Tendências Consultoria Econômica

  • Português
  • English
Edit Template

DC News debate tarifaço de Trump com economista e cientista político – DC News

Em entrevista à DC News, Rafael Cortez, sócio e cientista político da Tendências, comenta sobre o debate do “tarifaço” de Trump, analisando os impactos econômicos e políticos ao lado de economistas e outros cientistas políticos

Ao ser questionado se o episódio do tarifaço denota que as relações entre Brasil e Estados Unidos estão completamente rompidas, Cortez responde que não estão e diz que que até é bom que não estejam.


Ele acrescenta que, quando de fato a regulação saiu depois das ameaças de idas e vindas, foi possível observar um efeito de negociações, pelo menos no âmbito comercial. Tanto é que vieram mais exceções do que o imaginado, embora o pacote seja ainda um que coloque o Brasil numa situação entre aquelas nações que mais “estão pagando o preço” de um enfrentamento em relação ao governo Trump.

Esse enfrentamento, na interpretação de Cortez, não tem a ver com a questão econômica, mas sim com Trump utilizando as tarifas para ganhar resultados em outras áreas — como foi com a Europa, por exemplo, que ele queria aumento nos gastos com segurança para poder comprar coisas dos Estados Unidos. Cada país sofreu a ameaça da tarifa porque Trump queria algo em troca.

No caso brasileiro, de acordo com Cortez, ainda estamos tentando entender o que é. Passa, de alguma maneira, pela questão geopolítica no sentido da relação dos BRICS.

E o segundo ponto, talvez mais desafiador, é que há uma parte ideológica do trumpismo que olha o Brasil e outras nações como uma espécie de ameaça. Governos de esquerda que colocariam em risco democracia, liberdade, etc. Também é uma roupagem para fazer defesa em relação às big techs que estão aí num debate de sofrer regulação em diversos países do mundo.

Cortez explica que o gatilho que ele encontrou foi a figura do ex-presidente Bolsonaro e o fato de haver uma parte da direita brasileira que se vincula a Trump de maneira muito direta. Então, a grande pergunta que Cortez acredita que temos que tentar responder, pelo menos na questão política, é: o que aconteceu da primeira data, lá das tarifas universais, quando o Brasil estava na ponta positiva (só ganhamos 10% básico para todo mundo), para agora termos essa tarifa mais pesada? Para Cortez, parece que a resposta passa um pouco por esses elementos políticos e institucionais.

A questão que se coloca, de acordo com Cortez, é: vai haver contaminação, no sentido de que esse debate Alexandre de Moraes, Lei Magnitsky etc. de alguma maneira vai bater no debate propriamente comercial? O governo brasileiro está tentando manter de pé as negociações a despeito dessas pressões políticas que estão acontecendo.

Cenário futuro

Considerando também que o Congresso americano tem eleições por vir no ano que vem e Trump poderia já estar em clima de campanha de meio de mandato, Cortez menciona o efeito doméstico da política americana, das articulações de interesses de empresários daqui, mas sobretudo de lá, que de alguma maneira ficaram prejudicados com as tarifas mais elevadas.

Ele explica que isso tudo tem um pouco a ver com o fato de que, nos Estados Unidos, existem eleições a cada dois anos para os deputados, que acabam servindo como uma espécie de termômetro de como vai o desempenho do presidente.

Se olharmos historicamente, na grande maioria dos casos (com uma ou outra exceção), o partido do presidente perde cadeiras nas eleições de meio de mandato. Então, as eleições de meio de mandato começam a funcionar como uma espécie de “alarme de incêndio”, que o eleitorado dispara. Isso vai ajustando o comportamento do presidente para, em tese, conseguir se reeleger ou fazer com que o seu partido mantenha o cargo.

Cortez diz que, se olharmos os dados de hoje, são perspectivas bem ruins para o Trump. As pesquisas estão se avolumando nessa direção de perda de capital político para um patamar que, historicamente, tudo mais constante, significará perda de cadeiras de meio de mandato. Cortez acredita que talvez seja daí o primeiro freio que Trump eventualmente tenha. Perdendo cadeiras, muda-se totalmente o jogo de forças: aquilo que ele precisar passar com apoio legislativo dependerá da concordância com o Partido Democrata.

