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A difícil (ou impossível) reindustrialização de Trump – O Globo

Os EUA têm crescido mais que outras nações ricas, em grande parte porque são superavitários no comércio mundial de serviços

Por Maílson da Nóbrega*

O objetivo do tarifaço de Donald Trump é “tornar a América grande novamente”. O instrumento são as tarifas, que atrairiam fábricas ao território americano. Isso permitiria uma reindustrialização “linda”, “maravilhosa”, “fantástica”, decorrente da transferência de unidades fabris da Ásia, especialmente da China. Os Estados Unidos viveriam uma nova “era de ouro”. É difícil acreditar nesse sonho.

A economia americana se caracteriza por um estágio avançado de desenvolvimento, impulsionado pelas transformações estruturais do Pós-Guerra. Os serviços são o motor do crescimento, representando 90% do PIB. A indústria representa 8%; a agricultura, 2%. Não por acaso, o país é sede da grande maioria das empresas de tecnologia. A indústria se concentra em áreas intensivas em capital e tecnologia, como produção de aviões, helicópteros, turbinas de aviação, sofisticados equipamentos médicos e semelhantes.

É mais interessante, assim, importar itens produzidos de modo mais barato noutros países, reduzindo o custo do consumo das famílias. Liberam-se recursos para poupar ou para elevar o bem-estar, incluindo férias no exterior. O melhor exemplo dessa realidade é o iPhone, totalmente produzido fora do país, montado na China e na Índia. O aparelho custa menos da metade do que se fosse produzido nos Estados Unidos. Pelo projeto de Trump, a Apple desativaria suas fábricas na Ásia e as transferiria ao território americano. Pouco provável.

Para começar, por que a Apple optaria por fabricar lá um bem cujo preço seria mais que o dobro do pago por consumidores americanos? Ou o triplo, se as tarifas forem mantidas? A construção de uma unidade fabril pressupõe o estudo de um conjunto de fatores, como disponibilidade de mão de obra qualificada, melhor local, logística, financiamento e assim por diante. Calcula-se que isso pode levar entre cinco e dez anos.

Suponha que a Apple, ávida por agradar a Trump, resolva promover tal migração. Quando a unidade estivesse pronta, Trump teria completado o mandato de quatro anos ou teria saído antes se viesse a ser condenado em processo de impeachment. O irresponsável tarifaço poderia ter sido revogado por um governo democrata, que primaria por restabelecer a racionalidade na política econômica e por restaurar a confiança perdida com as loucuras do presidente. A Apple se veria, então, obrigada a retornar a fábrica para a Ásia. Os custos da má estratégia seriam imensos. Dificilmente isso aconteceria.

Por volta do fim da Segunda Guerra, a indústria americana equivalia a 40% da produção manufatureira mundial. No ano passado, respondia por pouco mais de 10%. Por ser mais conveniente comprar no exterior produtos mais baratos, os Estados Unidos importam US$ 1,2 trilhão de mercadorias a mais do que exportam. Mesmo assim, têm crescido mais que outras nações ricas, em grande parte porque são superavitários no comércio mundial de serviços.

Está implícita, na reindustrialização de Trump, uma transferência maciça de trabalhadores dos serviços à indústria, como efeito da mudança de unidades da Ásia para a América e da atração de empresas de outras regiões, que, estimuladas pelas altas tarifas, criariam fábricas nos Estados Unidos. Será? Empresários que desejam produzir em território americano relatam a escassez de soldadores, eletricistas e operadores de máquinas. Haveria elevação dos salários, que já são relativamente altos. Segundo a revista The Economist, os custos salariais americanos já são duas vezes os da China e seis vezes os do Vietnã. Assim, o sonho da reindustrialização não parece viável.

*Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria

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