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Como o presidente do BC indicado por Lula vem driblando desconfianças e conquistando a Faria Lima – Estadão

Gabriel Galípolo vem ganhando elogios dentro das instituições financeiras principalmente pela condução da política monetária

Alvo de críticas de integrantes do governo por conta dos juros altos, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, vem ganhando espaço e aumentando sua credibilidade entre grandes instituições da Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo. Tem sido elogiado, entre outras coisas, pela posição em relação aos juros básicos da economia e pela condução do caso do Banco Master.

Nesta segunda-feira, 24, no almoço anual dos banqueiros promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o presidente do BC foi coberto de elogios. “Se eu pudesse – e penso que posso – apontar uma marca da sua gestão nesse primeiro ano de mandato é a de que você conseguiu elevar a régua da dignidade institucional do Banco Central”, disse a ele o presidente da entidade, Isaac Sidney. “Quero que você tenha, por parte da Febraban e dos dirigentes, o reconhecimento por esse trabalho dificílimo.”

Galípolo chegou ao BC em julho de 2023, como diretor de Política Monetária, em meio a dúvidas do mercado financeiro, principalmente por sua trajetória ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT) e pela proximidade com economistas identificados com visões heterodoxas, como Luiz Gonzaga Belluzzo.

Galípolo se aproximou de vez do PT na campanha presidencial de 2022, quando passou a acompanhar Gleisi Hoffmann, então presidente do partido, em encontros com empresários. Antes de chegar ao BC, Galípolo também ocupou o cargo de secretário-executivo do Ministério da Fazenda.

Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele assumiu o comando da instituição no início deste ano, em um momento de juros elevados, substituindo Roberto Campos Neto, escolhido na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A desconfiança inicial com seu nome foi ficando para trás nesse período. Hoje, Galípolo tem sido descrito por economistas do mercado em termos elogiosos. É apontado como um presidente que adota decisões técnicas, mantém comunicação transparente, demonstra disposição para ouvir e rever posições e apresenta habilidade para dialogar com diferentes visões.

“Ele realmente surpreendeu positivamente. E o primeiro ponto é a própria gestão da política monetária. É realmente uma visão muito técnica”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria. “Nós já achávamos que ele tinha os incentivos para seguir uma agenda responsável no BC. Não tínhamos aquela cabeça de parte do mercado, de que ele poderia ser suscetível e ser um novo Tombini (Alexandre Tombini, presidente do BC na gestão Dilma Rousseff).”

Em dezembro do ano passado, na última reunião do Comitê de Política Monetária presidida por Campos Neto, o Banco Central aumentou a Selic em 1 ponto porcentual — para 12,25% — e contratou mais duas altas da mesma magnitude para os encontros seguintes. Com o apoio de todos os diretores, o Comitê de Política Monetária (Copom), liderado por Galípolo, promoveu um aperto ainda maior da Selic, colocando os juros em 15% desde junho deste ano — o maior patamar em 20 anos.

Já como integrante do Copom, uma das decisões que ampliaram a desconfiança do mercado com uma eventual gestão dele foi o resultado da reunião de maio de 2024, quando o comitê se dividiu. Galípolo e outros três nomes indicados por Lula para a diretoria do banco votaram por um corte maior na Selic do que os diretores escolhidos por Bolsonaro — à época, a Selic foi reduzida para 10,50% ao ano.

“A divisão trouxe mais dúvidas para o mercado sobre a atuação de um Banco Central que, com o passar do tempo, seria majoritariamente nomeado por esta administração (de Lula). Depois dessa reunião e da percepção de que isso poderia trazer essa visão de que o Banco Central não trabalharia de forma autônoma de fato, apesar da lei, o Galípolo e o próprio Banco Central se reorganizaram no sentido de comunicação e de decisões que tentam ser unânimes”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.

“Ele tinha um desafio de conquistar essa credibilidade, porque, mal ou bem, estava trabalhando no governo antes de ser indicado”, diz ela. “Não é algo que seja muito natural para um Banco Central independente, apesar de estarmos vendo isso acontecer em vários países.”

Nesse primeiro ano de gestão, o mercado também avaliou de forma positiva o tratamento que o Banco Central deu ao caso do Banco Master, liquidado na terça-feira, 18. No início de setembro, o BC reprovou a compra do Master pelo Banco Regional de Brasília (BRB) após cinco meses de análise.

A pressão para que o Banco Central desse aval para a operação foi grande. O Centrão chegou a trabalhar por um projeto para autorizar o Congresso a demitir a cúpula do BC.

