Os efeitos do anúncio do governo sobre a contenção de despesas – BandNews
- Na Mídia
- 23/05/2025
- Tendências

Em entrevista ao programa Economia Pra Você, da Band, o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, analisa os efeitos do recente anúncio do governo sobre a contenção de despesas.
Cenário atual da economia brasileira
O governo anunciou uma contenção de despesas bem acima do previsto no orçamento federal: R$ 31 bilhões, quando as previsões apontavam em torno de R$ 10 bilhões, em meio a preocupações com o equilíbrio das contas públicas e também a sinais ainda fortes de crescimento da economia brasileira, com inflação e com juros pesando no nosso bolso.
As perguntas que ficam são: isso ajuda e contribui para passar uma mensagem de responsabilidade das contas? E qual a importância disso para a nossa economia?
Campos Neto diz que é uma demonstração, sim, de que há uma preocupação genuína com a questão fiscal no âmbito do governo, especialmente quando pensamos numa situação de curto prazo, inclusive olhando o ano eleitoral de 2026. Ou seja, o governo quer chegar com a situação minimamente em ordem no próximo ano.
Entretanto, Campos Neto aponta que, ao mesmo tempo, sabemos que, por decisões que foram tomadas ao longo desses últimos anos, a situação do ponto de vista estrutural segue muito grave. É claro que esse contingenciamento para 2025 é importante, ajuda com a melhora do resultado esperado para esse ano e também dá um sinal para 2026. Mas, ao mesmo tempo, não traz nenhum alívio pensando do ponto de vista estrutural e das dificuldades importantes que nós teremos, especialmente a partir de 2027, quando medidas importantes terão que ser tomadas visando efetivamente uma contenção muito mais forte no ritmo de crescimento das despesas.
Estruturalmente, sabemos o que o governo está fazendo quando ele bloqueia, contingencia despesas. O ministro Haddad explicou que, como no nosso orçamento, é feita uma previsão orçamentária e, se há muitos gastos com outras coisas, é preciso cortar em outro lugar para a conta fechar. Haddad falou que o que está pesando muito ainda é a despesa previdenciária e BPC, que é o Benefício de Prestação Continuada para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência.
Ao ser questionado o quanto essa confiança em relação à sustentabilidade das contas públicas é fundamental e o quanto que, no curto prazo, ajuda a amenizar um pouco a desconfiança ou não, já que estruturalmente o problema continua, Campos Neto explica que, quando nós discutimos a questão dos juros altos no Brasil — e realmente eles são altos —, nós temos que sair um pouco desse debate mais de curto prazo e, principalmente, olhando decisões de Banco Central, que claro têm a sua importância, obviamente.
Campos Neto diz que temos que olhar como os agentes de mercado estão avaliando estruturalmente as perspectivas. Isso aparece em algumas variáveis e uma delas é o comportamento das taxas de juros futuras, as taxas mais longas, que ao longo desses últimos anos voltaram a subir. Hoje, a nossa taxa real de juros de longo prazo, de 10 anos, de 5 anos, está oscilando próximo a 7,5% em termos reais, o que é muito alto. Isso mostra que o problema do juro alto no Brasil não é do Banco Central, mas, sim, uma questão de percepção estrutural negativa.
E aí Campos Neto explica que claro que isso remete à questão fiscal, porque hoje nós temos um conjunto de regras e de leis que foram adotadas, e inclusive algumas delas voltaram a vigorar recentemente, que já criam uma situação de crescimento das despesas que não é sustentável e que, por vários estudos que têm sido feitos, a partir de 2027 em diante, cada vez menos o governo terá recursos disponíveis para gerenciar o seu dia a dia.
Ou seja, as despesas obrigatórias — aí falando de aposentadoria, as pensões, o próprio BPC, as despesas com saúde e educação, que voltaram a crescer com base nas receitas, uma regra que também voltou a vigorar recentemente — tudo isso faz com que a nossa parcela obrigatória do orçamento já se aproxime rapidamente de 100%.
É para isso que os mercados estão olhando e vendo que, sem mudanças importantes estruturais, a situação não será sustentável. E isso é que acaba embutindo uma percepção de risco mais alta, e o resultado é que as taxas de juros de mercado estão muito elevadas. É exatamente esse ponto que nós temos que atacar e fazer como fizemos em alguns anos atrás, com reformas fiscais que permitiram a redução dos juros.
Ao ser questionado sobre o que explica essa resiliência da economia em meio a um cenário difícil para consumo, Campos Neto diz que, de fato, já se esperava ao longo desses últimos meses um sinal mais claro de uma desaceleração, até porque estamos num processo de aperto monetário muito vigoroso, e isso, em tese, tem que fazer o seu efeito ao longo do tempo. Ele também diz que ainda esperamos que isso vá acontecer ao longo dos próximos meses, no segundo semestre em particular.
