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Antecipação da disputa eleitoral tensiona relação entre governo Lula e Congresso – InfoMoney

Cientista político da Tendências, Rafael Cortez aposta que governo vai aproveitar onda positiva para colocar em pauta medidas populares

A tendência é de relações mais tensas entre Executivo e Legislativo e isso deve ser agravado pela antecipação da disputa eleitoral. A avaliação é do cientista político da Tendências, Rafael Cortez, ao InfoMoney. “É um jogo de forças que ambos os Poderes utilizam, cada um com as suas possibilidades, dentro dos limites institucionais”, afirma.

Para Cortez, quando Lula vetou o aumento no número de deputados tentou manter uma conexão com a opinião pública mais favorável a ele.

“Ter que fazer a votação do veto é expor eventualmente líderes a pautas negativas. Esse é o jogo estratégico do veto. O veto é uma maneira de o presidente impor mais custos reputacionais a essa maioria legislativa”, explica o cientista político.

Por outro lado, o governo vai aproveitar a onda positiva para colocar em pauta outras medidas populares, como jornada de trabalho de 6 para 1, supersalários e tributação dos mais ricos. Isso, segundo, Cortez, coloca o governo numa posição mais próxima à opinião pública.

Ele afirma que essa divisão conflituosa é o novo equilíbrio da política brasileira. A agenda do presidente norte-americano Donald Trump, no entanto, pode causar aproximação pontual entre os Poderes, que vai resultar em alguma cooperação. “Mas não imagino essa harmonia no que vamos chamar aqui de post-Trump”, acrescenta.

Veja os principais trechos da entrevista com o cientista político Rafael Cortez:

InfoMoney – O governo conseguiu uma certa vitória no STF em relação ao IOF e o presidente Lula vetou o aumento do número de deputados. Já o Câmara decidiu retaliar e votou uma espécie de “pauta bomba”, inclusive com aumento de custos. Isso dificulta ainda mais a relação entre o executivo e o legislativo?

Rafael Cortez – É um jogo de forças que ambos os poderes utilizam, cada um com as suas possibilidades, dentro dos limites institucionais. Mostra que essa lua-de-mel que pode aparecer a partir dos desdobramentos da agenda do presidente americano Donald Trump não vai se estender a outras agendas.

A tendência é o governo ter novas derrotas e eventualmente vetar manifestações do Legislativo para que o Legislativo fique com custo de tomar determinada medida. É isso que a gente deve ter, derrotas do lado do governo, quando os líderes legislativos colocam temas que eles sabem que o governo é minoritário e, por outro lado, o Legislativo ficando com o custo reputacional, a partir dos vetos que o presidente Lula eventualmente vai fazer.

O caso do aumento do número de parlamentares é tema muito popular, de fácil acesso para o eleitorado.

IM – Por outro lado, o Congresso também tem meios de retaliar. Por exemplo, não colocando em pauta projetos do governo e votando aumento de custos. É uma via de mão dupla?

RC – É, aí fica cada um com seus poderes institucionais. O poder dos líderes partidários é pautar a agenda legislativa e o poder do presidente é propor a legislação. Sobretudo impor derrotas ao legislativo por meio do uso dos vetos. E, por sua vez, o legislativo tem a possibilidade de derrubar os vetos. Então, quem dá a última palavra, em termos de produção legislativa, ainda é o legislativo. Eventualmente, Câmara e Senado derrubam o veto presidencial, mas como é jogo, sobretudo de opinião pública, né? Então, ter que fazer a votação do veto é expor eventualmente líderes a pautas negativas. Esse é o jogo estratégico do veto. O veto é uma maneira do presidente impor mais custos reputacionais a essa maioria legislativa.

IM – Como deve seguir o relacionamento do Executivo com o Legislativo daqui para frente?

RC – Acho que a tendência é de relações tensas entre Executivo e Legislativo a despeito de mudanças ambientais importantes no cenário político. Já era uma tendência que estava obviamente muito intensificada, à luz das derrotas que o governo sofreu. Mas, acho que o ponto fundamental do sistema político brasileiro, com divisão muito clara entre os Poderes e, em alguns casos, essa divisão conflituosa, é o novo equilíbrio da política brasileira. Obviamente, é agravado pela antecipação das questões eleitorais, por problemas de gestão desse desenho institucional e escolhas políticas.

Por exemplo, o ministro Fernando Haddad fez o decreto do IOF sem a devida amarra com o Legislativo, que posteriormente também não cumpriu os acordos que em algum momento foram tentados a construir. E isso vai bater lá no Supremo Tribunal Federal. Esse afastamento vinha trazendo custos crescentes para a agenda do Executivo.

Quando vem o presidente americano Donald Trump com a taxação, abriu-se uma porta, uma oportunidade de maior aproximação. Agora, é uma aproximação, na minha leitura, no melhor dos cenários, no cenário mais otimista, que vai resultar em cooperação naquilo que tange aos desdobramentos da agenda do Trump. Eu não imagino essa harmonia no que vamos chamar aqui de post-Trump. Eu não imagino que se espalhe para outras áreas de políticas públicas, outros debates que estão acontecendo em paralelo a isso.

IM – O governo Lula está se aproveitando desta “suposta” onda positiva provocada por Trump para impor uma agenda positiva, como o veto ao aumento do número de deputados?

RC – O presidente Lula, quando faz o veto, é também uma tentativa de manter essa conexão com a opinião pública mais favorável. Então, a partir do gatilho que Trump deu e outros temas que o governo ensaiava a ter uma comunicação melhor, a colocar alguns temas em que ele está alinhado à posição majoritária da sociedade. Acho que Lula fez isso na experiência, sabendo dos limites que as cenas de cooperação geram. O governo tentou fazer as cenas de cooperação, mas parece não ter confiança.

IM – A decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre IOF é uma questão pontual ou ela também é mais elemento para embaralhar o jogo, incluindo o Judiciário?

RC – O Supremo é também árbitro desses conflitos. Quando esses conflitos escapam da política, eles podem chegar ao Supremo Tribunal Federal. E aí, nesse caso, o resultado desse jogo está fora da ação política. Então, o Supremo às vezes atrapalha, às vezes ele ajuda, no caso ele até deu oportunidade dos poderes se organizarem na questão do IOF e novamente isso não aconteceu. E aí o Supremo se manifesta quando chamado pelos próprios agentes políticos, ora o governo, ora o legislativo.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, de ontem, parece ser importante, por dar ganho à maioria do conteúdo do decreto inicial do governo. Ele restabelece a legitimidade do governo de editar decretos sobre itens que já são passíveis de legislação e que, portanto, pode exercer regulação por decretos. Obviamente, isso não impede, de no futuro, o Congresso derrubar novamente um decreto.

A decisão do Supremo pode eventualmente diminuir a ambição dos legisladores nessa troca de farpas e de derrotas para que eles sejam mais conservadores e não testem a funcionalidade de uma matéria.

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