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Análise dos desafios e rumos da economia brasileira – Jovem Pan TV

Confira a entrevista de Maílson da Nóbrega, ex-Ministro da Fazenda e sócio fundador da Tendências, a Marco Antonio Villa no programa Só Vale a Verdade, da Jovem Pan TV, que foi ao ar em 20 de junho de 2025.

O Brasil pode entrar em crise em breve?

Ao ser questionado se estamos caminhando para uma crise grave em 2027, Maílson afirma que não tem nenhuma dúvida disso, Villa. Ele explica que os dados relativamente bons da economia em 2023 e 2024 decorrem do volume de gastos acima do que o Brasil deveria ter. 

A PEC da Transição, a reindexação do salário mínimo, aposentadorias, a restituição dos pisos de Educação e Saúde de acordo com a Constituição, que tinham sido congelados… Maílson diz que tudo isso é gasto. E o gasto estimula a economia.

“O problema é que, na economia, tem dois lados: tem o lado da demanda e tem o lado da oferta. O presidente Lula, por exemplo, fala muito: ‘Tem que botar dinheiro na mão do pobre, porque isso desenvolve a economia.’ É verdade. Só que, se não tiver o lado da produção, você vai ter uma demanda maior do que a oferta. Isso gera inflação. Enquanto a inflação não chega grave, o aumento do emprego é a realidade. O problema brasileiro, que começou lá na Constituição de 88, é que nós criamos um sistema de finanças públicas sem paralelo no mundo no campo da despesa, em que 96% dos gastos primários do governo federal são de natureza obrigatória: em Previdência, pessoal, Saúde, Educação, programas sociais e, no governo Lula, um piso de investimentos. (…) Sobram 4% para financiar programas de ciência, tecnologia, manter os estudantes brasileiros que estão fazendo mestrado e doutorado no exterior, a cultura, os investimentos, manter a máquina administrativa. Isso é totalmente insustentável. Em algum momento, vai ter um colapso.”, explica Maílson.

Ele diz que dois consultores da Câmara, bem conceituados — um deles trabalhou até recentemente com a ministra Simone Tebet — fizeram um estudo mostrando que, em 2027, 100% do espaço fiscal será ocupado por gastos obrigatórios. Então, não haverá nenhum tostão para manter as Forças Armadas, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo, os programas mínimos da agricultura. E Maílson acredita que vai colapsar antes.

Ele acredita que, primeiro, o arcabouço fiscal, que já era insustentável pelo que se vê ultimamente, ficaria totalmente inviável. Então, o governo ou abandonaria o arcabouço fiscal ou começaria a criar tantas exceções que também destruiriam a credibilidade dessa regra fiscal.

Maílson diz que, no Brasil, sabe-se o que fazer. É quase uma receita de bolo, uma lista de supermercado. Você sabe o que comprar e você sabe o que fazer. Você sabe que tem que fazer uma reforma da Previdência nova (…), tem que juntar tudo: rural e urbano. Porque o rural vive-se mais do que o urbano. Não tem sentido manter todo esse tipo de regimes previdenciários — inclusive dos militares. É preciso acabar com essa vinculação de imposto para Saúde e Educação. É algo que ninguém no mundo faz.

“Por mais que seja importante termos e reconhecermos que são importantes Saúde e Educação, você tem que ter uma regra de definição anual. Em todo mundo é assim. E não falta dinheiro para educação nos países que não têm a vinculação. Isso gera grande desperdício.”

Maílson diz que não existe o ambiente político. Seja porque os grupos de interesse se oporão a essas medidas, seja porque o Congresso como um todo é contra essas medidas, seja porque o presidente da República e o seu partido são contra essas medidas. Para ele, isso nos levará, inevitavelmente, a um encontro com uma grande crise.

O que precisa ser feito para evitar a crise?

Maílson diz que, dentro do governo existem centros de estudo, como o Banco Central, o IPEA, além do setor privado, em que existem federações com grandes estudos, consultorias que fazem estudos… Então, para ele, seria preciso reunir pessoas que acompanham tudo isso, que tem o conhecimento e fazer um programa.

