Tendências Consultoria Econômica

  • Português
  • English
Edit Template

Petróleo e minério: o peso da guerra comercial para as gigantes brasileiras – Capital Aberto

Motores do Ibovespa, Vale e Petrobras perderam entre 7,5% e 18% desde o ‘Dia da Libertação’; gestores avaliam contexto e fundamentos das companhias

A guerra tarifária deflagrada pelo presidente americano Donald Trump está afetando os mercados de petróleo e minério de ferro – commodities que, com alimentos, integram a lista de produtos essenciais nas economias. Na esteira da política econômica errática americana (as tarifas dos EUA para a China foram mais uma vez reajustadas, e chegam a 145%), já sofreram impacto significativo os papeis de Petrobras e Vale, os quais têm peso na composição do Ibovespa. Desde o ‘dia da libertação’ americano (em 02 de abril), quando as tarifas recíprocas a países foram anunciadas por Trump, mineradora e petroleira já cederam, nessa ordem, expressivos 7,5% a 18%, informa a consultoria Elos Ayta.

Nesta quinta-feira (10), Petrobras chegou ao fim do pregão valendo R$ 31,23 (Petr4) e R$ 33,26 (Petr3), com perdas acumuladas desde o dia 02 de abril, nesta ordem, de 16,05% e 18,52%. A Vale fechou ontem a R$ 52,78, recuo de 7,29%, considerando o mesmo período acumulado. O Ibovespa fechou em 126.354 pontos ontem, com recuo no mesmo período de 3,69%. Por um lado, quem aloca em renda variável vê oportunidade de comprar barato papeis de duas companhias sólidas. Mas por outro, se Trump seguir, de fato, com a implementação da política tarifária, o esfriamento de economias do globo vai afetar a demanda por energia e minérios. “Para o investidor de curto prazo, o contexto atual é um prato cheio”, reforça Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos. “É desafiador para quem gosta de montar estratégias de longo e até médio prazo.”

Em meio à guerra tarifária, o petróleo chegou a romper ao meio-dia desta quarta-feira (09) a mínima em quatro anos: o barril caiu abaixo de US$ 60 pela primeira vez desde 2021. “A possibilidade de recessão [americana e desdobramentos para o globo] justifica um pouco o motivo pelo qual as duas empresas recuaram. Especificamente a baixa de Petrobras, em cenário de petróleo abaixo de US$ 60”, comenta Raphael Figueiredo, estrategista de ações da XP.

O contexto levou a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia Anjos, a afirmar num evento em São Paulo, nesta mesma quarta-feira, que os projetos da estatal são resilientes a cenários de volatilidade do petróleo à cotação de até US$ 28 por barril. Ela afirmou ainda que crise não é exceção, mas regra. Ontem, quinta (10/04), o barril fechou a US$ 60, com baixa de 3,66% (preço WTI, referência nos EUA) e o Brent (influencia Europa e Ásia) caiu 2,93%, para US$63,56/barril.

É muito cedo ainda para dizer se o preço é justo ou não, ou seja, se exagerada ou não a reação no mercado de petróleo diante do horizonte nublado, comenta Vitor Sousa, analista de combustíveis da Genial Investimentos. “Exatamente porque tudo ainda está se desenhando”, continua.

O cenário segue completamente incerto. “Além da questão das tarifas Trump não estar definida – e apenas com isso pode-se ter alguma clareza do impacto sobre atividade econômica, demanda por petróleo, produção e preços –, há a incerteza em relação a como a OPEP+ reagirá ao novo cenário”, comenta Walter de Vitto, sócio da Tendências. Até o início da guerra comercial de Trump, o quadro era de demanda apenas moderada, aceleração da oferta extra-Opep e preços se acomodando ao redor de US$70/barril, continua de Vitto.

“Com o anúncio das tarifas, há a perspectiva de menor crescimento da demanda, elevação generalizada da incerteza, com aumento da volatilidade dos preços e, ao menos no curto prazo, preços mais depreciados”, disse o sócio da Tendências. Em longo prazo, a dinâmica de preços vai depender das medidas efetivamente implementadas e seus desdobramentos sobre atividade e expectativa dos agentes, e da reação do cartel de produtores.

O preço da tonelada do minério de ferro também recua. Os contratos futuros da commodity caíram para os níveis mais baixos em mais de seis meses nesta semana, especificamente também na quarta (09), com a projeção de demanda afetada pela escalada de uma guerra comercial.

Relatório divulgado pela Genial Investimentos sobre desempenho da Vale na noite do mesmo dia aponta a tonelada do minério a R$ 95,9, com recuo de 5,6% em três dias. “Nesse momento ainda é difícil mensurar impactos, mas ficamos com a impressão de que o comércio se torna inviável para China e EUA nesses patamares de tarifa”, disseram os analistas da Genial.

