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‘A classe política não aprendeu nada’, diz Maílson, ao comentar aprovação de pauta-bomba pelo Senado – Estadão

‘Não há incentivos no Congresso para responsabilidade fiscal porque os parlamentares não são responsabilizados por suas irresponsabilidades’, afirma o ex-ministro da Fazenda

A aprovação do projeto de lei que cria aposentadoria para agentes de saúde, nesta terça-feira, 25, pelo plenário do Senado, é “uma violência aos princípios básicos da Constituição Federal, que não abriga mecanismos para aumento de salários”, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda.

Uma “pauta-bomba” para as contas públicas, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 185 de 2024, que regulamenta as aposentadorias de agentes comunitários de saúde (ACS) e agentes de combate a endemias (ACE), foi aprovado por 57 votos a zero, o que, para Maílson, configura uma irresponsabilidade dos senadores. O texto segue agora para análise da Câmara dos Deputados.

“Não há incentivos no Congresso para responsabilidade fiscal porque os parlamentares não são responsabilizados por suas irresponsabilidades. A culpa sempre vai cair na conta do governo da vez”, criticou o ex-ministro, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Para ele, o governo tem de usar todos os recursos legais disponíveis para reverter o projeto, se aprovado pela Câmara, mesmo que perca.

Pelos cálculos da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o impacto atuarial da medida (ao longo de 70 a 100 anos) pode chegar a R$ 103 bilhões, agravando o déficit dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

De acordo com Maílson, essas coisas acontecem porque “o Congresso descobriu, ou se deu conta, de que pode evitar veto a medidas irresponsáveis”.

“Isso está acontecendo com maior frequência. Por exemplo, o direito de empregada doméstica, por mais que seja justificado, não tem de estar na Constituição. Isso é objeto de uma lei ordinária. Mas por quê? Porque na Constituição não tem veto. Na Constituição, uma mudança é promulgada pelo presidente do Congresso, que no caso é o (Davi) Alcolumbre”, observou o ex-ministro.

Maílson reforça que em nenhum país sério do mundo a fixação de salários e princípios financeiros são podem ser objetos de alteração constitucional. “A Constituição não é para isso. O que o Senado fez hoje é uma violência aos princípios que regem as regras da Constituição Federal”, indignou-se o ex-ministro da Fazenda.

“Essa coisa é de uma irresponsabilidade que você imagina. Por exemplo, a maioria, senão todos os beneficiados com essa medida, entrou no serviço público sem concurso. Entraram pelas portas dos fundos. E mais, com aposentadorias generosas que não são aplicadas ou usufruídas pela maioria da sociedade. Eles têm uma redução, o número de anos para aposentadoria menor que 60 anos”, disse.

Outro ponto que revolta o ex-ministro nesta questão é que “o relator chegou ao desplante de dizer que os Estados não teriam de se preocupar com os municípios porque quem vai pagar a conta é a União. Ou seja, é irresponsabilidade em alto grau”, diz. E essa, de acordo com Maílson, é uma realidade que está se espalhando no Congresso e que compromete o futuro do País.

“Hoje mesmo está circulando uma proposta de mudança constitucional para aumentar a transferência de recursos dos Fundos de Participação dos Estados e municípios para 53,5% da arrecadação do Imposto de Renda e 63,5% do IPI. Para ter uma ideia, quando a Constituição foi aprovada, esse porcentual era 20% em relação ao aprovado. Eles aumentaram para 47%, porque criaram uma vinculação de 3% para fundos regionais e desenvolvimento. Então, de lá para cá, os prefeitos se deram conta de que isso é uma mina de ouro. Então, de tempos em tempos, eles se mobilizam na marcha dos prefeitos, vão para Brasília e sempre encontram o senador ou o deputado para apresentar um projeto para aumentar o fundo de participação”, disse.

“Cada vez mais fica claro que nós estamos contratando uma crise fiscal que pode se transformar em uma crise financeira de proporções catastróficas porque em 2027, segundo estudos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e do Ministério do Planejamento, não vai ter mais espaço para gasto discricionário. Tudo vai ser ocupado com gasto obrigatório. E nesse momento não tem saída. Porque essa reforma não vai acontecer na noite do dia”, previu Maílson.

De acordo com ele, isso não for revisto, se as metas não forem mudadas, os juros futuros vão disparar, o dólar vai aumentar, vai ser criar um ambiente de incerteza muito grande e o resultado disso será o aumento da Selic. “Ou seja, a classe política brasileira, com honrosas exceções, não aprendeu nada. E não entende o princípio rudimentar de economia que é a restrição ao salarial. Não se pode gastar mais do que se tem. A não ser por um endividamento responsável. Esse conceito não existe na classe política brasileira. Eles acham que pode aumentar mais despesa, pode aumentar fundo de participação, pode fazer a festa que for, que não vai acontecer nada”, disparou o ex-ministro.

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