“E como eu disse no início: é uma lista. Então, nesse ponto, eu sou otimista, sabe? Porque nós temos o objetivo e a proposta para atingi-lo. E o que é que falta? É o senso de urgência, como os cientistas políticos chamam. O senso de urgência, aquele momento em que a sociedade se dá conta que agora não tem mais jeito.”

Entretanto, Maílson diz que o parlamentar brasileiro, salvo honrosas exceções, não tem o domínio de certas questões econômicas básicas. Por exemplo, um conceito econômico rudimentar que todo estudante de economia aprende, que é a chamada “restrição orçamentária”. É o quanto alguém, numa família, numa empresa, pode gastar. Existem limites para gastos. E, no Congresso, a percepção é de que não tem limite. “Se você quiser fazer alguma coisa, faz, porque sempre vai ter dinheiro.”

“Segundo lugar: essa barbaridade que se criou no Brasil (…) as emendas parlamentares representam 25% das disponibilidades efetivas do orçamento, chamado gasto discricionário. No mundo inteiro, por exemplo, nos regimes parlamentaristas europeus, é 0,3%, 0,5%. O país rico que mais tem emenda parlamentar como proporção dos gastos discricionários, os Estados Unidos, tem 2,4%. A rigor, na minha opinião, não se justifica a emenda parlamentar. Porque você tem um sistema tributário nacional que é uma espécie de pacto, em que se define quanto é a porção da União, quanto é a porção dos estados, quanto é a porção dos municípios e os tributos para gerar essa receita diante dessa partição. Não tem que estar o Congresso dando emenda pro município A, pro município B. Até porque isso tá criando um problema sério para os municípios no futuro.”, explica Mailson.

“Então, a rigor, emenda deveria ser para casos especialíssimos, como é noutros países. E a rigor, o melhor seria não ter emenda. Até porque o papel do Congresso Nacional não é o de arranjar dinheiro para estado e município, como eles dizem.”

Sobre a reindustrialização, Maílson diz que não há como pensar — como diz o presidente Trump — numa reindustrialização dos Estados Unidos, como se pensa aqui no Brasil. Maílson o Brasil tem que caminhar para ser uma economia de serviços. “E, claro, tem que ter a indústria. Mas nós, aqui, ainda estamos pensando em estimular a indústria como a gente pensava nos anos 50, que é protecionismo, incentivo fiscal. E esse é um modelo de política industrial que foi abandonado por muitos países. Nós estamos insistindo nisso porque os lobbies são muito fortes.”

“O incentivo fiscal é entendido pela teoria econômica como a proteção a uma indústria nascente — em inglês, infant industry, ou seja, a indústria infantil. Nós temos uma indústria automobilística aqui que começou nos anos 50, está com mais de 70 anos, já é uma idosa, e está precisando da muleta do governo com incentivo fiscal. Você vê a quantidade de incentivo fiscal que tem no país.”

Maílson diz que nós temos que repensar tudo isso no Brasil. Tirar essa ideia de que é possível fazer uma grande reindustrialização para a indústria voltar a ser 25% do PIB. “Claro que essa desindustrialização aconteceu antes do que deveria acontecer — desindustrialização precoce. Mas eu acho que o futuro está em criar o ambiente para atração de capitais, o incentivo para a indústria.”

Entretanto, Maílson pontua que a abertura das indústrias para o mundo tem que estar associada também à melhoria do ambiente de negócios, porque muitas empresas não conseguem competir nos mercados internacionais e não é culpa delas. “Elas têm um sistema tributário caótico — que vai melhorar agora. Elas têm infraestrutura deficitária. Agora que o Brasil está tendo ferrovias. Os Estados Unidos já têm isso há mais de um século. Aqui no Brasil, a força da indústria automobilística levou o governo a fechar um monte de ramais ferroviários. E o Brasil ficou muito tempo com um pobre sistema ferroviário. Isso está voltando agora, nas mãos do setor privado.”

