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Bancos emprestam mais, mesmo com juro alto: entenda por que isso dificulta a ação do BC contra a inflação – O Globo

Com demanda aquecida, crédito cresce em 2024 em meio a um ciclo de alta da Selic, indicando que combate à alta dos preços na economia não será fácil para o BC de Galípolo

O saldo de operações de crédito no sistema financeiro nacional cresceu 10,9%, após um aumento de 8,1% em 2023, segundo dados do Banco Central (BC). O resultado ficou levemente acima da projeção do BC (10,6%) e mostra que o aumento da taxa básica de juros não foi suficiente para travar o avanço dos empréstimos no ano passado.

O cenário evidencia o tamanho do desafio que o novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, terá no comando do Comitê de Política Monetária (Copom) para esfriar a economia e cumprir a meta de inflação, após o estouro em 2024.

A meta de inflação é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, para que seja considerada cumprida, não deve passar de 4,5% ao ano. No ano passado, o IPCA foi de 4,83%.

A primeira reunião do Copom sob a liderança formal de Galípolo começa hoje. A expectativa é que o BC cumpra o indicado em dezembro e eleve a Taxa Selic do patamar atual, de 12,25%, para 13,25% ao ano. A escalada deve seguir em março, para 14,25% ao ano.

“Acompanhando a atividade, os mercados de crédito e, principalmente, de capitais têm surpreendido ao longo do ano, com crescimento de volume acima do que era esperado, apesar de taxas de juros elevadas. Ressalta-se que, apesar da resiliência da atividade, um ambiente de alta de juros, com nível de inadimplência e comprometimento de renda elevados, requer cautela e diligência adicionais na concessão de crédito”, disse o BC, na última ata do Copom.

Maior em uma década

Dados do BC corrigidos pela inflação mostram que o valor das operações de crédito no sistema financeiro somou R$ 7,2 trilhões em 2024, o maior em uma década. A cifra se refere às operações de crédito feitas por instituições financeiras com pessoas físicas e jurídicas.

Na avaliação dos economistas, a escalada dos juros não foi suficiente para travar o avanço do crédito. O cenário que se delineia para 2025, porém, é distinto, com expectativa de desaceleração da economia, pressão da inflação e juro que pode chegar ao fim do ano em 15%.

Na avaliação de Rodolfo Margato, economista da XP, uma conjunção de fatores à qual ele se refere como “tempestade perfeita” manteve a demanda aquecida. O cenário inclui o desemprego nos níveis mais baixos da série histórica e economia aquecida, com expansão do Produto Interno Bruto (PIB) projetada pela XP em 3,6% no ano passado (o dado oficial ainda não foi divulgado).

— Há uma dinâmica forte também dos salários reais — acrescenta. — Na nossa leitura, esse cenário fez com que os ofertantes de crédito ficassem mais encorajados a aumentar a concessão, mesmo em um ambiente de aumento de juros ao longo do tempo.

Para Margato, a oferta de crédito foi impulsionada também por uma melhora no balanço financeiro das famílias, acumulada desde a pandemia, em parte em função de estímulos fiscais e da maior formação de poupança.

Economia aquecida

O chefe adjunto do Departamento de Estatísticas do BC, Renato Baldini, faz avaliação similar, com a leitura de que a alta da Taxa Selic pode não ter sido suficiente para frear o apetite por crédito de empresas e famílias.

— Claro que tem a ver com o estágio atual da economia, que está aquecida e tem justificado uma demanda de crédito que se mantém aquecida, apesar da alta da taxa de juros.

Baldini afirma que o desempenho das concessões ainda aponta crescimento à frente, “talvez em um ritmo um pouco mais moderado do que em meses anteriores”.

A aceleração de empréstimos no ano passado levou a relação entre o saldo de crédito concedido pelo Sistema Financeiro e o valor do PIB acumulado nos últimos 12 meses a alcançar o patamar inédito de 54,4% em dezembro, o maior da década. Apesar de significativo, o percentual ainda é baixo quando comparado ao de outras economias.

— É um avanço, mas ainda longe de patamares de EUA e Europa, com índices que passam dos 80% ou até 100% — afirma Miguel Ribeiro de Oliveira, economista responsável pela pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Sem efeito imediato

Segundo a economista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria, os dados de crédito de 2024 reforçam o cenário de atividade aquecida no ano passado, com crédito sendo um importante propulsor.

— Para o BC é um quadro que reforça o comentário de que a atividade está forte e isso pode pressionar a inflação.

No segmento corporativo, Camilla Dolle, head de Renda Fixa do Research da XP, avalia que as companhias aproveitaram condições técnicas favoráveis para realizar mais emissão de dívidas e refinanciamento de prazos.

— Apesar das taxas altas, vimos procura maior por ativos de renda fixa e um movimento de refinanciamento por parte das empresas— afirma a economista que projeta, porém, resultado mais desaquecido em 2025. — Deve ser mais fraco em emissões de dívida pelas empresas, justamente em razão do cenário macro.

Para Margato, a desaceleração no crédito este ano também pode chegar no segmento para pessoas jurídicas.

Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) vai na linha da projeção dos economistas que anteveem desaceleração no crédito em 2025, com crescimento menor do que o do ano passado. Mesmo assim, a entidade projeta avanço de 9% na carteira de crédito de 19 bancos.

Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, aponta que o amadurecimento do mercado de capitais e da indústria de crédito influenciou o comportamento do crédito nos últimos anos:

— Não necessariamente a política monetária tem efeito imediato no crédito. O efeito no mercado, em geral, é percebido seis a nove meses depois.

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