Economistas temem retrocesso do PIB mundial com tarifaço – O Estado de S. Paulo
- Na Mídia
- 08/04/2025
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Banco Goldman Sachs aumenta para 45% probabilidade de uma recessão nos Estados Unidos nos próximos 12 meses
O choque tarifário provocado por Donald Trump abalou o comércio mundial e aumentou a incerteza na economia global. Na leitura dos analistas, a confusão criada pelo presidente dos Estados Unidos aumenta o risco de a economia norte-americana enfrentar uma recessão, um cenário que certamente afetaria o desempenho econômico de todo o mundo.
O tamanho do estrago ainda é difícil de ser mensurado pelos economistas, mas já é possível dizer que os investimentos e a cadeia global de negócios estão abalados e há uma piora na perspectiva de médio e longo prazos da economia global.
Num relatório publicado pelo Goldman Sachs na noite de domingo, 6, por exemplo, os economistas do banco aumentaram a probabilidade de recessão nos Estados Unidos de 35% para 45% nos próximos 12 meses.
“Estamos (…) elevando a probabilidade de recessão nos próximos 12 meses de 35% para 45%, após um forte aperto nas condições financeiras, boicotes de consumidores estrangeiros e um aumento contínuo na incerteza em relação à política econômica, fatores que devem reduzir os investimentos de capital mais do que havíamos assumido anteriormente”, escreveram os economistas do banco.
A sacudida de Trump na economia global já era esperada desde a eleição presidencial do ano passado e se consolidou na última quarta-feira, 2, quando ele anunciou uma taxa mínima de 10% a todos os parceiros comerciais, bem como tarifas “recíprocas” de até 49% a 60 outros parceiros comerciais.
No desenho apresentado por Trump, o Brasil entrou na tarifa mínima de 10% que entrou em vigor no sábado. As tarifas recíprocas para a China serão de 34% (além dos 20% já anunciados anteriormente), enquanto os produtos da União Europeia serão taxados em 20%. Para o Japão, Coreia do Sul e Índia, as sobretaxas serão de 24%, 25% e 26%, respectivamente. Essas taxas passam a vigorar na quarta-feira, 9.
“É um cenário agressivo de tarifação, e o mundo está com pouca boa vontade com os Estados Unidos, tendo essa ideia de retaliação”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “O aumento de incerteza acaba afetando a percepção de consumidores e investidores. Quem vai consumir com intensidade? Quem investir com intensidade?”, questiona.
Na sexta-feira, 4, a China anunciou medidas retaliatórias contra os EUA e uma tarifa de 34% sobre todos os produtos importados do território americano. Nesta segunda-feira, 7, Trump ameaçou o país asiático de com tarifa adicional de 50%, caso essa medida não seja derrubada.
“Os impactos mudam todo o dia porque começamos a ver respostas de outros países”, diz Marcela Rocha, economista-chefe na Principal Asset Management no Brasil. “Quando analisamos as direções das tarifas anunciadas e as retaliações, especialmente da China, o que vemos é que o impacto para os Estados Unidos pode ser de uma combinação de estagflação.”
Com a escalada da guerra comercial, as Bolsas de valores de todo o mundo passaram a desabar. No Brasil, o dólar voltou a superar o patamar de R$ 5,90. Nesta segunda-feira, 7, a moeda norte-americana subiu 1,30%, cotada a R$ 5,9106.
A guerra comercial detonada por Trump em seu primeiro mandato ajuda a dimensionar qual pode ser o tamanho do atual choque tarifário para a economia global e o Brasil. De 2018 a 2019, as tarifas impostas por Trump levaram o PIB global a desacelerar de 3,6% para 2,9% de 2018 para 2019, lembra Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria.
“Houve uma queda importante de 0,7 (ponto porcentual), e isso tirou 0,2 ponto de porcentagem do PIB brasileiro”, afirma Alessandra. “Nos momentos em que a economia global desacelera, o Brasil desacelera junto. É muito correlato.”
Se essa magnitude de redução do PIB se repetir agora, o crescimento econômico global deve cair dos 3,2% para algo próximo de 2,5%, segundo Alessandra. “Já estávamos num cenário de crescimento mais baixo. Um crescimento de 2,5% para a economia é bem ruim.”
Para a economia brasileira, por ora, os analistas ainda trabalham com um avanço do PIB próximo de 2% em 2025 — depois de um crescimento de 3,4% no ano passado. A leitura é que as tarifas de Trump devem prejudicar mais a indústria, mas podem, eventualmente, beneficiar o agronegócio se o País reforçar os seus laços ainda mais com a China ou se aproximar de outros países.
“A tarifa que o Trump impôs (ao Brasil) foi a menor de toda a lista. Devemos ter como efeito uma aproximação com mais intensidade dos chineses, tanto do ponto de vista de exportação como de importação. Num primeiro momento, o País tende a ter uma exportação maior, especialmente de soja e carnes neste ano, por causa desse efeito da guerra comercial aumentada entre China e Estados Unidos”, afirma Vale.
“A indústria tende a sofrer mais em termos de produção e exportação. Eu acho que esse caminho está consolidado, infelizmente. As commodities agrícolas tendem a ter um desempenho melhor”, acrescenta.
Em 2017, ano em que Trump assumiu a presidência norte-americana pela primeira vez, a corrente de comércio (soma de importação e exportação) com os Estados Unidos era de US$ 54,6 bilhões. Em 2024, subiu a US$ 81 bilhões. Com a China, a corrente saltou de US$ 75 bilhões para US$ 158 bilhões.
Tendência de o comércio com a China crescer
“No longo prazo, a tendência é o Brasil se aproximar cada vez mais da China”, diz Vale. “A corrente de comércio do Brasil com a China é o dobro da dos Estados Unidos e tende a ficar o triplo em cinco anos.”
Há também sempre a dúvida se o governo brasileiro não vai lançar mão de novas medidas para estimular a economia num eventual cenário de desaceleração global. Como em anos anteriores, o governo voltou a antecipar o pagamento de 13.º salário de aposentados e pensionistas. Também anunciou um novo programa de consignado privado e liberou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores que foram demitidos e não puderam acessar o saldo retido na conta por terem aderido à modalidade de saque-aniversário.
“Temos de ter no radar outras coisas que possam vir”, afirma Alessandra. “Estamos vendo ações para sustentar o consumo doméstico. No curto prazo, você segura o impacto negativo, mas a conta vem, porque tudo isso se dá às custas de um fiscal mais complicado.”
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