Tendências Consultoria Econômica

  • Português
  • English
Edit Template

Corrida por novo consignado privado deve ter impacto na inflação e nos juros, dizem analistas – O Globo

Programa lançado pelo governo federal deve injetar recursos na economia e estimular o consumo das famílias

Aberta ao público nesta sexta-feira, a oferta de crédito consignado privado do Programa Crédito do Trabalhador, lançado pelo governo federal, tende a injetar mais recursos na economia e estimular o consumo das famílias num momento de juros elevados.

Economistas explicam que a substituição de dívidas mais caras por outras mais acessíveis tende a manter mais recursos disponíveis na mão dos consumidores. No entanto, não confere sustentabilidade ao crescimento econômico e acende uma “luz amarela” sobre a inflação, dificultando o trabalho do Banco Central de esfriar a atividade com a alta da taxa básica de juros.

Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), considera a medida positiva porque se alinha à necessidade de redução estrutural das taxas de juros no país. De imediato, ele entende que a modalidade reduz o custo das dívidas das famílias, que atualmente enfrentam altas taxas no cartão de crédito e no rotativo.

Por outro lado, o fato de a medida ocorrer num momento em que a demanda segue elevada, com mercado de trabalho e comércio aquecidos, levanta questão sobre controle da inflação por parte do Banco Central.

— O problema é que o consumidor pode perceber no crédito mais barato um estímulo adicional para consumir mais e não reduzir o seu grau de endividamento. E aí vai caber mais uma vez ao BC enxugar esse excesso de liquidez na liberação de recursos. Então, do ponto de vista conjuntural, vai produzir aqui resultados positivos de curto prazo, mas cria problemas adiante — afirma ele.

— Faz sentido para alavancar o consumo, mas vai colocar mais gasolina na fogueira da inflação – conclui.

O aumento da inadimplência também gera preocupações. Bentes lembra que o crédito com recursos livres para pessoa física registrou inadimplência de 5,5% em janeiro, acima dos 5,3% registrados em novembro. E o mercado de trabalho aquecido dá lastro para que as famílias se endividem mais.

— A luz amarela que se coloca é o comportamento da inadimplência. Ela vem ensaiando, nos últimos três meses, uma tendência de alta. E, quando cruzamos o dado do mercado de trabalho, as famílias colocaram o pé no acelerador. Ela poderia estar condicionada a uma troca de dívidas. E isso pode fazer com que o quadro da inadimplência se agrave. E o quadro da inflação demore a ser corrigido.

Dados do Banco Central mostram que o nível de endividamento das famílias brasileiras voltou a subir no fim do ano passado, após certa estabilidade no primeiro semestre. Em dezembro, o nível de comprometimento de renda das famílias com dívidas chegou a 48,32%. Trata-se do maior patamar desde junho de 2023, quando ficou em 48,40%.

O movimento ocorreu em meio ao aperto monetário promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que desde setembro voltou a elevar a taxa básica de juros, a Selic, deixando o crédito mais caro.

Alessandra Ribeiro, economista da consultoria Tendências, aponta que a nova modalidade pode impulsionar o consumo no curto prazo, indo na contramão do necessário esfriamento da economia. A Tendências projeta alta de 1,7% para o consumo das famílias, após avanço de 4,8% no ano passado. Se confirmada a expectativa, será a menor taxa de crescimento desde 2010, excluindo os anos de crise, como 2015, 2016 e 2020.

— A partir do momento que você melhora o nível de comprometimento das famílias com dívidas, isso abre espaço em renda disponível e isso pode fortalecer o consumo. No momento, a gente espera que o consumo enfraqueça para que a inflação ceda a patamares mais baixos. E tem a questão do timing. — explica. — O governo adota uma medida que dá suporte ao consumo quando se tenta resfriá-lo para controlar os preços. Não estamos prevendo que o consumo cresça tanto quanto no ano passado, mas talvez ele fique mais resiliente e dê mais trabalho para o Banco Central.

Apesar da esperada injeção sobre o consumo, Alessandra não espera um aumento da inadimplência como efeito do novo programa de crédito. Para ela, a modalidade pode, na verdade, ajudar a reduzir esse risco.

A visão sobre inadimplência difere da avaliação de Katherine Hennings, economista e pesquisadora associada do FGV IBRE. A economista entende que o acesso à nova modalidade traz riscos de aumento do endividamento e possível aumento da inadimplência, especialmente entre trabalhadores que ganham menos.

O risco, segundo Hennings, está no fato de que muitas pessoas podem não usar o novo crédito para substituir dívidas mais caras, e sim para contrair novos compromissos financeiros.

— Se a economia desacelerar e o desemprego aumentar, as pessoas continuarão endividadas. (…) Entre quem ganha de 2 a 3 salários mínimos, a inadimplência é bem mais alta. São essas pessoas que também sofrem com a inflação. E seriam essas pessoas, inclusive os MEIs, que devem ter acesso a essa modalidade.

Para ela, a chegada do novo formato de crédito reforça a necessidade de ampliar o letramento financeiro da população, especialmente dos mais pobres.

— Não é trivial a gestão dessa nova modalidade. A população brasileira, principalmente a de baixa renda, precisa aprender a lidar com o que significa o crédito. O consignado compromete uma parcela da renda por um tempo. Lá na frente, isso pode acelerar o aumento da inadimplência — alerta.

Delber Lage, CEO da SalaryFits, empresa adquirida pela Serasa Experian, avalia que a nova regulamentação do consignado privado tem o potencial de torná-lo uma linha de crédito mais abrangente, já que elimina a necessidade de aprovação do RH para a oferta do serviço.

No entanto, o especialista alerta que a taxa de juros do consignado privado não será necessariamente mais baixa para todos. Isso porque há fatores como o risco do empregador e a questão operacional. Empresas menores, terceirizadas ou com alta rotatividade tendem a ter juros mais altos que os demais perfis de empregadores, explica.

Outro fator é que o atual modelo de leilão, em que os bancos têm 24 horas para apresentar propostas, leva a uma precificação média, o que acaba resultando em taxas de juros mais altas. Essa situação pode melhorar a partir do dia 25 de abril, segundo o especialista, quando os bancos poderão originar crédito diretamente pelo canal deles.

— Tem uma perspectiva de uma injeção forte de crédito na economia num momento importante para o governo, que tem uma eleição se aproximando. O que a gente precisa observar, no entanto, é a premissa de que esse crédito vai ser mais barato para todo mundo. Isso não é necessariamente verdadeiro.

Ele continua:

— Mas é uma linha de crédito que vai evoluir tanto pelos lançamentos que estão previstos, como a do canal direto, quanto pela tecnologia de automatizar processos e diminuir o risco operacional. O mercado tende a ter melhorias com o passar dos meses — conclui.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!