Petrobras e o recuo do petróleo

Considerado o acumulado desde o dia 02, as ações da Petrobras recuaram quase com a mesma intensidade vista no mercado do barril de petróleo, reitera Enrico Cozzolino, sócio e head de análises da Levante Investimentos. A cotação da commodity chegou a cair 17% em quatro dias desta semana (informação dada por ele na manhã desta quinta-feira, 10). “O que a gente não pode esquecer, por mais que seja difícil falar de projeção de longo prazo, é que a Petrobras está numa retomada de preços e tem se valorizado, tem pagado seus dividendos históricos”, diz.

Em março, a companhia aprovou um dividendo extraordinário de R$ 3,4 bilhões, mostrando que, mesmo em meio a pressões políticas, inclusive internas, e instabilidades globais, ainda tem gordura para distribuir. “Apesar do ruído, Petrobras ainda está barata. A relação risco-retorno segue atrativa para quem pensa com horizonte de médio a longo prazo”, opina Cozzolino.

Figueiredo, da XP, reitera que Petrobras é um ativo que gera caixa. “E tende a continuar gerando daqui para frente. Entra na classe de boas empresas pagadoras de dividendos. Por isso segue praticamente em todas as nossas carteiras da XP”. Ademais, continua, a companhia tem como importante vantagem a receita em dólar, que traz impacto positivo para o caixa. O dólar tem perdido valor se observadas outras moedas como euro e iene, mas diante do real ainda é forte.

Sobre o possível enfraquecimento do consumo de energia no mundo diante de uma recessão, continua Figueredo, tenderá a enfraquecer. Contudo, há elementos que podem contribuir para sustentar a demanda, a exemplo do ambiente de inteligência artificial. “Os investimentos feitos para capacidade de processamento vão demandar bastante energia”, comenta.

Minério ou petróleo?

O mercado em que a Vale atua vinha um pouco mais desafiador, em comparação ao de petróleo, ao menos desde o último trimestre de 2024 – devido à economia chinesa, com um setor imobiliário desaquecido. Hoje, a commodity segue impactada pelo efeito do temor de uma desaceleração econômica global, ainda em especial na China, já que o país é o maior comprador mundial de minério de ferro. As políticas protecionistas de Trump vieram alimentar as incertezas sobre o crescimento econômico.

“A Vale vem sofrendo bastante, inclusive até mais do que a Petrobras, por conta do cenário de desaceleração da China. Mas a política interna chinesa para incentivar o consumo pode fazer com que o país ganhe tração, e beneficia Vale”, opina Figueredo, da XP. Ele acrescenta, ainda, que um cenário de “desconto considerável” de papeis da Vale em relação ao minério de ferro levou a gestora a incluir a companhia em portfólios no início de 2025.

Cozzolino, da Levante, opina que neste momento “estaria long petróleo e short minério”. “Há mais fatores para pressão de alta de petróleo do que no minério”, diz. “Não quer dizer que estou recomendando comprar petróleo e vender minério, mas pensando numa relação de risco. Se a política tarifária se mantiver, tudo vai cair: petróleo e minério. Mas eu acho que minério cai mais. Então, melhor fazer essa gestão de risco do que estar só long em petróleo ou só long em minério”, explica.

Analistas da Genial, no mesmo relatório já citado, dizem acreditar que apesar dos desafios externos e internos, a Vale conseguiu sustentar um patamar saudável de vendas de minério no primeiro trimestre deste ano. Isso ocorreu apesar do “ambiente desafiador”, marcado por chuvas intensas nas operações do Sistema Norte, fator que afetou o volume de produção. Contudo, a companhia utilizou estoques acumulados em 2024

Mesmo com a perda de valor das ações, a visão da Genial é a de que há vetores fundamentalistas que colaboram para um cenário não tão ruim como o precificado hoje. “A oferta [de minério de ferro] segue reduzindo nos portos da China — com estoques portuários regredindo durante nove semanas consecutivas, enquanto a demanda dá sinais de recuperação, com altos-fornos das usinas chinesas operando a 89,6% da capacidade, puxados pelas margens em processo de recomposição (reajustes de preço do aço e queda no preço do carvão metalúrgico)”, dizem em relatório.

A Vale divulgará informações de produção e vendas referentes ao primeiro trimestre em 15 de abril e, financeiras, em 24 do mesmo mês.

Em ambiente global mais volátil, os analistas reiteraram visão que indica a Vale negociada a “múltiplos excessivamente descontados, descolados de seus fundamentos operacionais”. “Mesmo com o preço do minério de ferro tendo uma contração significativa, chegando a US$ 95,9 tonelada, com redução de 5,6% nos últimos três dias, a ação segue como a major global mais descontada”.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!