Mas o fato é: também temos que considerar que há algumas decisões vindas do governo que acabam fazendo um contraponto à política monetária mais apertada. Ele vem tomando algumas medidas de estímulos, seja na parte de crédito, seja propriamente na parte fiscal. É fato também que os próprios ganhos de renda decorrentes dessas políticas de reajuste real do salário mínimo, por exemplo, acabam alimentando o consumo, pelo menos por um curto prazo.
E aí Campos Neto diz que voltamos a um tema mais estrutural, de médio e longo prazo: uma economia não vai crescer indefinidamente só com estímulos ao consumo. O Brasil já tentou essa agenda por várias vezes no passado e o resultado é que, se você não tiver um ganho respectivo de capacidade produtiva, de PIB potencial, de produtividade, essas medidas de estímulo ao consumo e à demanda vão cada vez mais se defrontando com limites.
E, conforme você insiste nessa agenda, os desequilíbrios aparecem. E aí é que nós temos uma inflação mais alta e já distante da nossa meta, aumento de déficit externo, sinais de insustentabilidade fiscal e um mercado de trabalho muito apertado.
Campos Neto acrescenta que realmente há surpresas do ponto de vista da economia, do desempenho econômico, mas mesmo diante disso, todo o conjunto que observamos de dados e o cenário vigente ainda sugere uma desaceleração, mesmo que moderada, a partir do segundo semestre.
A projeção da Tendências para o PIB deste ano, que era próxima a 2%, à luz das medidas recentes está sendo reavaliada, possivelmente, por um crescimento um pouco acima de 2% esse ano. Campos Neto lembra que, nos últimos anos, a média foi um pouco acima de 3%, de modo que esses desequilíbrios mencionados evidenciam que 3%, embora seja algo desejável, os sinais econômicos sugerem que ainda é um número um pouco acima do nosso potencial.
O Brasil, como nós sabemos, é um país que é um tanto quanto hostil pro setor, para produção, pros investimentos produtivos. É um país que tem ainda problemas que desestimulam as empresas a realizarem os seus investimentos.
Campos Neto diz que temos a questão tributária, a insegurança jurídica, os problemas trabalhistas, um custo muito alto também de mão de obra e suas questões de qualificação, uma burocracia elevada. São vários aspectos que, de certa forma, também fazem com que as empresas pensem muito antes de avançar com o processo de elevação de capacidade.
Também há limitações quando olhamos pro próprio mercado de trabalho. Nós crescemos bastante nesses últimos anos, esse ritmo acima de 3% que, para padrões do Brasil, realmente é um ritmo importante.
Ao mesmo tempo, o que nós vimos é que a taxa de desemprego, por exemplo, caiu fortemente, lá da época da pandemia, dos seus 14%, para pouco mais de 6%, o que foi muito bom. Só que, ao mesmo tempo, você não vai conseguir reduzir muito mais essa taxa de desocupação. Já está perto dos seus limites, do que consideramos como pleno emprego.
Então, olhando desse ponto de vista, Campos Neto explica que as medidas de estímulo, basicamente ao lado da demanda, o consumo em particular, vão se defrontar com esses limites de capacidade de oferta que, por sua vez, estão restringidas por esses fatores. Tem demografia, tem uma poupança baixa — o Brasil é um país de poupança reduzida —, então isso limita investimentos. A nossa produtividade, que avança menos do que deveria. Então são agendas que deveriam estar muito mais presentes, na verdade, no radar de qualquer governo, porque é isso que vai permitir com que o Brasil cresça de forma mais acelerada e sustentável no longo prazo.
Enquanto isso, não entra no radar a discussão mais estrutural, de um crescimento, de melhora de bem-estar da população de forma mais perene. Campos Neto diz que, nesse sentido, são várias situações que também poderiam ser mais bem avaliadas. No fundo, o Brasil, por exemplo, não tem um mecanismo — recentemente isso começou a ser mais bem discutido — que é importante, de avaliação das políticas públicas. O Brasil, realmente, gasta muito com políticas públicas importantes, ligadas à educação, ligadas a uma agenda de gasto tributário. Ele dá benefícios, subsídios, e não avalia os resultados, se essas políticas estão cumprindo seu objetivo e se vale a pena mantê-las.
Campos Neto diz que, a princípio, seria já um caminho uma melhor avaliação de políticas públicas e, em algum momento, caso se perceba que os resultados não estão sendo alcançados, que se dê um passo atrás. Ao mesmo tempo, algumas regras que foram reintroduzidas — e, por mais que tenham o seu mérito, como é o caso do reajuste real do salário mínimo com base no PIB — isso, pra nossa previdência, tem sido fatal.
