Alívio para empresas, risco para política fiscal – O Globo
- Na Mídia
- 15/08/2025
- Tendências

Economistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que medidas poderão ajudar os exportadores, mas desequilíbrio das contas públicas preocupa. Compras de arroz após enchentes no RS deram errado, lembra Mendonça de Barros
O pacote de medidas para mitigar os efeitos negativos da sobretaxa dos EUA sobre as exportações do Brasil foi avaliado positivamente por economistas ouvidos pelo GLOBO, mas há algumas preocupações. A principal delas está relacionada às despesas, para os cofres públicos, para custear as ações anunciadas.
Ex-secretário de Política Econômica durante o governo Fernando Henrique (PSDB) e sócio fundador da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros avaliou que as medidas com impacto direto nas contas, como a ampliação do Reintegra – que devolve aos exportadores um percentual das receitas com as vendas no exterior, para garantir o princípio de que as exportações não devem pagar tributos sobre o consumo, não “soam muito bem”.
O GLOBO também entrevistou o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que chama a atenção para a prática que está se tornando comum de excluir gastos das regras fiscais, como vai acontecer com parte do pacote ao exportador.
Pacote de medidas foi suficiente? Como o senhor avalia as medidas?
O tarifaço, do ponto de vista macroeconômico, vai ter um impacto muito modesto na economia do Brasil. Esse consenso é absoluto. É de 0,1 ponto percentual nos próximos dois anos. Então, o efeito macro é nenhum. Porém, em quem foi tarifado em 50% é uma boa pancada que vai provavelmente interromper o fluxo de exportação. Vão sofrer muito.
Esse suporte vai na direção correta. Porque para muita gente, não era só o pedido que estava feito, a empresa aqui já estava produzindo para embarcar. Provavelmente, fez alguma operação com adiantamento de contratos de câmbio que a maior parte dos transportadores usa como capital de giro.
E, de repente, o seu pedido, por causa da tarifa, foi suspenso, cancelado. As empresas exportadoras ficaram vulneráveis financeiramente, porque elas têm um financiamento de capital de giro pela produção que já estava vendida. E, de repente, isso não aparece.
Corremos o risco de o pacote ser prorrogado e o custo ser bem maior que o previsto?
Comparado com outros pacotes, como o de ajuda ao setor de eventos que veio na pandemia e que virou a porteira pela qual até hoje passa a boiada, na exportação, pelo menos, exportador é 100% registrado. Não tem ninguém que vai pegar carona num negócio de exportação não sendo exportador atuando lá.
É uma coisa que para mim faz sentido. Mas os refrescos fiscais (Reintegra), e aí tem um componente de subsídio, com a situação fiscal da União, é uma coisa que não soa muito bem. Já entra na fase de subsídio de suporte. Eles poderiam não ter esse tipo de coisa acontecendo.
Vai ser um gasto totalmente fora da meta fiscal, segundo a declaração do secretário. Por isso, vai ser ruim. O correto seria o custo tributário ser compensado com o corte em outro lugar.
A outra vantagem é que os benefícios nascem com data para terminar. O Reintegra só vale para este ano e o ano que vem. Depois entra a Reforma Tributária.
E as compras governamentais? Elas funcionam?
Os governos do PT têm paixão por compras pelo setor público. Não tenho nenhuma expectativa positiva nesse pedaço. Acho que o governo não é preparado para fazer isso. A compra de arroz na ocasião das enchentes no Rio Grande do Sul foi um fiasco absolutamente fenomenal, porque não tem estrutura, não tem processo, não tem logística, não tem nada mais. Não espero nada, exceto dor de cabeça.
Somando tudo, eu acho que as medidas na área de crédito e do seguro fazem sentido, porque o grande problema para quem está sofrendo com tarifaço é a ponte financeira, porque de repente ficou sem a venda. Isso sim faz sentido. Eu acho que não tem a menor dúvida.
A medida de devolução de impostos claramente é um tipo de subsídio. Aqui seria fundamental, que esse gasto adicional fosse compensado com corte em algum lugar. Nas compras pelo setor público, não espero nada, exceto dor de cabeça. E tem a vantagem de ser por um período limitado e é mais difícil ver empresas pegando carona no programa.
As condições de crédito ainda não foram detalhadas.
Demorou bastante para sair e está muito econômico em detalhes, até onde eu sei. Ainda vai para o Congresso e aí que nós vamos ver se vai aparecer lobby para salvar a pátria (ampliar a ajuda) ou não. Acho que esse é o risco.
O pacote é mais direcionado para pequenas ou grandes empresas?
Os mercados tendem a alocar esses recursos para empresas de melhor balanço, de menor risco. Embora muita empresa média exportadora seja muito bem equilibrada, como o dinheiro vai fluir através do sistema bancário, haverá um certo viés a favor da empresa maior. Só a regra do Reintegra que explicitamente o rebate de imposto é maior, o dobro para pequenas e médias empresas.
Pode-se ter algum ganho com essa situação?
Poderia ser uma oportunidade de aumentar o grau de abertura da economia brasileira através da busca de novos mercados e melhorar a competitividade. Era uma oportunidade de mostrar que a gente seria melhor se tivesse uma economia mais aberta.
O impacto do tarifaço americano foi pequeno porque uma parte relevante das exportações ficou de fora, e também porque exportamos pouco para os Estados Unidos. Representavam 25% em 2010, os últimos dados estão em 12% e vai cair para um dígito. Enquanto que as exportações para a Ásia, não é só a China, não param de aumentar e continuarão a aumentar.
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