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Dólar tem saída recorde – O Globo

Envio de US$ 24,3 bi ao exterior faz dezembro de 2024 o pior mês da história

O fluxo de saída de recursos do país bateu recorde em dezembro. Até o dia 27, a “fuga” líquida de divisas do país chegou a US$ 24,314 bilhões, conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). Esse movimento negativo é o maior para um único mês da série histórica do BC, iniciada em setembro de 2008 — em plena crise financeira global. O recorde anterior havia sido no último mês de 2019, com saída de US$ 17,612 bilhões.

Os dados são preliminares. Além do resultado de 30 de dezembro, o BC tem até o quinto dia do mês seguinte para contabilizar os fluxos de pequeno valor. Mas os dados finais dificilmente mudarão o quadro. Para se ter uma ideia, o fluxo em dezembro também se compara a anos inteiros muito negativos, como 2020, início da pandemia de Covid-19, em que saída anual foi de US$ 27,923 bilhões — a segunda pior da história, atrás apenas de 2019, de US$ 44,768 bilhões.

Vinicius Fonseca, especialista em renda variável da Ável Investimentos, avalia que o cenário doméstico, com falta de sinalização do governo de um maior corte de gastos para cumprir o arcabouço fiscal, assusta o investidor. Por isso, a saída recorde de dólares, maior até que na crise de 2008.

Moeda pressionada

Enquanto não houver algo mais prático por parte da Fazenda na questão fiscal, diz, o dólar continuará pressionado:

— O que está pesando é o cenário doméstico — diz Fonseca, para quem o pacote do governo é insuficiente para cumprir as metas fiscais. — Se não tiver novidade em relação ao fiscal, com mais cortes de gastos, será difícil atrair capital, e o dólar continuará pressionado.

O fluxo cambial considera tanto o movimento financeiro quanto o comercial, com o saldo de exportações e importações. No caso do segmento financeiro, são contabilizadas operações de investimento direto, no mercado financeiro, remessa de lucros e dividendos e pagamento de juros, por exemplo.

A saída recorde de recursos em dezembro foi totalmente puxada pelo fluxo financeiro, cujo saldo entre compras e vendas até o dia 27 é negativo em US$ 26,042 bilhões. Até então, a maior saída de recursos financeiros do Brasil havia ocorrido em dezembro de 2019: US$ 20,399 bilhões.

No caso do fluxo financeiro, o resultado acumulado de 2024 também deve representar o pior ano da história. Até o dia 27, a saída líquida é de R$ 84,396 bilhões, superando o pico anterior, de 2019, de US$ 65,792 bilhões.

O BC já vinha dando indicações de que o fluxo em dezembro de 2024 estava muito mais negativo do que em anos anteriores. No último mês de cada ano, é normal um maior volume de remessas para o exterior de empresas multinacionais para os países onde estão as sedes, devido ao fechamento do balanço anual.

Em 2024, além de um fluxo de remessas mais forte graças ao crescimento da economia, fatores como o aumento do risco fiscal no país e o medo de aumento da tributação em classes de renda mais elevada, a fim de compensar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, teriam contribuído.

O BC registrou uma saída maior de recursos pelas pessoas físicas, por meio de plataformas de bancos.

— Há muitos relatos de residentes retirando recursos do país, inclusive pela facilidade de movimentar capitais hoje em dia — afirma o economista e sócio da Tendências Silvio Campos Neto.

Por conta disso, a autoridade monetária teve de atuar mais fortemente no mercado de câmbio. Em 12 dias úteis, o BC injetou US$ 32,574 bilhões no mercado, em intervenções cambiais extraordinárias. Foram 14 leilões, nove com oferta de dólares à vista e cinco com compromisso de recompra (linha).

Sensível a capital volátil

Essa atuação extraordinária no mercado de câmbio aumenta a oferta de dólar, o que ajuda a conter a alta da moeda. Mas a autoridade monetária ressalta que as intervenções só ocorrem em momentos de disfuncionalidade do mercado, não para buscar um nível para a moeda.

A escalada do dólar começou no fim de novembro, quando o governo apresentou um pacote fiscal que frustrou as expectativas de um ajuste mais duro nas contas públicas e aumentou as dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida do país. Desde então, a moeda superou pela primeira vez a marca de R$ 6 e seguiu em trajetória de alta. Ontem encerrou a R$ 6,16.

