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Atividade perde fôlego – O Globo

PIB desacelera e cresce 0,4% no 2o trimestre, sob impacto do aumento dos juros

A economia desacelerou na passagem do primeiro para o segundo trimestre, com sinais mais claros dos efeitos da política restritiva de juros, adotada pelo Banco Central (BC) já há um ano. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços produzidos na economia) foi de 0,4% no segundo trimestre, ante o ritmo de 1,3% registrado nos três meses imediatamente anteriores, informou ontem o IBGE.

Para esfriar a economia, e aí segurar a inflação, o BC elevou a taxa básica de juros (Selic), entre setembro do ano passado e junho último, de 10,5% a 15% ao ano. Nos últimos trimestres, o crescimento econômico vinha surpreendendo, seguindo aquecido mesmo com os juros altos. Daqui por diante, economistas esperam uma continuidade da desaceleração, até terminar o ano com um crescimento mais próximo de 2%, ante os 3,4% de 2024.

A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, lembrou que a política de juros tem uma defasagem. Leva um tempo para que a alta surta o efeito de esfriar a economia, para então segurar a inflação.

Além disso, a pesquisadora do IBGE ressaltou as divergências entre a ação do BC e a política de gastos públicos do governo federal, algo que já vem sendo apontado como um problema por vários economistas. Enquanto os juros elevados seguram a demanda, no sentido contrário, gastos com programas de transferência de renda e com a regra de reajuste do salário mínimo, por exemplo, injetam dinheiro e aquecem a economia.

Consumo cresce menos

O efeito amortecedor dos gastos do governo foi menor no segundo trimestre, disse a economista Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências Consultoria. Segundo ela, o efeito dos juros elevados ficou evidente nos componentes do PIB mais dependentes de financiamento. 

No lado da oferta, foi o caso das indústrias da construção (queda de 0,2% ante o primeiro trimestre) e da transformação (recuo de 0,5%) – a indústria como um todo cresceu 0,5%, mas por causa do setor extrativo, enquanto a agropecuária ficou estável, com queda de 0,1%. No lado da demanda, foi o caso dos investimentos, que perderam 2,2%. E mesmo o consumo das famílias, que ainda avançou 0,5%, reduziu o ritmo à metade do 1% registrado nos três primeiros meses do ano.

– Os juros estão batendo na atividade. Estamos vendo um crescimento menor do crédito, e a parte financeira do orçamento das famílias piorou. O mercado de trabalho segue resiliente, com um bom ritmo de geração de vagas e renda em alta, mas o comprometimento de renda das famílias com dívidas aumentou – afirmou Alessandra, chamando a atenção também para a alta da inadimplência.

Clara Carvalho, administradora de 24 anos, está consumindo menos porque sente um aumento nos preços e porque passou a ganhar menos, após trocar de emprego – a oportunidade profissional é melhor, mas o salário, menor. Ela reclama, particularmente, do aumento de custos para manter o cachorro que adotou recentemente, já que o preço da ração “aumentou bastante, e os gastos recorrentes ficaram mais pesados”.

Serviços sustentam PIB

Embora os registros mais recentes dos índices de inflação tenham mostrado certo alívio, o IBGE chamou a atenção para o fato de que, na média do segundo trimestre, o IPCA ficou em 5,4%, acima dos 3,9% de um ano antes, o que ajuda a desacelerar o consumo.

Com o salário menor, Clara eliminou gastos com itens como perfumes, roupas novas e o hábito de trocar de celular a cada dois anos. Mesmo assim, ela gasta mais do que ganha e acabou se endividando.

– Busco alternativas mais baratas, como comprar de marcas menores, mas que ainda tenham qualidade. Só que meu histórico de empréstimos já é grande – disse.

Ainda que mais moderado, o ritmo de alta do consumo das famílias, impulsionado pela situação favorável do mercado de trabalho, se refletiu, pelo lado da oferta, nos serviços, que avançaram 0,6%, sustentando o crescimento do PIB. O setor responde por quase 70% da economia. Entre as atividades que cresceram acima da média, quatro estão nos serviços (intermediação financeira, informação e comunicação, transportes e outros).

