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Começa hoje portabilidade do consignado privado; juro preocupa empregadores – UOL

Começa hoje mais uma fase do programa do governo federal de empréstimos consignados para empregados do setor privado, o Crédito do Trabalhador. Quem tinha financiamentos desse tipo antes do lançamento do programa, em março, agora pode trocar o seu contrato pelo de outro banco com condições melhores.

Mas os juros dessa modalidade de crédito estão subindo e preocupando entidades empresariais.

Portabilidade de crédito

A partir de hoje, empréstimos tomados na modalidade antiga do consignado privado podem ser trocados por novos, mais vantajosos, de outros bancos. Os interessados em fazer a troca devem acessar o aplicativo da Carteira de Trabalho Digital e buscar a opção do Crédito do Trabalhador, programa criado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste ano.

Antes, o consignado privado era oferecido exclusivamente pelo banco que fechava uma parceria com a empresa contratante do trabalhador. Desde março, porém, os empregados do setor privado podem tomar esse tipo crédito de qualquer banco, o qual usa o sistema E-Social do governo federal para descontar as parcelas mensalmente do seu salário. Outro diferencial do novo programa é colocar uma parte do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) como garantia dos empréstimos.

Nas primeiras fases do programa, quem tinha um contrato do modelo anterior não podia pedir novos empréstimos. Essa opção agora fica disponível, com a renegociação dos empréstimos antigos e eventual troca por novos que tenham taxa de juros menor e outras vantagens.

Juros em alta

Os juros do crédito consignado privado dispararam em abril. A média de juros para a modalidade foi de 59,1% ao ano em abril, ante uma média de 44% em março, alta de 15,1 pontos percentuais. Em 12 meses, o aumento foi de 20,6 pontos percentuais. Os dados são do Banco Central.

O saldo da modalidade também cresceu. Com o novo programa, o montante de crédito concedido como consignado privado chegou em abril a R$ 45,2 bilhões, uma alta de 7,4% em relação a março. Tanto o saldo da modalidade quanto os juros são os maiores da série histórica do Banco Central, iniciada em 2011. O mês de abril foi o primeiro mês cheio de vigência do programa de Crédito do Trabalhador, que amplia a oferta de crédito consignado a trabalhadores com carteira assinada.

A meta do programa é permitir que quem tem carteira assinada possa acessar crédito com taxas mais baixas do que as de modalidades sem garantia. Antes do programa, o consignado privado atendia apenas trabalhadores de empresas que estabeleciam convênio com os bancos para a oferta desse tipo de crédito. Isso restringia essa modalidade a empregados de empresas maiores. Agora, a modalidade é aberta para todos que trabalham como CLT, que podem contratar o crédito de qualquer banco que ofereça a modalidade.

Empresas estão preocupadas com aumento do endividamento

O endividamento preocupa empregadores. Em reunião recente com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) sinalizou preocupação com os juros praticados no consignado privado e com o aumento do endividamento dos trabalhadores.

Um temor no setor de serviços é de que funcionários saiam do emprego para ganhar um respiro na dívida contraída. Em uma análise dos dados de inadimplência da modalidade, a Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços) alerta que “subterfúgios como o pedido de demissão para evitar o pagamento dessas obrigações possam ser uma prática efetiva”.

O Programa prevê a suspensão do pagamento em caso de demissão. Pelo programa, quando o funcionário sai do emprego, o valor devido é descontado das verbas rescisórias, com o limite de até 10% do saldo do FGTS e 100% da multa rescisória. O restante do pagamento é suspenso até que o funcionário encontre outra vaga com carteira assinada. O trabalhador também pode procurar o banco para acertar uma nova forma de pagamento.

“A preocupação do empresário é no sentido de o trabalhador se endividar demais e pedir demissão, ou então ficar insatisfeito e não desempenhar o seu trabalho, porque ninguém dorme tranquilo sendo devedor. É uma coisa que a gente percebe que está começando a acontecer.” (João Diniz, presidente da Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços)

Juros vão baixar?

Expectativa dos bancos é que haja redução nas taxas da modalidade. O setor ainda precisa ter dados para entender como a modalidade vai funcionar, para então poder reduzir as taxas, diz Leandro Vilain, CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos). É preciso entender, por exemplo, como funcionará a continuidade da dívida caso o trabalhador saia de um emprego e vá para outro, além de mais informações sobre o perfil das empresas.

“Há uma curva de experiência, mas a tendência já demonstra que as taxas vêm caindo e temos uma expectativa de que dentro de 60 a 90 dias vai cair mais.” Leandro Vilain, CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos)

Por que os juros subiram tanto?

O perfil das pessoas que buscam pelo consignado privado mudou. Com a mudança no modelo, o consignado privado passou a ser procurado por pessoas com maior risco de crédito, o que eleva os juros, já que há mais chance de inadimplência, diz Isabela Tavares, analista de crédito da Tendências Consultoria. “Estamos incluindo novas pessoas, e essas pessoas têm um risco de crédito um pouco maior. Elas muitas vezes estão em empresas menores, com situação financeira não tão estruturada”, diz.

A maior procura faz com que bancos elevem os juros. A maior demanda pela modalidade e a baixa competição no setor bancário também são fatores importantes, diz Ricardo Hammoud, economista e professor de MBAs da FGV. “Há uma maior demanda por esse tipo de crédito. E aí os bancos aumentam os juros, como uma resposta a essa procura maior. Eles só conseguem cobrar essa taxa porque as pessoas estão pegando. E porque as outras modalidades são ainda mais caras”, afirma.

Os juros subiram também em outras modalidades. A taxa de juros básica da economia, a Selic, está em 14,75%, o patamar mais alto em quase 20 anos. Isso impacta o crédito como um todo, ainda que o aumento dos juros em outras modalidades não tenha sido tão acentuado quanto no consignado privado. “Quando a Selic aumenta, todas as taxas de juros aumentam”, diz Hammoud.

A mudança no consignado privado é recente. Outro ponto que leva a esse aumento dos juros é o fato de as mudanças no crédito consignado privado ainda serem muito recentes, diz Tavares, da Tendências. “A gente está no começo. Então, os juros realmente algumas vezes ficam mais altos, pelo fato de os bancos estarem entendendo como é e conhecendo melhor o público”, afirma.

Modalidade vale a pena?

O consignado privado ainda tem juros mais baixos do que as alternativas. Mesmo com a alta expressiva, o crédito consignado privado ainda tem juros bem menores do que outras modalidades disponíveis. A médias de juros do crédito pessoal não consignado ficou em 106,2% ao ano em abril. No cheque especial, a média foi de 135,5% ao ano e no rotativo do cartão de crédito, 443,3% ao ano (essa é a taxa anualizada, mas a lei determina que o cliente não pode ficar mais do que 30 dias no rotativo do cartão e também estabelece a cobrança de um teto máximo de 100% de juros para a modalidade).

Com isso, é possível esperar uma troca de dívidas mais caras por dívidas mais baratas. A portabilidade de empréstimos sem garantia para a modalidade do consignado privado passou a valer no dia 16 de maio, ou seja, ainda não aparece nos dados do Banco Central.

“Apesar de os juros serem um pouco mais altos do que o resto dos outros consignados, ele ainda é bem mais baixo do que o de modalidades emergenciais. Então a gente espera sim ver uma redução no endividamento, à medida em que as pessoas saem de uma modalidade mais emergencial e vão para essa outra modalidade que tem os juros menores.” (Isabela Tavares, analista de crédito da Tendências Consultoria)

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