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O Brasil está preparado para enfrentar a crise que vem aí – O Estado de S. Paulo

País nunca esteve tão preparado para superá-la e empreender uma arrancada de crescimento impulsionada pelo ambiente favorável que decorreria das reformas

Por Maílson da Nóbrega* e João Pedro Leme**

O Brasil tem um encontro marcado com um colapso fiscal, que pode acarretar uma grave crise financeira. Segundo estudo recente de Dayson Almeida e Paulo Bijos, da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara (Projeções fiscais e orçamentárias: o desafio das despesas discricionárias), em 2027, todo o espaço do arcabouço fiscal será ocupado por gastos obrigatórios. Essa realidade orçamentária foi reconhecida pela ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Não sobrará um tostão para financiar as atividades normais do governo e tampouco para apoiar políticas públicas como as das áreas de ciência, tecnologia, cultura, seguro rural, Forças Armadas e semelhantes. Diante dessa situação crítica, o governo será, provavelmente, levado a abandonar o arcabouço fiscal ou crivá-lo de exceções que minarão irremediavelmente sua credibilidade.

O País necessita, pois, de um novo regime fiscal para reduzir substancialmente a rigidez orçamentária, causa básica da crise. Será necessário realizar mudanças estruturais que contam com substancial apoio entre especialistas, incluindo estes escribas, como as seguintes: 1) uma nova reforma da Previdência, para aumentar a idade de aposentadoria, eliminar a diferença de idade entre mulheres e homens e entre os regimes rural e urbano; 2) desvincular o salário mínimo do cálculo de benefícios previdenciários e assistenciais; e 3) eliminar a vinculação de impostos a despesas com educação e cultura.

Segundo Douglass North, Prêmio Nobel de Economia por seus estudos sobre o papel das instituições no desenvolvimento, reformas devem ser introduzidas habitualmente de forma incremental, ao longo de anos. Sucede que o País não pode esperar esse tempo. As reformas aqui mencionadas exigem urgência, pois delas dependerão a superação da crise e o restabelecimento das condições para colocar a economia em ritmo adequado a superar a armadilha do baixo crescimento e manter a esperança de fazer do Brasil um país rico.

Há que considerar a complexidade e a impopularidade das reformas, bem assim as restrições políticas à sua aprovação. Em condições normais, elas dificilmente seriam acolhidas pelo Congresso, menos ainda com a velocidade requerida. Tudo indica que não seriam propostas pelo atual governo, que a rigor se opõe a todas elas. Mesmo assim, há analistas que desprezam essa realidade, imaginando que as mudanças podem ser introduzidas como se fossem meras alterações da política econômica. Tudo dependeria apenas de vontade política. A experiência mostra que não é tão simples assim.

Apesar da iminência da crise, o Brasil nunca esteve tão preparado para superá-la e para empreender uma arrancada de crescimento impulsionada pelo ambiente favorável que decorreria das reformas. O País conta com um sistema financeiro sólido, sofisticado, bem capitalizado e bem regulado por um Banco Central que no ano passado foi eleito o melhor do mundo. Dispõe da pujança do agronegócio e do setor mineral, que nos transformaram em economia estruturalmente superavitária no comércio exterior.

Essas duas características permitiram superar as dificuldades causadas no passado por crises bancárias e do balanço de pagamentos. Destacam-se ainda fatores que conferem maior resiliência à economia brasileira, como são os casos da democracia – que, recentemente, venceu um duro teste –, da independência do Banco Central e de um conjunto de empresas de classe mundial. Várias operam no exterior. Uma delas fatura mais em outros países do que no Brasil e outra se tornou a maior produtora mundial de proteínas, com atuação em vários continentes.

Acresce notar o relatório do Banco Mundial sobre o Desenvolvimento (2024), dedicado a examinar a armadilha da renda – da qual o Brasil é prisioneiro. O glossário desse estudo contém a expressão “capitalizar na crise”, que significa “o processo pelo qual a crise provoca a oportunidade de implementar reformas importantes, que de outro modo seriam bloqueadas”. É o momento em que emerge o senso de urgência que, segundo cientistas políticos, gera o apoio social e político em favor de mudanças estruturais.

As eleições presidenciais de 2026 podem permitir a escolha de um novo presidente que reúna as condições desejáveis de experiência, tirocínio, compromisso com as reformas, capacidade de convencer os brasileiros de sua necessidade e habilidade de negociar a sua aprovação pelo Congresso. Nessa área, temos duas situações politicamente favoráveis: 1) a inelegibilidade de Jair Bolsonaro permite que existam candidatos alternativos, abrindo espaço para uma disputa menos polarizada; e 2) pela primeira vez desde o pleito de 1989, há cinco governadores dotados de experiência de liderar seus Estados, os quais podem unir-se, provavelmente num segundo turno, em oposição ao candidato petista. Ainda há esperança, portanto.

*Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda e é sócio da Tendências Consultoria

**João Pedro Leme é analista de contas públicas da Tendências Consultoria

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