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O impacto da Reforma Tributária nas empresas com regime de lucro presumido

Por: Mário Nazzari Westrup e Guilherme Venturini Floresti, consultores da Tendências

A Reforma Tributária, promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada, em parte, pela Lei Complementar nº 214/2025 e pelo Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, trouxe grandes mudanças na tributação do consumo com a introdução da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), em substituição principal ao PIS/COFINS (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), em substituição ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ao ISS (Imposto Sobre Serviços).

Apesar das simplificações propostas pela Reforma, ainda restam algumas dúvidas quanto à sua aplicação, especialmente para as empresas optantes pelo regime de lucro presumido.

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O regime de lucro presumido

O regime de lucro presumido é uma forma simplificada de apuração do Imposto de Renda sobre as Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas de menor porte, com receita bruta anual de até R$ 78 milhões. Nesse regime, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é determinada com base em uma presunção do lucro da empresa, que varia de acordo com a sua atividade – ou seja, a empresa não precisa apurar o lucro real, aplicando apenas um percentual de presunção sobre a receita bruta para calcular o valor a ser tributado.

Esse percentual de presunção está associado à atividade. Por exemplo, empresas que atuam no comércio têm uma presunção de 8%, enquanto prestadoras de serviços podem ter percentuais de 16% ou até 32%, dependendo da natureza do serviço. O grande benefício desse regime é a simplicidade, pois a empresa não precisa calcular as despesas e os custos reais para determinar o lucro tributável. No entanto, há uma desvantagem importante: a impossibilidade de se creditar dos tributos pagos nas compras, como ocorre no regime de lucro real.

Um ponto que merece destaque quanto ao regime de apuração do lucro presumido é que as empresas que aderem tal regime recolhem PIS e COFINS somente pelas alíquotas do regime cumulativo (ou seja, 0,65% para PIS e 3% para COFINS). Desta forma, é usual que o planejamento tributário e financeiro de grandes grupos empresariais inclua um misto de empresas tanto do lucro real (as quais geralmente se submetem ao recolhimento de PIS e COFINS pelo regime não cumulativo, com alíquotas de 1,65% e 7,6%) quanto do lucro presumido.

O impacto da Reforma Tributária

Na Reforma Tributária, a introdução do CBS e do IBS pode gerar um impacto significativo para as empresas que estão no regime de lucro presumido. Ainda que a Reforma não altere os tributos diretos (IRPJ e CSLL), tanto a CBS quanto o IBS irão compor a base de cálculo para a presunção de lucro, aumentando a carga tributária presumida sobre a receita bruta da empresa. Atualmente, as alíquotas de PIS/COFINS e ISS são menores do que a alíquota de referência dos novos tributos, o que implica um aumento da base de cálculo e, consequentemente, do lucro presumido a ser tributado.

Por exemplo, atualmente, uma empresa no regime de lucro presumido que paga 3,65% de PIS/COFINS e 5,00% de ISS tem uma base de presunção de lucro de 8,65% (3,65% + 5,00%). Com a introdução do CBS e do IBS, essa carga pode passar para 26,50% (atual alíquota de referência). Com essa mudança, a base de presunção de lucro será majorada em um percentual significativo.

Ademais, a Reforma Tributária não terá alíquotas distintas por conta de regimes de cumulatividade e não cumulatividade como regra geral, de modo que planejamentos tributários que se beneficiavam de alíquotas menores de PIS e COFINS cumulativo em empresas enquadradas no lucro presumido deixaram de ser vantajosos com o fim destes tributos em 2027.

Exemplo prático

Para ilustrar, vamos considerar uma empresa com receita líquida (sem tributos) de R$ 1.000.000,00 e uma presunção de lucro de 32,00% para cálculo do imposto. No cenário atual, a base de cálculo do lucro presumido seria:

  1. Cenário atual (PIS/COFINS + ISS):
    • Tributos atuais (PIS/COFINS + ISS) = 8,65% (3,65% + 5,00%)
    • Base de cálculo = R$ 1.000.000,00 + 8,65% (dos tributos) = R$ 1.000.000,00 + R$ 86.500,00 = R$ 1.086.500,00
    • Base de presunção = R$ 1.086.500,00 × 32,00% = R$ 347.680,00
    • Impostos sobre a base (considerando alíquotas de IRPJ de 15,00% e CSLL de 9,00%):
      • IRPJ = R$ 347.680,00 × 15,00% = R$ 52.152,00
      • CSLL = R$ 347.680,00 × 9,00% = R$ 31.291,20
    • Total de impostos = R$ 52.152,00 + R$ 31.291,20 = R$ 83.443,20
  2. Cenário pós-Reforma (CBS + IBS):
    • Tributos pós-Reforma (CBS + IBS) = 26,50% (alíquota de referência)
    • Base de cálculo = R$ 1.000.000,00 + 26,50% (dos tributos) = R$ 1.000.000,00 + R$ 265.000,00 = R$ 1.265.000,00
    • Base de presunção = R$ 1.265.000,00 × 32,00% = R$ 404.800,00
    • Impostos sobre a base (considerando alíquotas de IRPJ de 15,00% e CSLL de 9,00%):
      • IRPJ = R$ 404.800,00 × 15,00% = R$ 60.720,00
      • CSLL = R$ 404.800,00 × 9,00% = R$ 36.432,00
    • Total de impostos = R$ 60.720,00 + R$ 36.432,00 = R$ 97.152,00

Análise do impacto:

  • Cenário atual: A empresa paga R$ 83.443,20 de impostos.
  • Cenário pós-Reforma: A empresa paga R$ 97.152,00 de impostos, o que representa um aumento de R$ 13.708,80 devido à ampliação da base de presunção, ocasionada pela troca de tributos de 8,65% para 26,50%.

Esse exemplo mostra como a base de cálculo para o regime de lucro presumido será majorada com a introdução do IBS e da CBS, resultando em um aumento da carga tributária, mesmo com a presunção de lucro mantida em 32,00%. A alteração na alíquota de tributos antes de calcular a presunção de lucro causa esse efeito direto no aumento da base de cálculo e, consequentemente, na carga tributária das empresas deste regime.

Impacto já em 2027

A extinção do PIS e da COFINS por completo em 2026 e o estabelecimento da CBS com a alíquota de referência de 8,80% em 2027 terão um efeito direto na base de presunção do lucro. Isso porque, se a alíquota do PIS/COFINS for alterada de 3,65% para 8,80%, a base de presunção do lucro será majorada já no primeiro estágio da Reforma. Caso não seja editada nenhuma norma específica sobre o tema, a inclusão de uma carga tributária adicional pode afetar de maneira significativa o resultado das empresas de lucro presumido.

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