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A Reforma Tributária brasileira e seus impactos no comércio exterior

Por: Guilherme Venturini Floresti e Mário Nazzari Westrup, consultores da Tendências Consultoria

Historicamente o Brasil adotou elevadas tarifas de importação como mecanismo para proteger o seu parque industrial. Essa política, alinhada ao modelo de substituição de importações que orientou o desenvolvimento econômico brasileiro durante grande parte do século XX, persiste até os dias atuais, mesmo depois da abertura comercial iniciada na década de 1990 e de alguns momentos de menor embate na defesa comercial, como aquele observado após a consolidação das análises de interesse público para relaxamento de medidas antidumping a partir de 2017.

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Dentre as principais justificativas para a manutenção dessas barreiras está a elevada carga tributária que recai sobre a indústria nacional. Os produtos fabricados no Brasil carregam o peso de múltiplos tributos cumulativos ao longo da cadeia, o que encarece sua versão final e reduz a competitividade frente aos importados (os quais, por sua vez, muitas vezes são originários de países com sistemas tributários mais eficientes e que não exportam tributos).

Além da carga elevada, dois outros fatores agravam esse cenário: a complexidade na apuração destes tributos e a alta litigiosidade fiscal. O atual sistema tributário brasileiro é reconhecido internacionalmente por sua complexidade, com diferentes tributos incidindo sobre a mesma base, regras que variam entre estados, constantes alterações normativas e inúmeras dificuldades para o reconhecimento e a utilização de créditos, de modo que os contribuintes industriais não raramente sejam os maiores litigantes na esfera fiscal.

A Reforma Tributária, aprovada por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 e pelo Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, representa uma profunda transformação nesse cenário. A implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirão cinco tributos atuais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), promete resolver diversos problemas estruturais do sistema tributário brasileiro.

Os impactos esperados dessa reforma são substanciais e majoritariamente positivos para a indústria:

  • Redução significativa da carga tributária sobre a indústria nacional: Diversos estudos, como aquele publicado em julho de 2023 pelo Ipea, indicam que a indústria nacional, por ter a maior carga tributária efetiva, será a maior beneficiada com a Reforma Tributária;
  • Simplificação na Arrecadação: Com a adoção do sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), elimina-se a cumulatividade tributária e reduz-se drasticamente o número de obrigações acessórias. A previsão é que o tempo gasto com essas obrigações possa ser reduzido em até 60%, aproximando o Brasil dos padrões internacionais;
  • Diminuição do Contencioso Tributário: A uniformização de regras em âmbito nacional, a simplificação do sistema e a maior segurança jurídica tendem a reduzir as disputas judiciais e administrativas, liberando recursos hoje imobilizados em litígios e diminuindo custos operacionais das empresas.

A transformação desse cenário tributário, que por tanto tempo serviu como um dos elementos de justificativa para a estrutura tarifária atual, naturalmente suscita reflexões sobre o equilíbrio adequado para as tarifas de importação nesse novo contexto. Em um ambiente no qual a indústria nacional passa a operar com configuração tributária distinta, sistema simplificado e menor litigiosidade, é natural que se busque um reequilíbrio do sistema como um todo.

Este cenário demandará um rebalanceamento das tarifas aplicáveis, que poderá ocorrer por diferentes vias complementares, tais como:

  • Rebalanceamento das alíquotas do imposto de importação;
  • Reavaliação dos parâmetros das medidas de defesa comercial, como medidas antidumping e compensatórias, que incorporam indiretamente considerações sobre a configuração tributária nacional;
  • Aprimoramento dos mecanismos de análise de interesse público nos processos de defesa comercial, visando captar o novo equilíbrio geral.

A concretização desse rebalanceamento, entretanto, envolve questões complexas, como o próprio cronograma de implementação da Reforma Tributária (que contará com transição gradual até 2033) e questões diplomáticas envolvidas, especialmente no âmbito do Mercosul e a definição da Tarifa Externa Comum (TEC).

A Reforma Tributária brasileira representa não apenas uma transformação no sistema de arrecadação doméstico, mas também um potencial marco para a reavaliação da política comercial do país. À medida que a indústria nacional se integra ao novo sistema tributário, com configuração de carga distinta, simplificação e maior segurança jurídica, abre-se espaço para uma recalibração do equilíbrio tarifário historicamente adotado pelo Brasil.

Em suma, a Reforma Tributária, ao endereçar gargalos históricos do sistema tributário brasileiro, abre um novo horizonte para a política comercial do país. Os mecanismos de proteção e desenvolvimento industrial antes calibrados considerando as distorções do antigo sistema precisarão ser revistos à luz das novas condições competitivas da indústria brasileira.

Leia também: Os créditos tributários na transição da Reforma Tributária e o potencial para operações de fusões e aquisições