A transição verde no país dos juros elevados – InfraNews
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- 21/08/2025
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Países em desenvolvimento enfrentam um desafio estrutural para financiar a transição climática, de acordo com o terceiro relatório do grupo de economistas e especialistas em financiamento climático Independent High-Level Expert Group on Climate Finance (IHLEG).
Por: Arthur Moretão* e Mariana Palandi M. Pacheco**
Países em desenvolvimento enfrentam um desafio estrutural para financiar a transição climática. De acordo com o terceiro relatório do grupo de economistas e especialistas em financiamento climático Independent High-Level Expert Group on Climate Finance (IHLEG), intitulado “Raising ambition and accelerating delivery of climate finance”, os países em desenvolvimento (exceto China) precisarão de cerca de US$ 2,7 trilhões por ano até 2030 para alcançar suas metas climáticas, sendo aproximadamente US$ 1,3 trilhão proveniente de capital estrangeiro.
Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (World Investment Report 2023), apenas 14% do financiamento climático nesses países é oriundo do setor privado, em contraste com 81% nos países desenvolvidos. Essa diferença reflete não apenas o menor apetite por risco nos mercados emergentes, mas também o custo estruturalmente mais alto do capital e a escassez de mecanismos de mitigação de risco adequados.
De acordo com o Banco Mundial (Scaling Up Private Climate Finance, 2023), o custo médio do capital climático em países em desenvolvimento pode ser de cinco a sete vezes superior ao observado em economias avançadas. Isso se explica, entre outros fatores, pela necessidade de prêmios de risco mais altos, pela ausência de instrumentos locais de hedge e pelo papel limitado de bancos multilaterais de desenvolvimento.
O Brasil representa bem essa situação. Com taxa Selic de 15% ao ano e um histórico recente de volatilidade fiscal e regulatória, o custo de capital para projetos de longo prazo, inclusive os voltados à sustentabilidade, é elevado no país.
Para reduzir a percepção de risco e atrair investimentos privados para projetos sustentáveis, no contexto do programa Eco Invest Brasil, o Governo Federal adotou a estratégia de utilizar uma série de instrumentos financeiros, como o blended finance.
Usando esse mecanismo, o governo aporta recursos públicos como garantia ou subsídio, enquanto o restante dos recursos para investimentos vem da iniciativa privada. Outros mecanismos, como proteção de liquidez, derivativos cambiais e apoio no financiamento de estudos técnicos para estruturação dos projetos, também foram incorporados à estratégia.
No primeiro leilão do programa, em outubro de 2024, o governo aportou R$ 7 bilhões, o que permitiu mobilizar R$ 45 bilhões de capital privado, ilustrando o potencial do modelo para destravar investimentos verdes em ambientes de alto risco. Já o segundo leilão, anunciado em abril de 2025, pretende atrair R$ 10 bilhões em recursos privados.
Apesar de eficazes, esses instrumentos são custosos para o Estado e insuficientes frente à escala necessária. A meta de descarbonização brasileira, segundo a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no contexto do Acordo de Paris, demanda cerca de R$ 60 bilhões por ano para investimentos na transição climática, totalizando R$ 300 bilhões até 2030. Isso coloca os leilões do Eco Invest em um patamar ainda distante do requerido, haja vista que os valores dos dois leilões, quando somados, representam apenas um quinto da necessidade de recursos estimada para cumprir as metas brasileiras.
Assim observa-se que, apesar de programas como o Eco Invest Brasil serem fundamentais para destravar o financiamento verde em países de renda média com elevada percepção de risco – ao oferecerem soluções que mobilizam capital externo, eles alinham incentivos e reduzem barreiras de entrada em setores estratégicos para a transição ecológica –, é preciso reconhecer que, em uma economia marcada por juros altos, instabilidade regulatória e fragilidade fiscal, o custo de atrair capital, verde ou não, continuará sendo elevado.
A sustentabilidade climática depende, em igual medida, de instrumentos financeiros inovadores e de uma política macroeconômica que ofereça previsibilidade e inspire confiança. Quando os riscos se originam das próprias ações do Estado, não há derivativo cambial capaz de oferecer proteção suficiente. Sustentabilidade exige equilíbrio real entre as dimensões econômica, social e ambiental.
*Arthur Moretão é administrador e consultor da Tendências Consultoria.
**Mariana Palandi M. Pacheco é economista e consultora da Tendências Consultoria.
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