Sobre o que esperar, pelo menos na parte política, Cortez acredita que teremos ainda mares bastante turbulentos até a eleição de 2026. Para começar, a expectativa é de que, ao longo do segundo semestre, aconteça o julgamento do ex-presidente Bolsonaro.

Cortez diz que tudo indica uma condenação, o que é uma das justificativas que o Trump tem usado, sobretudo na esfera político-institucional, na crítica e punição a membros do Judiciário, em especial o ministro Alexandre de Moraes.

Ele terá, portanto, novo material, mesmo que ainda não o utilize. Se prestarmos atenção nos discursos, não só de Eduardo Bolsonaro, mas principalmente desses ideólogos, vale observar o que Steve Bannon tem dito — um dos articuladores desse movimento transnacional conservador. Ele deixa claro, em letras garrafais, que o Brasil e o governo de esquerda são alvos a serem combatidos.

Assim, de acordo com Cortez, poderemos chegar a 2026 com um cenário de muita incerteza. Domesticamente, há grande expectativa sobre quem vencerá a eleição, somada ao fato de que, diferentemente de 2022, quando Biden reconheceu rapidamente a vitória de Lula, em 2026 é possível que ocorra o contrário, caso Lula vença e Trump mantenha esse posicionamento.

Olhando a parte político-institucional, de acordo com Cortez, só não é pior porque as negociações comerciais ainda estão de pé. Isso funcionou um pouco como contrapeso político. Mas ainda há elementos que exigem cautela quanto a uma solução mais clara para a crise nas relações bilaterais

Na parte econômica, o que já está mais ou menos contratado desse efeito não aparece diretamente nos modelos macro, mas influencia as expectativas. Antes do tarifaço, o mercado vinha interpretando que, em 2026, Lula perderia. A avaliação do governo era ruim, os temas não favoreciam e crescia a aposta na vitória de alguém da oposição, em especial o governador de São Paulo, Tarcísio, visto como o mais competitivo, mesmo sem candidatura confirmada.

Isso refletia, por exemplo, na taxa de câmbio, que não passava por forte depreciação, pois o mercado já arbitrava o resultado eleitoral. Com o tarifaço, essa lógica caiu por terra. As pesquisas começaram a mostrar recuperação de popularidade do governo, e nas simulações mais recentes Lula voltou a aparecer como favorito.

Assim, de acordo com Cortez, retorna a incerteza no cenário doméstico, com a possibilidade real de vitória de Lula. Soma-se a isso a indefinição sobre a organização da direita. Havia a expectativa de que Bolsonaro apoiaria Tarcísio ou outro nome em troca da aprovação da anistia, que também o beneficiaria. Mas isso não se sustenta mais: a anistia não deve ser aprovada no curto prazo, e a direita não está articulada.

Diante disso, Cortez diz que surgem novas dúvidas: quantas candidaturas de oposição ao PT teremos em 2026? Quem será o candidato? Bolsonaro dará apoio a alguém? Como Tarcísio e outros governadores serão interpretados se entrarem na disputa? O fato é que Trump embaralhou tudo.

Diversificação de parceiros comerciais

Cortez acredita que é importante observar o tempo que esse processo de diversificação vai levar e o quanto o Brasil vai ser eficiente nesse processo, obviamente mantendo ainda as negociações com os Estados Unidos.

Cortez também explica que já temos uma diversidade de parceiros comerciais: Estados Unidos, Mercosul, União Europeia e China, a grosso modo, é assim que está dividido o nosso fluxo comercial, o que já nos coloca o desafio de não depender exclusivamente de um só. Não precisamos ter status especiais com uma região ou outra, porque a nossa economia é muito diversificada. Se somarmos isso ao elemento político, aí é muito mais uma questão de ritmo.

Ele pontua que também irão entrar em jogo outras questões. O quanto, por exemplo, a União Europeia vai se relacionar com os Estados Unidos, porque, no campo comercial, há uma relação difícil,  os europeus percebem o acordo entre os países como muito ruim. E esse acordo ruim foi assinado porque eles estão disputando uma guerra da qual dependem dos Estados Unidos.

