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Decisões judiciais com base no Código de Defesa do Consumidor causam embaraço a loteadores – Estadão

Juristas dizem que texto ruim de Lei do Distrato leva a Justiça a acolher regra do Código de Defesa do Consumidor

Há poucas semanas, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente o recurso especial de uma pessoa que comprou um imóvel e desistiu do negócio ao perceber que não conseguiria pagar as parcelas. Esse consumidor pedia na Justiça que as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevalecessem sobre as da Lei do Distrato (Lei 6.766/1979) para poder ter a devolução de 90% dos valores pagos. O STJ, porém, determinou que a empresa vendedora fique com um total limitado a 25% do que foi pago.

No Brasil, existem duas legislações que tratam do assunto: a Lei do Distrato, criada em 2018, e o CDC, de 1990. Antes da criação da Lei do Distrato, não havia regras claras sobre como proceder nesses casos. Cada caso ia para a Justiça para que o valor a ser devolvido fosse especificado. A Lei do Distrato prevê que, em caso de desistência de compra de um imóvel ou terreno, a empresa pode devolver no máximo até o limite de 25% a 50% da quantia paga, conforme o caso, até aquele momento pelo então comprador.

A metade que ficaria com a companhia se justifica para compensar o tempo em que o imóvel não pode ser comercializado de outra forma, além de custos e investimentos como infraestrutura de água, luz, calçamento, asfalto e outros.

O problema é que, em vários tribunais de todo o País, esse limite tem caído, uma vez que os magistrados têm priorizado o que diz o CDC. E os consumidores conseguem, assim, ter até 90% do que pagaram de volta. Esse foi o tema central do painel O Setor de Loteamentos como o Maior Produtor de Cidades Formais e a Segurança Jurídica no Financiamento à Produção e Comercialização de Lotes Urbanizados, realizado durante o Fórum Estadão Loteamento Urbano e Segurança Jurídica, realizado na segunda-feira, 6, em São Paulo.

A redação da Lei do Distrato pode ser um dos motivos para que a Justiça tenha adotado o CDC em suas decisões, disse o desembargador Francisco Eduardo Loureiro, corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo.

“Essa lei (do Distrado) teve uma das piores redações que já vi, profundamente deficiente. O projeto original da lei era absolutamente técnico, mas, ao longo do processo legislativo, essa tecnicidade se perdeu e a lei virou uma colcha de retalhos”, analisou o jurista no evento. “A lei estabelece termos máximos de multa. O ideal é que a lei tivesse estabelecido o preço do descontinuamento, mas ela não fez isso. Estipulou multas de ‘até’ determinado porcentual. Aí os tribunais passaram a interpretar esse ‘até’. É por isso que os tribunais têm julgado que a multa pode ser reduzida, e deve ser reduzida, se ela for desproporcional ao prejuízo sofrido pelo empreendedor”, diz o desembargador.

Em discussões nos tribunais, os juristas lembram que, conforme o Código Civil, o juiz deve reduzir a multa para o consumidor. “(Isso ocorre) Para evitar que o contratante torça pelo descumprimento do contrato. Quando o contrato é terminado por descumprimento, a ideia é que as partes voltem ao estado anterior”, disse Loureiro.

Entender isso é muito importante, afirmou o desembargador Jeronymo Pedro Villas Boas, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). “Quem tem a prática dos tribunais sabe: isso é construído dia a dia, não só nos julgamentos, mas no diálogo entre os juízes, na elaboração da sua convicção, entendendo diversos casos que chegam para, por fim, fixar no entendimento o que pode ou não ser simulado”, disse o especialista.

Impacto financeiro

Isso tem afetado financeiramente o setor de loteamentos como um todo e, consequentemente, muitas companhias estão deixando de trabalhar com lotes, segundo Caio Carmona Cesar Portugal, presidente da Associação das Empresas de Loteamento Urbano (Aelo). “Quem compra um carro financiado e não consegue pagar devolve o veículo para a concessionária e pronto? Não. Você vai ao mercado. Se o carro vale R$ 30 mil e você está devendo 20 mil, te pagam a diferença de R$ 10 mil e pronto. É isso que a Lei do Distrato trouxe. Mas quando somos obrigados a devolver mais do que diz a lei. A partir do momento que o Judiciário me obriga a devolver 80%, 90%, até 100% do que um cliente pagou, isso descapitaliza a loteadora. Adiciona-se mais risco para a operação e os terrenos ficam mais caros”, explica Portugal.

O problema é que a situação afeta a saúde financeira do setor, resumiu Luis Paulo Germanos, sócio do escritório Germanos Advogados Associados. “Se o Judiciário permite que o adquirente pegue o dinheiro de volta, na Justiça, no meio do financiamento, o loteador vai ter que mobilizar – guardar – aquele capital, porque a qualquer momento ele pode ser chamado a devolver. Isso impacta a indústria do loteamento como um todo, encarece o preço final”, declarou.

Como resolver

O debate do tema ainda vai dar muito pano para manga, segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Ainda teremos lugar para essa discussão dentro das cortes e — principalmente do Supremo Tribunal de Justiça, o STJ — talvez até no âmbito do Supremo Federal”, afirmou o jurista. Até lá, as cortes continuarão recebendo mais e mais processos de revisão de valor de multas e devoluções. “Esse, inclusive, é um problema que vem sobrecarregando substancialmente os tribunais e que não precisaria estar acontecendo se a lei fosse clara”, finalizou o desembargador Francisco Eduardo Loureiro.

No primeiro trimestre deste ano, as vendas de lotes cresceram 15% enquanto o número de loteamentos no mercado caiu 4%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os números foram levantados pela Brain Company e apresentados por Robinson Silva, gerente sênior da Tendências Consultoria. “Na prática, se a venda cresce e a oferta diminui, isso quer dizer que esse é um setor que está encarecendo e encolhendo”, explicou Silva. Esse é o maior temor da Aelo e o motivo para a desaceleração desta atividade econômica, segundo a entidade, é a judicialização dos casos de rompimentos de contrato que obrigam as empresas a devolver a maior parte do dinheiro pago aos clientes.

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