“Então tudo isso vai ter que ser feito para gerar as condições de competitividade da indústria brasileira. Não é simplesmente abrir e não fazer nada. Ela tem que ter as condições para competir.”

Maílson diz que muitas pessoas perguntam a ele: “E aí, se vier a crise, o que vai acontecer com as empresas, com as famílias, com a agricultura?” Nesse ponto, ele diz que é muito otimista, porque o Brasil nunca esteve tão preparado, tão resiliente para enfrentar os efeitos dessa crise.

“Nós temos um agronegócio altamente competitivo, gerador de expressivos superávits comerciais. Nós temos a indústria mineral e de petróleo, altamente competitiva também, geradoras de superávit comercial. Nós temos sete das dez melhores universidades da América Latina. Nós deixamos para trás as fontes de crise do passado. Quem acompanha a história da economia brasileira deve se lembrar que as crises vinham de dois fatores: um era uma crise de balanço de pagamentos. O governo se via impossibilitado de pagar suas contas externas, decretava moratória da dívida, o que era um desastre. Ou então, quebra de bancos. Crise bancária, bancos quebrando em cadeia, as empresas vão junto porque o capital de giro desaparece. Isso ficou para trás.”

Ele ainda diz que o sistema financeiro brasileiro é sólido, sofisticado e bem regulado por um regulador de alta qualidade. “O Banco Central do Brasil foi eleito, no ano passado, o melhor banco central do mundo. Nós somos melhores que os americanos na regulação do sistema financeiro.”

“O Brasil tem empresas de classe mundial. O Brasil tem energia 85% renovável, que será uma fonte de atração de investimentos quando a gente der um jeito nesses desequilíbrios fiscais e problemas econômicos que tudo isso causa. E essas empresas de classe mundial que a gente tem, mais do que em qualquer outra época, são empresas de grande capacidade de planejamento, de previsão, de se preparar para a crise. Gestores de alta qualidade, executivos, o pessoal, como um todo, selecionado por critérios muito rigorosos.

Então são empresas que não quebram, tá certo? Elas são bem administradas. São raríssimas que quebram. Então essa crise não vai ter, como no passado, uma grande quebra de empresas, quebra de banco, nada disso. O Brasil vai sofrer, mas as empresas vão sobreviver. E o Brasil terá mais capacidade de enfrentar a crise. Ou seja, o dano de uma crise na atividade econômica, financeira, será menor, a meu ver, do que em qualquer outra época.”

Maílson finaliza dizendo que o Brasil tem que ter um grande objetivo-síntese: ele tem que querer ficar rico. Porque é ficando rico que se reduz a pobreza, melhora-se a qualidade de vida, melhora-se a qualidade dos governos, que elegemos de forma mais adequada os nossos governantes, e assim por diante.

“E, para ficar rico, (…) a gente sabe o que fazer. O que falta é reunir as condições políticas para transformações que são impopulares, mas que são fundamentais para a gente retomar essa trajetória rumo a ser um país rico. Ou seja, vencer a chamada armadilha da renda média, em que a gente está estagnado. (…) A gente precisa de líderes. Porque o líder político é fundamental nesse processo. Ele tem que comprar as ideias. Ele tem que ser favorável às ideias.”

“E se o objetivo for esse, quais são os instrumentos para isso? Aí entra tudo o que a gente conversou aqui: educação, um sistema fiscal sustentável, um processo em que o Banco Central tem a responsabilidade de manter a estabilidade da moeda, inflação sob controle — mas não pode ter o gasto fiscal, do outro lado, fazendo o contrário. Como a gente tem hoje aqui: o Banco Central pisando no freio, e o governo pisando no acelerador.”

“Então eu acho que é isso: eleger o grande objetivo nacional. E eu diria que tem que ter uma cruzada nacional — a cruzada nacional pela produtividade. Saber o que gera produtividade, entender que é ela que vai fazer o país voltar a sonhar, a ser um país rico.”

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!