A conta da incerteza – O Globo
- Na Mídia
- 20/08/2025
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Tarifaço de Trump contra o Brasil e taxas a parceiros comerciais freiam crescimento global
Duas semanas depois da entrada em vigor do tarifaço de Donald Trump de 50% a produtos brasileiros e da profusão de sobretaxas contra outros parceiros comerciais dos Estados Unidos, o cenário que se delineia para a economia global é de mais incerteza e menos crescimento.
Economistas tentam incorporar em suas projeções o custo do protecionismo do atual ocupante da Casa Branca, mas há ainda fatores mais difíceis de mensurar, como a deterioração no relacionamento com Washington, que ganhou novos elementos com os desdobramentos da Lei Magnitsky, ingrediente que trouxe mais incerteza ao mercado financeiro.
Os sinais de pé no freio se multiplicam. Nesta semana, o IBC-Br, índice que funciona como uma prévia do PIB brasileiro, mostrou queda de 0,1% em junho na comparação com o mês anterior. Embora no primeiro semestre o indicador acumule alta de 1,8%, a maior parte do avanço foi registrada no primeiro trimestre.
Essa perda de fôlego não se restringe ao Brasil. O Banco Mundial reduziu, em junho, a previsão do crescimento global em 2025 por causa das tarifas americanas em 0,4 ponto percentual, de 2,7% para 2,3%. É a menor previsão do ritmo de expansão em 17 anos, excluindo as recessões de 2009, por conta da crise americana, e da pandemia, em 2020.
Segundo o Banco, mercados emergentes como um todo devem registrar média de avanço de 3,8%, ante 4,1% da previsão anterior à imposição do tarifaço.
Compasso de espera
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também já fez um alerta sobre como o baixo patamar de investimento feito pelas empresas deve minar o crescimento econômico global.
O investimento líquido nas economias avançadas caiu de 2,5% para 1,6% do PIB na mediana dos países desde a crise de 2008, e muitos ainda não conseguiram se recuperar dos choques acumulados desde então.
Segundo a entidade, a incerteza política “generalizada” pesa como um dos principais entraves, com empresas sendo impactadas por turbulências sucessivas nos últimos anos. A implementação caótica das tarifas por Trump acrescentou mais um motivo para que decisões importantes de investimento fiquem em compasso de espera, afirmou a OCDE.
O FMI espera crescimento global de 3% este ano. Uma desaceleração em relação aos 3,3% de 2024 e à média de 3,7% antes da pandemia.
Embora os últimos dias tenham sido marcados por tentativas de calcular o impacto do tarifaço contra o Brasil em si, economistas ponderam que o efeito de um ambiente marcado por barreiras ao comércio tende a ser ainda mais forte. A economia brasileira é considerada relativamente fechada. Além disso, Trump instituiu uma lista de 694 exceções ao tarifaço. Ainda assim, haverá impacto setorial e regional.
— Indiretamente, (o efeito virá) via menor crescimento mundial. (…) Além das tarifas, há impactos relacionados à maior incerteza. São elementos que contribuirão para uma desaceleração global neste e no próximo ano — afirma Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, que calcula expansão do PIB global próxima de 3% neste ano e em 2026.
Impacto no empresariado
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, avalia que o tarifaço imposto por Trump pressiona o quadro que já era de perda de fôlego do crescimento global, considerando que há em curso uma desaceleração estrutural na China, com esgotamento de mão de obra e crise imobiliária, e uma estagnação na Alemanha, diante da perda de competitividade dos produtores alemães.
O vaivém de Trump em relação às tarifas comerciais é, na visão de economistas, um verdadeiro furacão que impede previsões certeiras sobre o futuro, requisito importante para a tomada de decisões em todos os cantos do mundo.
No começo do mês, após a divulgação de dados fracos do mercado de trabalho, Trump demitiu a chefe da Secretaria de Estatísticas do Trabalho (BLS, na sigla em inglês), afirmando, sem qualquer prova, que os dados eram manipulados.
— Quem pensa em produzir com insumos brasileiros (nos EUA) não sabe como vai ser no dia seguinte. Isso traz um grau de incerteza para a economia americana e pode ser a razão do que está acontecendo com os números do emprego — afirma José Scheinkman, professor da Universidade de Columbia. — Esse tipo de incerteza afeta os empresários no mundo inteiro, aqueles que têm alguma ligação com os EUA, e mesmo aqueles que não têm. A incerteza não é amiga do crescimento do PIB.
No mês passado, a Moody’s também revisou para baixo a perspectiva de crescimento de todos os países diante das incertezas comerciais. Segundo a agência de classificação de risco, a nova política americana afeta condições de crédito, podendo causar “volatilidade e mudanças abruptas” no cenário.
A alteração nas relações comerciais, disse a agência, vai reverberar numa desaceleração mais branda, porém mais prolongada do que o impacto da Covid-19. “Uma mudança fundamental e duradoura nas relações comerciais, custos e fluxos pode desafiar os modelos de negócios ao longo do tempo”, diz trecho do relatório.
A tentativa de Trump de robustecer a indústria americana e desvalorizar o dólar pode, na visão dos analistas, acabar provocando um cenário contrário do pretendido.
— A tarifa, antes de tudo, deixa tudo mais caro. Ela pode ser vista com poucos cuidados como uma taxa, um imposto. Bens e serviços param de ser competitivos e param de ser produzidos — afirma Eduardo Grübler, gerente de portfólio da Warren Investimentos.
O tarifaço também colocou à prova, num primeiro momento, o dólar como referência mundial de reserva de valor. Num cenário de incerteza e volatilidade, o consenso entre analistas é que o tarifaço americano pressiona países emergentes, que dependem de capital estrangeiro e sentem primeiro os efeitos dos juros altos lá fora, e freia o crescimento global.
— Seja pelo canal financeiro ou pelo comércio, é um mundo que cresce menos. Esse é o final da história, ainda que os dados (das economias) estejam “poluídos” por estímulos de curto prazo (concedidos pelos governos) — conclui Padovani.
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