouvidos pelo GLOBO é que se aproxima o risco de uma nova revisão da meta fiscal, enquanto para este ano novos contingenciamentos devem ser necessários.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, estima que sejam necessários bloqueios entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões no segundo semestre para fechar a conta do déficit primário, que tem um intervalo de tolerância que permite R$ 31 bilhões no vermelho.

— Mas no ano que vem as contas começam a ficar impossíveis. Não vão fechar somente com bloqueio e contigenciamento. Provavelmente, a discussão que irá voltar é rever a meta fiscal. Nesse caso, quanto antes o governo fizer isso, melhor — afirma o economista-chefe da MB.

Com a última versão do decreto, o governo estimava arrecadar R$ 20 bilhões em dois anos. Tiago Sbardelotto, economista da XP, também avalia que o espaço para aumento de receita está perto do fim e que os sinais do Congresso indicam resistência crescente a novas medidas arrecadatórias.

Ele destaca que o momento exigiria foco na qualidade do gasto, com cortes de despesas ineficientes e revisão de subsídios, mas reconhece que há pouca disposição política para isso neste momento.

— O Congresso está mostrando ao governo que esse limite chegou e não dá para continuar com a estratégia de elevar a tributação. Vale lembrar que o decreto do IOF afetava não só 2025, mas também os próximos anos. Ele contribuiu com o ajuste este ano, mas também dava fôlego inicial para o governo já em 2026, que teria uma elevação de receitas para começar o ano — ressalta o economista.

A previsão da XP é de um déficit de R$ 69 bilhões neste ano, ou R$ 23,7 bilhões na conta em que excluem-se as dívidas judiciais fora do limite. Para o economista, poderiam ser necessários bloqueios adicionais de R$ 7 bilhões para cumprir o limite de despesas deste ano, já considerando os bloqueios de R$ 10 bilhões anunciados no último relatório bimestral.

Sbardelotto, no entanto, ressalta que o governo tem margem este ano para acomodar as perdas do decreto com medidas além do bloqueio de despesas. Ele cita, por exemplo, a possibilidade do governo reforçar o caixa com dividendos das estatais.

Também menciona o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, na quarta-feira, que prevê leilão de toda a produção de óleo e gás em campos do pré-sal de áreas não contratadas. A expectativa é de geração entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões este ano.

— No curto prazo, ou seja, em 2025, é possível fazer essa compensação. O grande risco continua sendo 2026 porque a gente vai ter uma combinação de receitas crescendo a um ritmo mais fraco que as despesas até porque o crescimento econômico deve ser mais fraco. Naturalmente já haveria uma dificuldade. Com os R$ 20 bilhões a menos, o esforço do governo terá que ser maior — afirma.

Enquanto a disposição do Congresso para aumentar a tributação parece reduzida, os economistas lembram que a margem para medidas que atacam as despesas será mais estreita no próximo ano de eleições. Sbardelotto diz que estimava que o governo tivesse de começar o próximo ano com um contingenciamento de R$ 25 bilhões. Com a queda do IOF, o valor pode ser de R$ 45 bilhões.

— A gente não descarta, caso o governo não tenha sucesso em, eventualmente, aprovar a MP (de compensação do IOF) e algumas outras medidas de aumento de receita, que tenha de rediscutir a meta de 2026, que se torna um objetivo muito mais difícil.

Para Vale, os leilões em áreas excedentes do pré-sal ajudam no curto prazo, mas têm efeito limitado na trajetória da dívida. No próximo ano, o governo ainda terá que lidar com o desafio adicional de um orçamento ainda mais engessado em razão as despesas obrigatórias, lembra o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega:

— O nível de rigidez orçamentária chegou a um ponto crítico. Quando você soma todas as despesas obrigatórias, os pisos constitucionais de saúde e educação e o piso de investimentos criado por este governo, 96% do orçamento já está comprometido. Restam apenas 4% para políticas públicas essenciais — afirma.

O ex-titular da Fazenda avalia que há risco de um “apagão orçamentário” entre 2026 e 2027, uma crise que, segundo ele, “está contratada”. A saída, diz Nóbrega, passaria por reformas profundas e impopulares, como a desvinculação de benefícios previdenciários ao salário mínimo e a revisão dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Ele pondera, no entanto, que essas são medidas que dificilmente sairão do governo atual.

Para o economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, a derrubada do decreto do IOF deveria servir como alerta definitivo sobre os limites da atual estratégia fiscal baseada em aumento de arrecadação.

Ele argumenta que o país enfrenta uma combinação explosiva que combina crescimento da população idosa cresce em ritmo muito superior ao da população em idade ativa, que é responsável por sustentar o regime previdenciário. O cenário agrava as contas da Previdência, que deve custar R$ 1,028 trilhão em 2025.

— A raiz do problema está na explosão do gasto previdenciário que disparam, enquanto o número de contribuintes cresce muito menos. — afirma Velloso, que lembra que, por outro lado, há cada vez menos espaço no orçamento para investimentos.

A solução, segundo Velloso, passa por um plano nacional de equacionamento previdenciário, com foco na redução do passivo acumulado. Isso exigiria medidas como a capitalização parcial dos regimes, seleção de ativos e criação de fundos para bancar déficits crescentes. Ele defende que a União lidere um esforço coordenado com estados e municípios para reduzir, ao longo dos anos, a dívida previdenciária.

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