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A economia está crescendo mais do que pode – BandNews

Em entrevista à BandNews, Alessandra Ribeiro, sócia e diretora da Tendências Consultoria, destacou que o crescimento econômico está além das capacidades, o que aumenta a inflação, e alertou sobre a possibilidade de elevação dos juros pelo Banco Central.

Por que a inflação não diminui?

O Banco Central passou uma mensagem dura essa semana, dizendo que estava difícil puxar a inflação para baixo mesmo com a alta forte de juros que vem acontecendo desde o ano passado. Por isso, o BC avisou que teria que subir mais os juros e que eles podem ficar altos por mais tempo.

A questão que fica é: essa dose pesada de juros vai diminuir a inflação? Qual vai ser o impacto no crescimento econômico? Sabemos que em algum momento essa inflação vai ceder, porque com inflação e juros pesados e as pessoas consumindo menos, a tendência é a economia desacelerar.

Alessandra explica que essa é a tendência, mas tem uma questão de quanto tempo levaria para acontecer. Ela diz que é preciso trazer essa inflação para a meta. Lembrando que a meta é 3% e estamos rodando com uma inflação de 5,2%, inclusive pelo IPCA divulgado agora, na prévia de março.

Muitos questionam o motivo da inflação estar resistente, porque a economia está crescendo bem, até mais do que pode, na verdade, né. Alessandra explica que, quando a economia cresce mais do que pode, acaba gerando desequilíbrios. E um deles é uma inflação mais alta.

Alessandra diz que outra questão muito central é a percepção de risco em relação à economia brasileira. Porque essa percepção de risco, que tem muito a ver com as contas do governo, se traduz, por exemplo, num câmbio mais depreciado.

Essa conjunção de economia crescendo mais do que pode, com percepção de risco alta, torna o desafio pro Banco Central muito grande para trazer a inflação para patamares mais baixos.

Alessandra lembra que o Brasil está crescendo há quatro anos consecutivos num ritmo muito expressivo desde o pós-pandemia, em ritmo superior a 3%. Então vemos a ociosidade na economia, no mercado de trabalho inclusive, muito restrita. E quando isso acontece, qual que é o ajuste? É o preço.

O fato de estarmos crescendo mais também tem muito a ver com estímulos, principalmente estímulo fiscal, ou seja, aumento de gasto público, que acaba injetando muita força nessa economia.

Isso acaba aprofundando o desequilíbrio das contas públicas. Porque, para estimular, o governo usa recursos públicos, aumentando seus gastos e o endividamento. Os agentes econômicos olham essa movimentação como nada sustentável e pensam: “Essa conta não fecha. Esses juros vão ser maiores. Esse endividamento vai ser maior.” Então o mercado já olha aquilo, traz aquilo pra realidade de hoje e fala: “Essa economia não se sustenta e isso afeta o investimento hoje. Então eu não vou investir nessa economia se eu vejo que o movimento não é sustentável e essa economia lá na frente vai ter crescimento menor, mais endividada e com juros mais altos.”


Alessandra explica que o Brasil está enfrentando um aumento da trajetória da dívida pública desde a grande recessão de 2015–2016. O fato é que a gente não voltou pros patamares que, por exemplo, nós tínhamos antes, lá de 2015, 2016. Chegamos, sim, a ter essa dívida em cerca de 50% do PIB, mas hoje a Tendências projeta uma dívida de 81%, com trajetória crescente, muito acima dos países emergentes.

Como trazer a inflação para patamares mais baixos?

Alessandra diz que o principal mecanismo que temos para trazer essa inflação para patamares mais baixos é a taxa de juros. Isso porque, quando o Banco Central sobe a taxa de juros, torna o crédito mais caro às famílias e às empresas, limitando as decisões de consumo e investimento, ou seja, a economia no fundo acaba ficando mais fraca e os preços vão cedendo. Então é assim que o Banco Central vai conseguir trazer a inflação para patamares mais baixos.

A Tendências projetou mais duas altas de juros, com uma alta de 0,50 pontos e uma alta de 0,25 pontos, chegando em 15% em junho e estabilizando nesse nível. Entretanto, a projeção não vê redução ainda esse ano, apenas no primeiro semestre de 2026, mas com uma redução pequena, com a Selic indo para 13%.

Alessandra explica que, apesar dessa colocação de que é muito juro pra pouca inflação, não é bem assim, porque o risco que temos é da inflação sair do controle, o mercado olhar para isso, deduzir que as contas do governo não são sustentáveis e aumentar essas expectativas de inflação.

Atualmente, Alessandra diz que o mercado está muito cético em relação a tudo isso e está aumentando as expectativas de inflação para 2026, 2027… Então, perder o controle custa muito. Esses 15% dos juros é pensando em manter essas expectativas de inflação ancoradas, para garantir realmente que tenhamos uma inflação baixa.

E está muito difícil reduzir, porque, segundo Alessandra, temos outras políticas que estão na contramão da política monetária. E aí o Banco Central tem que fazer um esforço muito maior para compensar.