No Brasil, 50% hoje do nosso orçamento é destinado a aposentadorias e pensões e, com a situação demográfica, ou seja, com envelhecimento em curso da população, somada a essa agenda de reajuste real do salário mínimo, esse é um aspecto que vai fazer com que a previdência seja um peso cada vez maior pra sociedade.
Campos Neto pontua que não está entrando no mérito da política em si — sabemos que é importante, os aposentados que ganham um salário mínimo realmente é uma renda baixa — mas, no macro, isso acaba fazendo muita diferença. E, nesse sentido, acabam faltando recursos não só para outras demandas, mas principalmente impondo um déficit elevado. E aí, com isso, os resultados que nós sabemos: os juros ficam altos, a dívida acaba entrando numa trajetória ainda mais negativa, porque os juros pesam mais sobre uma dívida já mais alta, além de todos os impactos macroeconômicos de restrição de crescimento, inflação mais alta, enfim. Então é necessária toda uma discussão aí estrutural, efetivamente, do uso do dinheiro público no Brasil.
Impactos do governo Trump
Campos Neto diz que o governo Trump é um governo que começou gerando muitos ruídos, com as medidas aliadas ao tarifaço do início de abril, que causaram muita instabilidade e uma preocupação grande. Nós vemos também que é um governo que vai testando o limite das instituições nos Estados Unidos e tudo isso acaba causando toda uma reprecificação de ativos.
Temos visto ao longo dessas últimas semanas até um certo descolamento em relação ao padrão histórico, porque, enfim, quando há um ambiente de maior nervosismo no mundo, o que acontece: aquele movimento tradicional de busca por ativos mais seguros, que, usualmente, são títulos da dívida norte-americana. E aí o dólar se valoriza em períodos de instabilidade, de nervosismo. É o que nós vemos.
Campos Neto também diz que há toda uma mudança nesse cenário porque existe até uma certa percepção de que os ativos norte-americanos estão sendo vistos com um pouco mais de cautela. Ou seja, os agentes não estão buscando hoje comprar esses ativos, até há relatos de vendas. E o resultado é que as taxas de juros dos papéis norte-americanos estão em alta, com as taxas de 10 anos acima de 4,50%, 4,60%, o que pesa pra gente, que é referência, a taxa de juros benchmark do mundo todo.
E o dólar, que se esperava que num governo Trump fosse se fortalecer, está seguindo o caminho contrário, tamanho é o teste que ele está fazendo às instituições do país e o próprio potencial estrago à economia dos Estados Unidos. O próprio dólar está perdendo valor contra todas as demais moedas. Claro, mais sobre moedas de países avançados, menos em relação às de emergentes, mas também está perdendo para moedas de emergentes.
Campos Neto diz que ainda é muito difícil nós sabermos qual é o líquido dessa história. É fato que também é um governo que se defronta com as suas restrições políticas. Ao passo que essas medidas que ele tem anunciado afetam negativamente o consumidor norte-americano, as grandes empresas do país, isso tem uma repercussão política e faz com que ele também dê alguns passos atrás, como até recentemente foram dados com início de negociações comerciais com a China, com o Reino Unido, com outros países e a suspensão daquelas tarifas exorbitantes.
Mas o fato é: um governo imprevisível, que tem uma visão de mundo que é muito controversa, com essa tentativa de trazer a produção, a indústria de volta para território norte-americano, que é muito difícil. E, claro que todas essas medidas que têm sido anunciadas causam um efeito importante do ponto de vista global, seja nos ativos, seja nos movimentos de comércio internacional.
E o Brasil, nessa história, claro, vai acabar sendo afetado. Tem potenciais impactos negativos, eventuais potenciais impactos positivos, mas, neste momento, ainda é muito prematuro traçarmos aí uma linha definitiva, até porque é um governo ainda muito imprevisível.
Quando se trata sobre o risco baixista, que seria a queda das commodities, que talvez tenda a nos ajudar, pelo menos num curto prazo, Campos Neto diz que é um cenário possível, mas que é preciso ver essa equação entre commodities e câmbio.
E aqui no Brasil, até por ser um grande exportador de commodities, temos essa relação até inversa. Quando há um aumento de preços de commodities, a inflação é mitigada porque o câmbio se aprecia e vice-versa.
Mas, neste momento, o que nós temos observado é que, até pelo dólar estar perdendo força no mundo todo, também tem caído aqui. E aí as commodities estão mais bem comportadas, porque há toda uma preocupação com a economia mundial, não só com Estados Unidos, com China.
Então, há sim essa possibilidade de um lado positivo para nós via um fator desinflacionário global. Isso nos ajudaria, talvez não o suficiente para trazer a nossa inflação para perto da meta.