Na mesma medida, Cortez levanta o questionamento de como vai ficar a relação entre China e União Europeia, porque a China também é percebida como, senão uma parceira, ao menos algo próximo da Rússia, incluindo na leitura de fornecimento de armamento também para lá.

Cortez acredita que irá demorar um tempo ainda para descobrirmos o quanto os outros blocos, e o Brasil incluído nessa lógica, vão conseguir se aproximar. Porque, de acordo com ele, não é que somos amigos e morremos de amores uns pelos outros, há conflitos importantes aí. Cortez diz que não será resolvido amanhã nem depois. Esse é um processo um pouco mais de longo prazo e tem a ver com essa nova ordem internacional e como ela vai se configurar.

Sobre o comportamento de Trump, Cortez pontua que é difícil de entender. Se a intenção fosse proteger as Américas ou o Ocidente da influência chinesa, faria sentido esperar mais aproximação com aliados. Só que, na prática, ele acaba constrangendo e afastando vários países. Fez isso com a Europa, com o México e até com o Canadá, chegando a falar em ameaça de invasão ou anexação, o que parece absurdo. Assim, fica difícil encaixar essa lógica de bipolaridade no modo como os EUA têm se comportado.

De acordo com Cortez, há autores que dizem que tudo isso antecipa um mundo de declínio americano. Outros defendem que, apesar de tudo, os EUA continuam sendo a potência que “faz acontecer”, já que a China ainda não consegue substituí-los como resolvedora de problemas no mundo. É uma dupla interpretação.

Reputação norte-americana

Cortez diz que todo esse jogo de Trump tem um custo reputacional crescente para a influência norte-americana. Entretanto, o nosso problema é o seguinte: ninguém quer fazer um rompimento com os Estados Unidos porque existe um custo econômico ou no plano da segurança, por exemplo, e Cortez acredita que a direção é buscar um um descolamento americano.

De acordo com Cortez, irá demorar um tempo para se conseguir encontrar caminhos alternativos, porque não é uma decisão de uma hora para outra, mas se pegarmos as pesquisas, os Estados Unidos têm um menor soft power e a tendência é Trump deixar isso ainda pior.

Comportamento de Lula em relação ao cenário internacional

Cortez vê na verdade mais um problema no início do mandato de 2022 de Lula do que agora quando a crise estourou, porque, se olharmos o início do mandato do ponto de vista da política externa, era de reconstrução de pontes que o Bolsonaro acabou quebrando no pela própria natureza de como ele fazia política, do olhar que tinha para essas organizações e pelas escolhas feitas, se alinhando, por exemplo, aos movimentos conservadores.

Lula, por sua vez, não faz nenhum movimento para começar a fazer com que sua voz chegue na Casa Branca. Entretanto, Cortez diz que o governo sentiu em alguma medida o que Eduardo Bolsonaro e outros nomes fizeram, uma vez que ninguém imaginaria que estaríamos discutindo o que estamos discutindo hoje.

Então, Cortez diz que o governo sentiu, sim, essa falta de conexão política. Agora, Lula precisa tentar recuperar a ponte que poderia estar um pouco mais adiantada com os Estados Unidos. 

Cortez menciona o primeiro artigo da Constituição Brasileira, que diz que um dos pilares fundamentais do Estado brasileiro é a soberania nacional. Está no primeiro artigo, então não tem muito o que fazer agora nesse momento senão manter certo esse canal e, aos poucos, eventualmente ter um contato no plano presidencial.

Sobre a comunicação do governo, Cortez traz destaque para a figura de Alckmin, não só pelo processo de negociação, mas pela mobilização que ele faz com o empresariado. Cortez diz que foi um acerto de Lula fazer um pouco essa divisão de trabalho entre ele e o Alckmin, onde o vice-presidente fique mais responsável pela dimensão comercial e a organização dos grandes setores econômicos aqui no Brasil, enquanto Lula faz mais pela perna da soberania, por esse discurso um pouco mais político. Cortez acha essa combinação interessante.

Confira a entrevista na íntegra no vídeo abaixo!