– O que mais chama atenção nos serviços são os segmentos menos dependentes do crédito e mais ligados à renda, que tiveram uma performance superior ao que a gente esperava, sinalizando o mercado de trabalho aquecido, combinado com as medidas de impulso à demanda, que estão sustentando esse consumo explica Yihao Lin, economista da corretora Genial Investimentos.

Um exemplo desse movimento é a categoria de outros serviços, que tem um peso grande dentro do setor e cresceu 0,7%. Dentro dessa atividade estão os serviços de bares, restaurantes, academias, saúde e educação privada, entre outros, que são justamente os mais sensíveis à renda, mas que são menos afetados pelo custo de financiamentos – afinal, não é o tipo de consumo que é pago a prazo.

Para Alessandra, da Tendências Consultoria, agora a desaceleração está dentro do esperado diante da postura mais restritiva do BC. Daqui para a frente, nos próximos trimestres, a economia deverá perder ainda mais fôlego, perto da estagnação, segundo a economista, porque a inflação está demorando a ceder. Com emprego e renda em alta, o BC precisará manter os juros ainda em níveis elevados. A Tendências só vê o início de um ciclo de queda na Selic no começo de 2026.

País cai para 32º em ranking

Outro motivo para a perda de fôlego se aprofundar é que o efeito dos gastos do governo na demanda, estimulando a economia, está perdendo força, segundo Alessandra. Não estão no radar novas rodadas de aumentos expressivos nos gastos com transferência de renda, por exemplo – embora as eleições gerais do ano que vem possam servir de motivo para o lançamento de mais medidas.

– Se não tiver mais nenhuma ação do governo de grande magnitude, a expectativa é que o consumo das famílias continue desacelerando ao longo do ano, tanto por conta da incerteza quanto pelos juros elevados, que aumentam o custo do financiamento, então as famílias acabam tendo um maior comprometimento da renda – concordou Juliana Trece, coordenadora do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Em nota, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda avaliou que a desaceleração da economia foi dentro do esperado pelo governo.

Com a freada, o desempenho da economia brasileira perdeu postos num ranking de comparação internacional do crescimento econômico. No início do ano, o Brasil tinha sido o quinto país que mais cresceu, mas, no segundo trimestre, caiu para o 32º lugar na lista de 55 nações que já divulgaram seus resultados, segundo levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating. O melhor desempenho ficou com a Indonésia, cujo PIB saltou 4%.

– Isso reflete o que a gente chama de “voo de galinha” no Brasil. Fica muito claro que há uma desaceleração da atividade, que sente o efeito da política monetária mais restritiva – disse Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Digitalização da economia acumula alta de 40% desde a pandemia

Dentro do setor de serviços, uma atividade que vem chamando atenção nos dados do PIB é o segmento de comunicação e informação, que inclui todas as atividades da tecnologia da informação (TI), como a internet e o desenvolvimento de softwares. Na comparação com o primeiro trimestre, essa atividade cresceu 1,2%, emplacando uma sequência de resultados positivos na esteira da digitalização da economia no pós-pandemia. Desde o quarto trimestre de 2019, o último antes de a Covid-19 se abater sobre o mundo, a atividade acumulou um crescimento de 40%.

Especialistas explicam que este movimento é puxado, sobretudo, pelos serviços de TI. A atividade cresce com a alta demanda pelo desenvolvimento e licenciamento de softwares; consultoria em TI; desenvolvimento de portais, provedores de conteúdo e ferramentas de busca na internet; e tratamento de dados, entre outros.

De acordo com o economista Yihao Lin, da corretora Genial Investimentos, é um segmento que, além de reagir ao crescimento da renda, é menos sensível à política de juros restritiva.

– Isso está muito em linha com a questão do mercado de trabalho aquecido, que acaba contribuindo com o streaming, por exemplo, com mais renda disponível para contratar esses serviços.

Ele destaca, contudo, que o principal fator determinante para o crescimento dessa atividade é uma mudança estrutural pela qual a economia brasileira está passando, com a maior digitalização das empresas, que demandam cada vez mais serviços de TI:

– Tem essa questão da inteligência artificial (IA), que começa a ser implementada cada vez mais na cadeia produtiva. Isso impulsiona o segmento de serviços.