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Intervenção em contratos privados: riscos para a segurança jurídica e o custo Brasil – Estadão

Pressões por maior eficiência e repasse de vantagens ao consumidor são legítimas, mas o ideal é perseguir essas metas respeitando a autonomia contratual e promovendo competição saudável

Por Maílson da Nóbrega*

Nas últimas décadas, o Brasil avançou na construção de um ambiente institucional que valoriza a segurança jurídica, a liberdade contratual e a previsibilidade das regras do jogo. Esses pilares são essenciais para atrair investimentos e para uma economia mais competitiva e eficiente. No entanto, propostas recentes de intervenção estatal no setor de benefícios ao trabalhador — como tabelamento de prazos de repasse e limites para taxas — acendem um alerta sobre riscos de retrocesso, potencializando o chamado custo Brasil.

É fundamental reconhecer que o setor de benefícios ao trabalhador, especialmente no Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT), foi estruturado ao longo de quase 50 anos de ajustes entre empregadores, operadoras e estabelecimentos comerciais. São relações que envolvem cadeias negociais complexas, diferentes modelos de negócios (pré-pago, pós-pago), requisitos regulatórios e controles antifraude. A liberdade para negociar condições contratuais tem sido central para garantir eficiência e estimular a competição saudável.

O recente debate sobre a imposição de prazos máximos para repasse de valores aos estabelecimentos credenciados evidencia as preocupações com intervenções sem análise aprofundada de custo-benefício. Atualmente, esse repasse se dá em até 30 dias, viabilizando não só o fluxo financeiro das empresas, mas também curadoria e fiscalização — como análise de padrões suspeitos e descredenciamento de estabelecimentos irregulares. A redução abrupta desse prazo ameaça esses controles e pode permitir pagamentos antes da detecção de fraudes, dificultando a recuperação de valores e estimulando desvios no uso dos benefícios.

Além disso, cerca de metade do volume do PAT provém de contratos com entes públicos, em modelos pós-pagos, em que o pagamento é feito após o fornecimento do benefício. A imposição de prazos rígidos agrava o desequilíbrio de caixa, afetando principalmente operadoras mais expostas ao setor público. Empresas menores e menos capitalizadas tendem a ser mais afetadas, aumentando barreiras e favorecendo concentração. Esse descasamento se intensifica com a obrigação de manter atendimento a órgãos públicos até 60 dias, mesmo inadimplentes; na prática, a facilitadora pode manter o serviço por até 90 dias sem receber, elevando o risco, em especial para as menores.

Do ponto de vista do consumidor, argumentos favoráveis à limitação das taxas partem do pressuposto de que a diferença seria automaticamente repassada ao preço final das refeições. No entanto, a literatura econômica sobre preços e competição mostra que tal repasse costuma ser limitado e incerto, sobretudo em mercados competitivos. No contexto dos vales-alimentação e refeição, o ganho potencial ao consumidor deve permanecer limitado, de forma a não compensar os custos operacionais adicionais e a complexidade de adaptação dos estabelecimentos.

Medidas que elevam custos fixos ou limitam receitas tendem a penalizar mais intensamente as empresas menores, dificultando sua permanência ou entrada. O resultado pode ser menos diversidade, menor capilaridade da rede e ambiente menos competitivo. O desafio regulatório é preservar a pluralidade de operadores e evitar efeitos adversos à concorrência, considerando o efetivo custo-benefício de uma eventual intervenção.

Além disso, iniciativas dessa natureza afetam a previsibilidade dos negócios e podem ser entendidas como abalo à segurança jurídica, elemento central para investimentos. A experiência internacional mostra que arranjos contratuais flexíveis permitem adaptações benéficas, especialmente em setores sujeitos a transformação tecnológica e regulatória.

Pressões por maior eficiência e repasse de vantagens ao consumidor são legítimas, mas o ideal é perseguir essas metas respeitando a autonomia contratual e promovendo competição saudável, em vez de tabelamentos e controles que tendem a trazer mais dúvidas do que resultados efetivos.

O aperfeiçoamento do setor exige regulação sensível à complexidade dos arranjos, respeito ao histórico de autorregulação e compromisso com a concorrência. Intervenções abruptas e generalizadas, ainda que motivadas por boas intenções, podem resultar em efeitos negativos, como aumento do custo Brasil, insegurança jurídica e redução na qualidade dos serviços oferecidos.

Melhorias no PAT e nos benefícios ao trabalhador exigem visão de longo prazo, respeito ao pluralismo de modelos e diálogo efetivo. O desafio é gerar ganhos sociais sem sufocar iniciativas privadas — equilíbrio vital ao desenvolvimento sustentável.

Em ambientes regulados, a virtude está no equilíbrio entre interesse público e respeito às dinâmicas setoriais. Para consolidar o Brasil como economia moderna e confiável, é fundamental que o debate sobre contratos privados se paute por diagnósticos realistas, análise de impactos e respeito ao ambiente de negócios.

*Maílson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria

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