“Nesse processo, o BC foi técnico no papel de regulador. Ele acabou tomando as decisões pertinentes”, diz Alessandra.

Críticas do governo

A manutenção da taxa básica de juros num patamar elevado detonou uma série de críticas de integrantes do governo Lula à gestão de Galípolo — num roteiro semelhante ao que se observou, em um nível mais alto, na gestão de Campos Neto, cuja condução da política monetária foi bastante questionada pela equipe econômica, em especial pelo próprio presidente Lula.

Em entrevista concedida ao Estadão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o País não precisava conviver com o atual patamar de juros e disse que está “louco para ver uma ata do Banco Central dizendo que eu estou fazendo um esforço fiscal relevante, como fez o FMI”. A hoje ministra da Secretaria de Relações Institucionais Gleisi Hoffmann já disse que Galípolo “deixou a desejar”.

Nas decisões de política monetária, o Copom tem chamado a atenção para uma desarmonia entre as políticas monetária e fiscal, que ainda é expansionista e tem levado ao crescimento da dívida pública — o Brasil é considerado altamente endividado para uma economia emergente, o que amplia a percepção de risco e faz com que investidores exijam mais juros para aplicar recursos no País.

“O que estamos vendo é um Banco Central bastante cuidadoso nesse momento com a Selic. A inflação está desacelerando, e o BC tem sinalizado um juro elevado ainda”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

“A Fazenda está sinalizando o desconforto com a política monetária, não reconhecendo que faz parte da causa disso que está acontecendo. A política fiscal, nos últimos anos, tem sido um dos elementos que ajudaram a pressionar a inflação”, afirma Vale.

Em busca da meta

O Banco Central precisa perseguir a meta de 3% — com tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos —, definida pelo Conselho Monetário Nacional, do qual fazem parte, além do BC, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento.

Hoje, no horizonte relevante da política monetária — ou seja, o período para o qual o Copom olha para decidir sobre os juros —, que é o segundo trimestre de 2027, a inflação projetada está em 3,3%, portanto, ainda um pouco acima da meta.

“Eu diria que o grande mérito do presidente Galípolo tem sido o de mostrar muita firmeza e sequer abrir debate público sobre a queda de juros”, afirma José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre).

Ao longo do ano, as projeções para a inflação deste e dos próximos anos passaram a recuar. No último relatório Focus, os participantes consultados pela pesquisa do BC projetaram que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre 2025 em 4,45%, abaixo do teto da meta.

Para 2026, as previsões para o IPCA estão em 4,18%, e as de 2027 são de 3,80%.

“Ele (Galípolo) está sendo acusado agora de ser extremamente conservador e duro. Eu não acho. Ele fez um trabalho de conquistar credibilidade, que se expressa, na minha opinião, na queda das expectativas (de inflação) e que vão além de 2025”, afirma Solange.

A grande questão envolvendo a taxa de juros é que o atual patamar da Selic deve provocar uma desaceleração da economia brasileira no ano que vem, quando o presidente Lula deve disputar a reeleição numa disputa que deve ser bastante apertada — pelo menos no cenário atual. E esse, aliás, é o grande dilema que paira hoje na Faria Lima — se a condução da política monetária do BC seguirá como está em 2026.

Na segunda-feira, 23, no almoço anual da Febraban, Galípolo reafirmou que o Banco Central olha para o horizonte relevante independentemente do cenário político e disse que as críticas ao BC não o incomodam.

“Se você está numa posição em que tem muita gente que é afetada pela sua atuação, pode existir pressão e pode existir gritaria”, disse. “Se você não vai se dar bem com isso, o Banco Central não é um local adequado.”

Hoje, a expectativa é de que o Copom comece um ciclo de queda de juros no início do próximo ano. A Selic, no entanto, vai seguir num patamar elevado — deve terminar 2026 em 12%, segundo o último relatório Focus, do BC.

“Me parece que o Banco Central não vai piscar. Acho que os dirigentes do Banco Central, a começar pelo seu presidente, estão super convencidos de qualquer movimento em falso jogaria por terra o esforço de vários anos”, afirma Senna. “Jogar fora o que já se conquistou não faria sentido. Pressões em cima do Banco Central existem sempre, o tempo todo.”

Na avaliação de Senna, o BC deve ter um comportamento “by the book (seguindo as regras)” no ano que vem. “Houve um grande avanço da política monetária, apesar dos ventos contrários do lado fiscal e creditício. Agora, para poder derrubar o juro, a inflação projetada tem de estar abaixo da meta.”

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