A meta é 3%, podendo ir até 4,5%. A previsão da Tendências é de 5,5%, mais alta do que a do ano passado. É bom lembrar que mesmo com uma perspectiva de desaceleração econômica, a inflação deste ano ainda vai ser maior do que a do ano passado.
Campos Neto explica que ainda há muitas pressões de alimentos e de serviços, por conta desse aperto do mercado de trabalho. Eventualmente, alguma ajuda externa pode até levar a alguma revisão mais à frente, mas dificilmente eu diria que a gente terá uma inflação esse ano mais baixa do que a do ano passado, que foi 4,8%. E para 2026, a Tendências espera 4,5%, ainda assim estando ali no limite do teto da nossa meta de inflação.
Setor de alimentos
Campos Neto diz que, daqui pra frente, a tendência é que realmente tenha uma certa acomodação. É claro que nós ainda iniciamos o ano com algumas pressões importantes, como na parte de carnes, por exemplo. Ainda estamos aí num ciclo da parte dos bovinos que não favorece tanto ainda a oferta, mas a princípio não subirá mais.
Em relação a grãos, que são insumos importantes, e ao próprio petróleo, que é um insumo importante pro segmento agrícola, os sinais são de algum alívio. Então, a tendência é que efetivamente não tenhamos pressões adicionais tão fortes como vimos no passado, mas uma devolução desses preços ainda não é algo tão, tão claro. Então, por hora, as pessoas vão acabar se acostumando com esses níveis de preços um pouco mais elevados, explica Campos Neto.
Alta dos juros
Um ponto que o presidente do Banco Central tem falado muito, e outros diretores também, é a capacidade da economia brasileira se manter forte mesmo com um juro tão elevado. Ele deu a entender essa semana que os juros não devem subir mais, mas vão ficar altos por um longo período.
Ao ser questionado sobre o porquê dos juros estarem tão altos, Campos Neto explica que, mesmo com esses juros tão altos, a economia segue num ritmo de crescimento talvez acima do que seria desejável para trazer essa inflação para baixo.
O ponto é: em termos absolutos, os juros são muito altos, especialmente quando comparamos com outros países e até com o nosso histórico há algum tempo atrás. Agora, se essa taxa de juros estivesse muito fora do lugar para a nossa situação econômica, algumas evidências apareceriam: a inflação cairia rapidamente, a economia partiria para uma recessão, a própria taxa de câmbio passaria por uma apreciação mais forte e as expectativas de inflação caíram.
Então, como nada disso está acontecendo, com exceção do dólar, que agora tem caído por razões externas, é um sinal de que essa taxa de juros é alta, mas não é fora do lugar em relação à nossa situação econômica. Então, mesmo com essas taxas de juros, a economia está crescendo. Isso também é um sinal — e algo que o próprio presidente do Banco Central tem dito — de que há alguma obstrução dos canais de transmissão na política monetária.
O que que ele quer dizer com isso? Quando o Banco Central sobe as taxas de juros, ele espera chegar na inflação por alguns caminhos: seja por uma redução de expectativas de inflação, seja por uma contenção do crédito, seja por uma redução, por conta disso, do consumo, seja até mesmo por uma apreciação do dólar. E isso efetivamente não tem acontecido na magnitude esperada. E por quê? Um exemplo: o Banco Central de um lado sobe juros, de outro lado o governo toma uma decisão de criar uma nova linha de crédito que vai colocar alguns bilhões de reais a mais na economia. Então, o ponto é esse: o Banco Central de um lado pisa no freio, o governo de outro lado pisa no acelerador. E aí a taxa de juros tem que subir mais e ficar alta por um tempo maior.
Esse acaba sendo o reflexo de quando você tem uma visão predominante num governo de que ele tem que atuar em várias frentes, buscando certos objetivos, não é? Então o governo acaba tentando estimular a economia, ao mesmo tempo tem que segurar a inflação, aí ao mesmo tempo quer dar aumento de salário mínimo, ao mesmo tempo cria uma linha nova de crédito, ou seja, são diversas medidas e, de novo, algumas delas até tendo seu mérito, a sua justificativa, mas que, colocando tudo ao mesmo tempo, você gera impactos controversos e acaba tornando até a economia menos eficiente e impondo a necessidade de cada vez intervenções maiores.
O Brasil passou por isso ali naquele período pré-crise de 2014-2015, onde houve um excesso de intervencionismo — claro que não estamos na mesma situação —, mas o resultado foi que você acaba escalando excessivamente essas decisões pontuais na economia e o resultado é que você acaba colhendo uma crise ou um cenário negativo no futuro. Por isso é bom ter muito cuidado, muita parcimônia com essas decisões, porque eventualmente você passa do ponto e causa mais problemas do que efetivamente trazer benefícios.
Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!