De debate muniacipal ofuscado ao fim da reeleição, especialistas discutem texto que avançou no Senado – O Globo
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- 23/05/2025
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Medida, que faria eleitor escolher nove candidatos em uma única ida à urna, traria diferentes impactos; ainda não há data para votação no plenário
Com apoio declarado de líderes de partidos que somam mais de um terço do Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue a reeleição para cargos do Executivo avançou na Casa, mas ainda não tem data para ser votada em plenário. Aprovado por aclamação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na quarta-feira, o texto fixa em cinco anos os mandatos, inclusive para deputados e senadores, e, naquele que é o ponto mais criticado por pesquisadores, impõe a concomitância de todas as eleições. A medida faria o eleitor apertar nove vezes o “confirma” na urna, reduzindo, na avaliação de especialistas, o protagonismo do debate municipal e a atenção conferida ao voto para o Legislativo. Também esvaziaria o senso de prestação de contas da política com o eleitorado, dizem, dado que a população iria à cabine de votação em intervalos mais longos.
Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) é favorável à proposta e avalia colocá-la em pauta antes de julho. A medida de maior consenso no Congresso é o fim da reeleição para o Executivo. Deputados e senadores continuariam aptos a se reeleger.
A proposta de unificação das eleições, no entanto, enfrenta resistências, sobretudo entre parlamentares do PT. Na previsão da proposta relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), todos os mandatos passariam a ser de cinco anos, o que representaria redução em três anos para senadores e aumento em um ano para todos os outros. De uma só vez, o eleitor teria que votar para presidente, governador, prefeito, três senadores, deputado federal, deputado estadual e vereador.
Para entrar em vigor, a PEC precisa do apoio de pelo menos três quintos dos parlamentares, em votações em dois turnos nas duas Casas. As novas regras teriam um período de transição até o alinhamento dos calendários, previsto para 2039.
Eleições simultâneas
A concomitância de todas as eleições, avalia a cientista política Lara Mesquita, professora da FGV EESP, é a mudança mais danosa. Iria na contramão das principais democracias do mundo — que, assim como o Brasil, intercalam eleições locais ou regionais com a nacional — e teria consequências tanto para a tomada de decisão do eleitor como para a logística do dia da votação.
— Haveria uma sobreposição de temas nacionais e locais, e me parece que o debate local ficaria prejudicado. É um modelo que produziria incentivos para que o eleitor prestasse menos atenção nas questões locais, assim como no Legislativo — diz.
Nas eleições municipais, a despeito de alguns candidatos a prefeito buscarem se associar a figuras do cenário nacional, é comum que os temas do dia a dia da cidade se sobressaiam. Casada com a eleição de presidente e governador, a disputa poderia ficar contaminada.
Há também, aponta Mesquita, impacto na logística da eleição.
— O eleitor votaria nove vezes, o que criaria um desafio relacionado ao tempo dele na urna, às filas que causaria. Ou aceitaríamos que o processo seria mais demorado, cansativo, o que por si só pode ter um efeito na vontade do eleitor em ir votar, ou teríamos que botar mais dinheiro na operação toda — afirma. — E a distribuição da propaganda eleitoral, como fica? E a distribuição de dinheiro de campanha?
Na CCJ, o relator Marcelo Castro evocou o oposto para defender a PEC: a suposta redução dos recursos públicos empregados no financiamento de campanhas.
Crítico à ideia da concomitância, o PT ainda não formou posição, mas o líder do partido na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), endossa a tese de que o debate municipal ficaria prejudicado:
— Unificar as eleições significa nacionalizar tudo. Vamos debater menos os problemas das cidades.
Os temas nacionais, classifica o cientista político Rafael Cortez, são “transversais” e, portanto, têm mais repercussão.
— Além disso, exige uma grande simetria de informação do eleitor para fazer um voto que não seja meramente uma formalidade. Demanda muito do eleitor — afirma o sócio da Tendências Consultoria e professor do IDP.
Fim da reeleição
Introduzida na Constituição em 1997, durante o governo FH, a reeleição permitiu que o próprio tucano fosse reconduzido no ano seguinte. Vinte e três anos depois, Fernando Henrique Cardoso afirmou que, embora a medida tenha trazido estabilidade em um primeiro momento, ele passou a considerá-la um erro.
Entre os senadores, a ideia de acabar com a reeleição parece consolidada. Segundo Carlos Portinho (PL-RJ), que ajudou a costurar o acordo para a aprovação do texto na CCJ, “a alternância de poder é fundamental para o fortalecimento da democracia”.
O projeto, contudo, parece não se preocupar de fato com a alternância de poder e a renovação de quadros, avalia Lara Mesquita. Afinal, um mesmo político poderia voltar à Presidência depois: o texto não prevê um limite de mandatos, e sim o fim da recondução.
— A discussão sobre reeleição é sempre circunstancial, como foi a própria criação da medida. Não está pautada por um bom diagnóstico. Se estou ganhando eleições, defendo a reeleição; se estou perdendo, quero o fim.
Tanto ela quanto Rafael Cortez dizem que não há evidências empíricas de que reeleição produz governos piores. O sócio da Tendências frisa, inclusive, que a literatura sobre o assunto trabalha muito com a ideia de accountability, ou seja, a prestação de contas do político com o eleitor a cada processo eleitoral.
— Políticos são racionais, querem ganhar eleições e produzem políticas públicas para prestar contas ao eleitor. Eleições são o espaço para o eleitor punir ou aprovar o governante. A PEC expõe uma leitura diferente, a tese de que reeleição reforça o voluntarismo e o populismo — analisa. — E imagina que o presidente não teria incentivo para adotar medidas “eleitoreiras” só porque não disputa reeleição. Ignora que pertencem a partidos e querem beneficiá-los.
Se, no Senado, a proposta encontra apoio, na Câmara o ambiente é mais incerto. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), ainda não se manifestou. Líder do PL, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ) disse ser a favor do fim da reeleição, mas ainda não reuniu a bancada. O PT do presidente Lula, por sua vez, costuma defender a reeleição. Das últimas seis disputas presidenciais, o partido só perdeu a de 2018.
Mandatos de cinco anos
Para compensar o fim da reeleição, o texto aumenta os mandatos. Mas, no caso dos senadores, o que ocorre é uma redução em três anos. Isso também impactaria na forma de eleger os representantes daquela Casa, com os três senadores de cada estado escolhidos de uma vez.
O modelo, avalia Rafael Cortez, além de criar uma distância maior entre cada prestação de contas da classe política com o eleitorado, pode causar consequências mais duradouras para “ondas” eleitorais. Hoje, com a renovação do Senado alternada, em vez de ser feita toda de uma vez, a Casa fica menos suscetível a ser tomada por um mesmo movimento político de modo súbito. A leitura também vale para os cargos municipais.
— Atualmente há uma distribuição de paixões, evitando que leituras apaixonadas de curto prazo contaminem todo o cenário. O Senado, que é a Casa da qual se espera maior moderação, a Casa revisora, de ampliação de consensos, ficaria mais suscetível a ondas.
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