O economista da MCM 4Intelligence Antonio Madeira destaca que, em média, a saída líquida pelo canal financeiro foi de US$ 1,4 bilhão por dia em dezembro. Do lado das remessas de recursos, houve aumento de US$ 400 milhões, em média, ante 2023. Ao mesmo tempo, entraram US$ 200 milhões a menos por dia em relação ao ano anterior.

Segundo Madeira, esse movimento se explica, em parte, pela sazonalidade de pagamentos de empresas, que compram dólar para remeter recursos para o exterior. Houve também um aumento de aversão à risco.

Madeira considera difícil traçar cenários para o fluxo cambial, que depende da confiança dos investidores e da percepção de risco. Mas diz que a “bola está com o governo” para reverter esse quadro.

Já a sócia-fundadora da Buysidebrazil, Andrea Damico, ressalta que a parte da sazonalidade vai deixar de influenciar o fluxo, mas o movimento relacionado à piora de percepção de risco do país deve continuar. A economista cita ainda que o déficit externo está convergindo para patamar de 3% do PIB, o que implica que o investimento direto no país será praticamente apenas para financiar esse rombo, sem a sobra dos últimos anos, que foi, no mínimo, de 1% do PIB.

— Há um vetor estrutural na piora do fluxo para os próximos meses, o que nos fará mais sensíveis aos capitais mais voláteis para financiar outras demandas de dólares da economia, como de criptomoedas e saída de brasileiros — afirma Andrea. 

‘O juro alto também embute risco mais alto’

Para o economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini, a saída forte de dólares do país em dezembro tem explicações diversas. Entre elas, os juros nos Estados Unidos, que caíram menos do que se esperava, e, claro, o risco fiscal do Brasil. Ele alerta ainda que, a Selic mais elevada no Brasil embute um risco maior.

Por que dezembro bateu recorde de saída de dólares do Brasil, mais até do que durante a crise de 2008?

Há várias explicações, e a taxa de juros nos Estados Unidos é uma delas. Havia expectativa de que ela caísse um pouco mais forte, mas, com a resiliência da atividade econômica e também do mercado de trabalho e da inflação, o juro está caindo em um ritmo mais moderado.

Com a chegada de Donald Trump a expectativa é de mais inflação e, portanto, de juro mais alto?

A expectativa é de mais inflação com Trump na presidência, o que exigirá do Federal Reserve (o Fed, banco central americano) uma postura mais austera em relação à taxa. Com juro mais alto nos EUA, os investidores neste momento de dúvida acabam indo para os Treasuries (títulos do Tesouro) americanos para proteger seu capital.

O que mais explica a fuga de investidores do Brasil?

A incerteza fiscal por aqui. Isso preocupa porque já temos um descontrole inflacionário, com o IPCA fechando em quase 4,9% este ano. Outro fator é o mercado doméstico aquecido, com crescimento de vendas, o que acabou elevando o envio de remessas de lucros e dividendos mais expressivos de companhias multinacionais.

Mas por que essa saída de dólares acabou sendo maior do que a da crise de 2008?

Nesses momentos de incerteza global, com riscos geopolíticos (Oriente Médio, Rússia e Ucrânia), os investidores tiram os recursos de países emergentes e levam para economias mais seguras. Esse cenário teve mais potencial para levar o investidor a tirar dólares daqui do que na crise de 2008.

Normalmente, quando o Brasil tem juro mais alto, atrai mais recursos de investidores. O que mudou?

Sim, quando o Brasil tem juro alto, o país recebe mais capital para aproveitar essa taxa. O problema é que agora o juro alto também embute risco mais alto, com uma dívida bruta em relação ao PIB crescente. Por isso o investidor saiu.

A possibilidade de taxação da alta renda também poderia ter levado à saída de dólares?

Não acredito. Na verdade é uma taxação de quem ganha R$ 50 mil ao mês. Alta renda a gente sabe que é muito mais que esse valor. Claro que quando a gente compara com a renda medina ado país, que é de R$ 3 mil, os R$ 50 mil são alta renda. Mas, para estímulo de investimento ou saída de capital, R$ 50 mil não é considerado alta renda.

Essa saída recorde se configura como uma fuga de dólares, uma crise?

Não, não é uma crise, que estimule uma fuga de capitais. É um “voo para qualidade”, o chamado fly to quality. Um momento mais para o país colocar as barbas de molho em termos domésticos e globais do que uma preocupação como na crise de 1997, no Sudeste asiático.