Mercado aquecido – O Globo
- Na Mídia
- 02/01/2025
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Desemprego cai para 6,15, menor patamar da história, e reforça pressão sobre inflação e juros
O desemprego renovou a mínima histórica ao cair para 6,1% no trimestre encerrado em novembro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Com o mercado de trabalho aquecido, o número de trabalhadores ocupados atingiu o recorde de 103,9 milhões, O movimento estimula o consumo no momento em que o dólar se mantém no patamar acima de R$ 6 e que a prévia da inflação oficial terminou o ano acima da meta. Além destas variáveis, economistas acrescentam na análise do cenário a necessidade de um ajuste fiscal mais rigoroso do que o governo propôs até agora. O quadro reforça a pressão sobre a taxa básica de juros.
– Tanto os trabalhadores de ocupações elementares quanto os de serviços profissionais mais avançados estão sendo demandados – explica Adriana Beringuy, coordenadora de Pesquisas Domiciliares do IBGE. – O consumo das famílias gera demanda por bens e serviços que precisam ser providos e, consequentemente, o mercado de trabalho tem respondido positivamente com a expansão do número de trabalhadores.
Segundo o IBGE, o país tem 53,5 milhões de pessoas trabalhando no setor privado, número recorde da série, iniciada em 2012. No setor público, são 12,8 milhões de trabalhadores. Já o emprego sem carteira ficou estável no trimestre encerrado em novembro com 14,4 milhões de pessoas.
A pesquisa do IBGE é considerada um retrato abrangente do mercado de trabalho, pois abarca informações sobre vagas com carteira, postos informais, trabalhadores por conta própria e funcionários públicos. Ela tem metodologia diversa do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, que também foi divulgado ontem. Esta última considera apenas os empregos formais, de trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A melhora do mercado de trabalho este ano já mudou a rotina de Adrielle Mozaeli, de 32 anos. Ela vivia há três anos de trabalhos informais como designer de sobrancelhas e manicure, além de contar com a renda do marido, motorista de caminhão. Em novembro, porém, ela conseguiu um emprego de carteira assinada como atendente de uma padaria no bairro onde mora, em Jardim Gramacho, na cidade de Duque de Caxias, Região Metropolitana do Rio. Desde então, passou a consumir mais.
– Passei a ajudar em casa e a presentear a mim e ao meu marido. Não é que dê para gastar muito mais, só deixei de pedir ajuda aos outros. Consegui ter um cartão de crédito. Quero investir em cursos de estética, para um dia trabalhar por conta própria, e penso até em comprar uma casa nova – conta Adrielle, que hoje mora em cima da casa da sogra.
Ajuste fiscal
Há mais pessoas empregadas do que no trimestre móvel anterior, aponta a pesquisa. Somados, os setores da indústria, construção, administração pública e serviços domésticos foram responsáveis por 967 mil novos empregos no trimestre encerrado em novembro.
Como o mercado de trabalho já não está mais ocioso desde a segunda metade do ano, há uma maior pressão sobre preços, especialmente os de serviços, lembra Daniel Duque, economista e pesquisador do FGV Ibre. O cenário levou o Banco Central (BC) a subir juros para conter a inflação. A taxa está atualmente em 12,25% ao ano, mas o BC já indicou dois novos aumentos de 1 ponto percentual cada, o que levaria a Selic a 14,25% ao ano em março. A alta dos juros, porém, tem como efeito desacelerar a economia, o que por fim deve afetar a própria criação de vagas.
Duque pondera que o equilíbrio poderia ser alcançado com um ajuste fiscal mais rigoroso por parte do governo, o que reduziria a pressão sobre o dólar, a inflação e ainda aliviaria o trabalho do BC, diz:
– Como o governo não está fazendo isso, o BC acaba tendo que subir juros. O tamanho da alta vai depender da oscilação do dólar, que por sua vez está ligada tanto ao cenário internacional quanto à capacidade do governo de aprovar medidas de restrição de gastos. Tudo isso constante, acho possível (a Selic subir para até 15% ao ano em 2025).
Embora os economistas ainda vejam quadro positivo para o mercado de trabalho, há sinais de desaceleração que podem ganhar força no próximo ano. Duque estima que a taxa de desemprego suba em 2025 para 6,9%, acima da média deste ano, que está em 6,8%.
Lucas Assis, economista da Tendências, espera que a abertura das vagas – tanto pela Pnad, quanto pelo Caged – ainda apresente certa resiliência no início do ano. No entanto, a trajetória de desaceleração deve ficar mais clara no segundo semestre, sinalizando, segundo ele, o aperto das condições financeiras e a deterioração da confiança.
Escassez de mão de obra
Apesar da perda de ritmo na expansão do emprego, o ano de 2025 ainda deve apresentar taxa média de desemprego de 6,6%, nos cálculos da Tendências.
– É um desemprego ainda reduzido, que pode resultar em escassez de mão de obra, Já vemos isso acontecer em construção, comércio, mas isso pode transbordar para outros setores, ampliando o poder de barganha, mas pressionando custos produtivos e preços – alerta: – Por mais que isso represente um aumento no consumo das famílias, é um risco adicional para o controle da inflação pelo BC.
O economista prevê a atividade econômica perdendo força com o PIB crescendo 1,9% em 2025, após uma estimativa de crescimento de 3,4% este ano.
– Temos um ambiente internacional desafiador, com deterioração da confiança no âmbito doméstico, e isso deve resultar numa desaceleração econômica que gera reflexos no mercado de trabalho geral.
Claudia Moreno, economista do C6 Bank, pondera que o aumento da ocupação impulsiona a atividade econômica e o PIB, mas dificulta o controle da inflação em um ambiente de mercado de trabalho forte.
“Esse cenário reforça nossa expectativa de manutenção do ritmo de alta dos juros, que devem chegar a 15% em junho de 2025, de acordo com a nossa projeção”, resumiu em comentário.
Em novembro, o rendimento real (já descontada a inflação) ficou estável em R$ 3.285 no trimestre, com alta de 3,4% no ano. A massa de rendimento real habitual, que é a soma de todos os rendimentos da população ocupada, atingiu novo recorde em novembro: R$ 332,7 bilhões. O número indica alta de 7,2% no ano.