Ao ser questionada sobre o potencial de medidas do governo, como o saque do FGTS, o crédito consignado e outras, para dificultar a queda da inflação, Alessandra explica que são medidas boas, mas que não chegaram em um bom momento.

Essas medidas mantêm a atividade econômica mais forte e aquecida, tornando o trabalho do Banco Central mais complicado. Ainda não temos a dimensão de tudo que pode sair, mas Alessandra acredita que o risco aqui é o Banco Central nem subir mais a Selic, mas não derrubá-la, mantendo alta por muito mais tempo, o que apertaria muito a economia.

Qual o risco de minimizar a inflação?

Alessandra diz que essa falta de crença de que vamos conseguir trazer a inflação para patamares mais baixos é arriscada demais. E os agentes já vão antecipando uma inflação mais alta e colocando no preço hoje.

O risco desse descontrole em relação às expectativas inflacionárias é muito grande, especialmente quando se minimiza, porque é uma inflação que pode acelerar. E, quando ela acelera, para você perder o controle é muito fácil. O Brasil já esteve nesse lugar por muito tempo e sabemos o quanto é penoso ter uma inflação que não está sob controle. Daí o trabalho realmente duro do Banco Central para manter essas expectativas minimamente ancoradas.

E o custo é alto, porque estamos falando de um impacto muito grande para a sociedade brasileira, com efeitos tanto para consumo e para as famílias quanto para as empresas que não têm previsibilidade.

Alessandra diz que as famílias de menor renda têm um peso muito grande na sua cesta de itens essenciais. E aí, quando os itens essenciais sobem, é isso: compra-se menos e tem menos espaço ainda para outras coisas. Então certamente as famílias de menor renda são as mais penalizadas, mas toda a sociedade é penalizada também quando a inflação é alta e sem controle.

E não é só inflação de alimentos. Quando olhamos, por exemplo, para a parte de serviços, vemos uma inflação em um patamar muito alto, que inclusive acelerou desde o final do ano passado e ela está disseminada e em itens que são muito sensíveis, inclusive ao próprio ciclo econômico de crescimento forte. E o Banco Central sabe distinguir o que é o choque primário e choques secundários. Ele só vai subir os juros se isso começar a se disseminar pela economia.

Setor de alimentos

A Tendências tem uma previsão de alimentação no domicílio de 6,9% esse ano. Não é alta, uma vez que, no ano passado, foi mais de 8%. Dá uma desacelerada, mas ainda permanece alta.

Alessandra diz que até pode ser que fique um pouco melhor que isso, mas existem desafios grandes para algumas culturas que têm a ver com questões ambientais, que afetam a oferta do produto, além da questão da demanda. Quando falamos em carne, por exemplo, tem uma demanda muito forte no mercado interno e no mercado externo também. E essas questões também afetam preços.

Dólar

Alessandra explica que a gente ainda deve ver muita coisa saindo aí da “cestinha” da agenda econômica do novo governo nos Estados Unidos, porque lá eles estão tentando implementar uma agenda econômica que também, de um lado, estimula a demanda e, de outro, ela limita a oferta e ainda coloca tarifas sobre produtos importados. Então existe um risco ainda dessa agenda que pode aparecer mais, que é o risco inflacionário.

E aí os Estados Unidos podem ficar numa situação muito complicada, que é economia desacelerando e mais fraca, porque essa incerteza toda limita as decisões também de empresas para investimento e de famílias para consumirem.

Então isso bate na atividade econômica no sentido negativo. Por outro lado, podemos ter uma inflação ainda resistente e, com a inflação resistente, não vem essa queda de juros. 

Alessandra diz que ainda é cedo para contar com um grande alívio na parte do câmbio vindo dos Estados Unidos, porque ainda há muito a colher dessa agenda econômica do Trump.

Crescimento da economia brasileira

O crescimento desacelera para 1,9% este ano e 1,4% ano que vem, de acordo com projeções da Tendências. Ou seja, são dois anos de uma desaceleração importante.

E a inflação medida pelo IPCA é de 5,5% esse ano e 4,5% ano que vem. Ela desacelera, mas também não cai rapidamente, mas, sim, ao longo de 2026, chegando em 4,5% só no finalzinho de 2026.

Ao ser questionada sobre se o Brasil pode “fazer do limão uma limonada internacional”, Alessandra diz que há oportunidades, porque, nesse cenário internacional hostil, países que acreditam no livre comércio e que têm parcerias – e valorizam as parcerias – podem avançar mesmo em acordos comerciais. 

O Brasil também está muito bem posicionado para a questão da agenda verde. Mesmo com os Estados Unidos saindo, as demais regiões continuam apostando na agenda verde, como a própria Europa.

Alessandra diz que o Brasil só precisa andar direitinho na cartilha mais macro, principalmente pensando em 2026, sem se prejudicar no âmbito domesticamente, e aproveitar as oportunidades.

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!