‘Shutdown’: Impasse entre governo Lula e Congresso fará Brasil viver ‘quadro dramático’ em 2027 – UOL
- Na Mídia
- 01/07/2025
- Tendências

Em entrevista ao Mercado Aberto, do UOL, a sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências, Alessandra Ribeiro, fala sobre as perspectivas para os mercados e a política no Brasil.
IOF
Ao ser perguntada se o governo federal não contar com a receita do IOF, há um risco de shutdown da máquina pública em breve, Alessandra diz que o que nós temos, caso não haja uma solução para essa questão do IOF, é que o governo, em princípio, tenha que contingenciar e bloquear para buscar as metas. Mas o problema é que o nível de bloqueios e contingenciamentos seria muito expressivo, recaindo sobre despesas discricionárias, que já estão bastante limitadas e afetam o funcionamento de vários órgãos públicos — com risco ainda maior em 2026.
Ela pontua, entretanto, que o quadro dramático, sem sombra de dúvida, é 2027. Já há vários estudos, inclusive de analistas relacionados ao Senado, que evidenciam que as despesas discricionárias estarão praticamente ausentes em 2027. Não haverá espaço para esse tipo de gasto devido ao crescimento muito acelerado das despesas obrigatórias. E isso significa um shutdown.
Alessandra acredita que o risco realmente grande de shutdown é em 2027, mas em 2026, caso não se encontre uma solução para o cumprimento da meta, já teremos uma limitação grande, com repercussões para os serviços públicos. É uma situação muito delicada do ponto de vista das finanças públicas.
“Vemos um governo sem espaço para manobra. Ele claramente optou por um modelo de aumento de despesas, a ser financiado com aumento da arrecadação. E agora a gente vê dificuldades grandes. O governo até conseguiu bastante coisa em 2023 e 2024, o que ajudou a arrecadação, mas não o suficiente para financiar esse aumento dos gastos públicos. Com essa situação política extremamente tensa que a gente observa no Congresso, o governo terá muita dificuldade para achar fontes adicionais de receita.
Então, ou temos esses bloqueios e contingenciamentos pesados, com todas as repercussões ou temos uma alteração das metas a serem perseguidas, o que teria um efeito muito ruim para os mercados financeiros.
Cenário futuro
Sobre quais instrumentos o governo tem para aumentar a receita, ainda que de forma circunstancial, e sobreviver até o final do ano que vem, Alessandra diz que há algumas medidas que o governo pode utilizar para tentar ganhar um fôlego e sobreviver até 2026 — como dividendos de empresas estatais e o fundo relacionado ao petróleo (pré-sal), que pode ajudar bastante. Essas são medidas que podem gerar arrecadação — e os volumes não são pequenos, são importantes.
“Mas é isso: dá uma folguinha para o governo. Ainda assim, a meta é de difícil execução, na nossa avaliação. Olhando para 2026 ainda, nossas projeções apontam para um resultado primário negativo de 0,3% do PIB, no âmbito do arcabouço fiscal em 2026, mesmo contando com algum fôlego vindo dessas receitas. (…) Em 2027, o regime fiscal terá que ser repensado. Ele não para em pé do jeito que está, com essa regra que se tem do lado dos gastos e esse esmagamento das despesas discricionárias.”
Alessandra pontua que, seja qual for o governo em 2027 — reeleição ou novo mandato — ele vai ter que lidar com essa situação, ajustando o lado das despesas. Por ora, há medidas que podem dar algum fôlego, mas mesmo assim vemos o cumprimento da meta atual para 2026 como muito difícil.
Qualquer que seja o governo, ele terá que lidar com as despesas obrigatórias, enfrentar o crescimento dos gastos previdenciários, de programas sociais como o BPC e dos mínimos constitucionais de Saúde e Educação, que voltaram a vigorar com o fim do antigo teto de gastos. Essas medidas são politicamente muito sensíveis, mas o crescimento dessas despesas está esmagando o espaço para outras, como o custeio da máquina pública.
Ou seja, ficamos com praticamente 100% das despesas primárias comprometidas, sem nenhuma margem de manobra para outro tipo de gasto, muito menos para investimento público.
Alessandra reforça que não há alternativa. Essas matérias, por mais difíceis que sejam, terão que ser endereçadas. E quando falamos de Previdência e benefícios sociais como o BPC, por exemplo, sabemos que a regra do salário mínimo é determinante. Quando se aumenta o salário mínimo em termos reais, todos esses gastos são puxados para cima.
Gastos públicos
Alessandra diz que o Executivo tem sua parcela de responsabilidade no aumento dos gastos públicos, sem dúvida. Com a PEC da Transição, da virada de 2022 para 2023, e mesmo com o arcabouço fiscal permitindo crescimento real das despesas, o Executivo contribuiu. Mas o Legislativo também tem uma parcela relevante e crescente.
Foi isso que o estudo da Tendências feito para O Globo mostrou: só neste ano estamos falando de mais de R$ 100 bilhões, e, no ano que vem, mais de R$ 120 bilhões, com todas as medidas aprovadas pelo Legislativo que impactam diretamente as despesas ou limitam a arrecadação.
E, do ponto de vista político, é mais fácil culpar o Executivo, porque o Legislativo é disperso e é difícil apontar diretamente um responsável. Mas é importante destacar que o Legislativo tem, sim, responsabilidade crescente na situação fiscal delicada que enfrentamos.
Agenda do PT
De acordo com Alessandra, alguns pontos da agenda do PT — embora tenham viés político — fazem sentido, sim. A taxação de fundos offshore, por exemplo, foi uma discussão válida. Agora, estamos vendo a proposta de cobrança de imposto de renda sobre instrumentos financeiros, que também deve ser discutida.
É difícil justificar, do ponto de vista econômico, que um segmento seja totalmente beneficiado em detrimento de outros. Esse tipo de discussão é legítima e necessária.
Juros e atividade econômica
A expectativa da Tendências é que a Selic permaneça em 15% por um bom tempo. A previsão é que o primeiro corte aconteça no primeiro trimestre de 2026 e será um corte pequeno, chegando a 13%.
Quanto à atividade econômica, a Tendências espera um processo mais claro de desaceleração a partir de meados deste ano até 2026 e projetam um PIB de 2,2% para este ano e 1,6% no ano que vem.
Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!