Como o cenário externo tem ajudado a economia brasileira? – Estadão
- Na Mídia
- 04/07/2025
- Tendências

Ao longo do ano, o real se valorizou em relação ao dólar, o que ajuda o Banco Central na luta contra a inflação; a Bolsa de Valores bateu recorde
A trégua do cenário externo e a percepção de que o pior — ao menos por ora — não se confirmou com as políticas tarifárias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, têm ajudado a aliviar a situação da economia brasileira. A mudança não indica que os problemas do Brasil estejam superados. Ao contrário, a incerteza fiscal continua e é crescente quando se olha para o longo prazo. Agora, é como se o País andasse num gelo fino, mas tivesse algum tempo a mais para solucionar os desafios das contas públicas.
De forma mais imediata, a economia brasileira sente esse alívio internacional por meio do comportamento do câmbio. Em dezembro, no auge da incerteza externa e local, depois do pacote apresentado pelo Ministério da Fazenda para as contas públicas e prestes a começar o segundo governo de Trump, o dólar chegou ao patamar de R$ 6,30. Agora, numa conjuntura mais tranquila, passou a rondar a faixa de R$ 5,40.
Neste ano, é possível atribuir toda a desvalorização do dólar em relação ao real ao cenário externo, de acordo com Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “Do início do ano até sexta-feira da semana passada (27 de junho), 100% do movimento é do mundo”, afirma.
Para apurar se o desempenho do dólar em relação ao real foi puxado por fatores domésticos ou externos, Lívio utiliza um modelo que leva em conta diversas variáveis, como o comportamento dos preços das commodities e do dólar em relação a uma cesta de moedas.
Um dólar mais comportado ajuda o Banco Central na condução da política monetária — hoje, a taxa básica de juros (Selic) está em 15%, no maior patamar desde julho de 2006.
No relatório Focus, elaborado pelo BC, as projeções para a inflação de 2025 voltaram a cair. Na mais recente divulgação, a previsão dos economistas consultados para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo(IPCA) era de 5,20%, ainda acima do teto da meta do governo (4,5%), mas menor do que há quatro semanas, quando estava em 5,46%.
“O ambiente está ligeiramente desinflacionário”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria. “Isso está contribuindo para evitar um cenário de inflação ainda mais complicado.”
Na ata da sua mais recente reunião, em que surpreendeu parte do mercado ao elevar a Selic mais uma vez, o Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que os juros não devem recuar tão cedo. Apesar da valorização recente do real, um dos grandes nós do Banco Central é justamente lidar com a incerteza em torno da política fiscal expansionista, que ajudou a manter a atividade aquecida ao longo dos últimos anos.
“Com essa valorização do câmbio ao longo deste ano, você já começa a ver os bens industriais embicando para baixo. Isso não vai resolver a questão da inflação, porque a gente tem um problema muito sério em serviços”, afirma Luis Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
“É um fator a mais para puxar para baixo a inflação, e isso vai ajudar o Banco Central. Não acho que seja para cair os juros no segundo semestre, mas vai abrindo espaço para uma queda no início do ano que vem”, acrescenta.
Cenário não esperado
A perda de valor do dólar pode ser considerada um movimento surpreendente e global. No mundo, a moeda norte-americana colheu o pior primeiro semestre desde 1973. No início do ano, a expectativa era de política tarifária de Trump e os planos para a imigração seriam altamente inflacionários, o que poderia obrigar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a ser mais duro na condução das taxas de juros.
Juros mais altos nos Estados Unidos acabam atraindo recursos de outras economias, em especial das consideradas mais arriscadas, como é o caso da brasileira.
Desde que o Trump assumiu a presidência dos EUA e trouxe uma série de incertezas para a economia, o Fed não cortou os juros, que estão na faixa de 4,25% a 4,5%. A maior parte do mercado trabalha com reduções a partir de setembro.
“Hoje, os impactos (da guerra comercial) para o PIB (Produto Interno Bruto) e comércio globais estão mais moderados”, afirma Alessandra. “Ainda que o desenho final das negociações seja de aumento de tarifa em relação ao cenário que se tinha antes, não será aquele cenário mais drástico.”
Essa conjuntura esperada no fim de 2024, mas que não se confirmou, explica Leal, começou a mudar com a política de “morde e assopra” do Trump em relação às tarifas de importação. Houve uma margem de dúvida sobre quão fortes seriam as medidas de Trump no comércio internacional, o que também paralisou a economia norte-americana, dado que ninguém sabia qual tarifa estava em vigor.
No chamado Dia da Libertação, em 2 de abril, por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chacoalhou o comércio internacional ao impor uma tarifa mínima de 10% — como foi o caso do Brasil — e taxas maiores para 60 parceiros comerciais.
O tarifaço foi muito mal recebido e levou o mercado global a um cenário de caos, com a liquidação de títulos norte-americanos. Trump, então, postergou as tarifas recíprocas por 90 dias — o prazo vence em 9 de julho. Com a China, houve uma trégua em maio e, no mês seguinte, os dois países anunciaram avanços nas negociações.
“Passamos de um ambiente em que o medo era a inflação, para um cenário em que o medo era a desaceleração da economia americana e, depois, para um cenário em que o medo era de uma recessão mundial”, afirma Leal.
“Aquela ideia de dólar mais forte começou a virar uma ideia de dólar fraco, porque se começou a esperar não só uma desaceleração mais forte da economia americana como também começou-se a questionar o fato de que o mercado estava colocando todas as fichas nos Estados Unidos.”
A redistribuição de recursos de investidores também se refletiu na Bolsa de Valores brasileira. No primeiro semestre, o fluxo de capital externo somou R$ 26,449 bilhões. Na quinta-feira, 3, o Ibovespa, principal índice acionário da B3, bateu recorde e fechou a 140.927,86 pontos.
“O Brasil sempre teve suas dificuldades fiscais e políticas, mas, em vez de a gente melhorar e alcançar o mundo, o mundo piorou e está ficando mais próximo da gente. É como se houvesse uma ideia de que há problemas em todos os países, e o Brasil não é diferente nesse sentido, mas é um país que tem ativos e potenciais muito importantes”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
“No meio dessa discussão toda, o Brasil tem commodities e energia renovável. Isso ajuda a vender o Brasil lá fora. É um país politicamente estável e, do ponto de vista fiscal, tem dificuldades, mas que não são intratáveis”, acrescenta.
Fator político
Embora o cenário esteja ditando o rumo do comportamento dos ativos brasileiros, já há por parte dos investidores algum olho na eleição presidencial do ano que vem e uma expectativa de que o próximo governo adote uma postura mais fiscalista na condução das contas públicas a partir de 2027.
“Uma parte importante dessa apreciação do câmbio que estamos vivendo este ano é uma percepção do mercado, depois que o Lula começou a piorar a popularidade dele no final do passado, de que ele tende a perder a eleição em 2026″, afirma Vale. “É um elemento adicional e que está entrando agora.”
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