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Senado aprova pacote de cortes de gastos do governo. Entrevista com Mailson da Nóbrega, Ex-Ministro da Fazenda – CNN Brasil Money

Maílson da Nóbrega, Ex-Ministro da Fazenda fala ao CNN Brasil Money sobre a aprovação, pelo Senado, do pacote de cortes de gastos do governo.

Maílson analisa o cenário atual dizendo que houve algo muito importante que foi perdido, que são as regras para moralizar os inaceitáveis privilégios salariais do Poder Judiciário e do Ministério Público. Ele diz que o governo havia proposto que os “penduricalhos”, quando justificáveis, fossem regulados por lei complementar.

Isso faria com que o assunto saísse para uma lei de natureza constitucional, o que obrigaria não só a União, mas também os estados e municípios. Entretanto, a lei complementar foi alterada para lei ordinária, então só valerá para juízes e procuradores do governo federal.

Porém, os maiores escândalos de remuneração e o maior volume de dinheiro direcionado a esses altos funcionários acontecem nos estados. Portanto, foi uma manobra que subtraiu juízes e procuradores estaduais da medida, que era, como Maílson reafirma, a mais importante.

Haddad disse que vai haver uma desidratação do pacote fiscal de R$ 1 bilhão. Por outro lado, o economista Tiago Sbardelotto, da XP, falou que ela seria de R$ 8 bilhões na verdade. 

Quando questionado sobre como vê esse cenário, Maílson diz que certamente está mais perto de R$ 8 bilhões do que de R$ 1 bilhão. Os cálculos estão sendo feitos e o governo perdeu parte do que economizaria com o fundo do Distrito Federal.

Maílson acha que, mesmo que seja o número do Ministro da Fazenda, não é suficiente para atacar o problema da crescente elevação da relação entre a dívida pública e o PIB. Ela vai continuar crescendo e, para estabilizar essa relação e depois começar a diminuí-la, será necessário um superávit primário entre 2% e 3% do PIB. O governo está prometendo estabilidade, portanto, não há superávit.

A questão é saber se a calma que hoje prevalece no mercado financeiro em relação ao dólar e aos juros futuros vai continuar. Maílson diz que é difícil de dizer, mas não surpreenderá se, em algum momento, esses dois indicadores começarem a subir novamente.

O problema básico, que gerou a crise de confiança no governo, foi a questão fiscal, e ela não foi resolvida, pelo contrário. E provavelmente não será, porque não haverá contribuição dos juízes federais e estaduais, o fundo do Distrito Federal terá uma contribuição menor e assim por diante. 

Ao ser questionado sobre se, o pacote, na forma como estava antes, feito pelo executivo, era ok e o problema foi agora, com a mudança no Congresso ou se, já na forma como foi entregue, tinha problemas, Maílson diz que, na forma como foi proposta ao Congresso, o pacote tinha pontos muito interessantes e bons.

Ele cita como exemplo o ataque aos privilégios inaceitáveis da magistratura e do Ministério Público, mas isso praticamente desapareceu, foi desidratado. Tem a questão da contribuição para o Fundeb e muitas outras coisas interessantes, mas o ponto que todos destacaram, e isso é uma opinião unânime entre os analistas, inclusive na Tendências, é que ele não é suficiente para resolver o grave problema fiscal.

O que aconteceu foi que o mercado financeiro, na opinião de Maílson, caiu na real. O mercado achava que o novo arcabouço fiscal iria gerar um movimento de melhora da solvência do governo, mas agora se dá conta de que isso não aconteceu. E, pior do que isso – e o que Maílson acha que foi mortal para a credibilidade do pacote – foi a ideia de colocar no meio do corte de despesas uma renúncia de receita, como a isenção para quem ganha até R$ 5 mil  no Imposto de Renda. 

O ministro da Fazenda falou que isso é uma questão de comunicação, mas Maílson acredita que não é. Ele ressalta, inclusive, que, se for de comunicação, é contra, porque o presidente Lula vive dizendo que o Brasil não tem problema, que o problema é o Banco Central e o mercado financeiro, mas não é isso.

O problema é uma questão estrutural grave, decorrente de uma rigidez  sem paralelo no mundo da questão fiscal. 96% dos gastos primários do Governo Federal são de natureza obrigatória, segundo cálculos da Tendências. Sobraria 4% para financiar demais atividades do governo, ciência e tecnologia, seguro rural e mais. Isso é insustentável, até porque os gastos obrigatórios continuarão subindo além do ritmo de crescimento dos gastos gerais. 

Tem também a questão do salário mínimo. O governo fez uma espécie de “gambiarra”, dizendo que o salário mínimo vai obedecer ao teto de expansão do gasto público, que é 2,5%. Acontece que o indicador adequado para tratar de salário é a produtividade, não é uma regra fiscal. Mas, seja como for, se a economia crescer mais de 2,5%, provavelmente os salários vão crescer pelo menos 2,5% e continuarão impactando o gasto previdenciário. 

Maílson diz que, se você olhar os cálculos do próprio Ministério do Planejamento, que indicaram que a revinculação do salário mínimo aos gastos previdenciários vai custar R$ 1,3 trilhão em 10 anos, isso dá uma média de R$ 130 bilhões por ano. Não é assim, porque começa de um certo valor e depois vai crescendo. Mas, vamos supor que o custo adicional da vinculação do salário mínimo aos gastos previdenciários seja de R$ 90 bilhões. O que o governo está prometendo economizar são R$ 30 bilhões. Se o presidente tivesse aceitado a ideia proposta pela área econômica – e tudo indica que isso teria acontecido – estaríamos em outro cenário.

Maílson não vê como o governo vai tirar de sua cartola alguma mágica que permita, com as limitações atuais, um resultado fiscal maior com medidas adicionais que venham a ser adotadas.

O Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse “que o Judiciário não é um peso relevante na questão fiscal brasileira e que vive com o mesmo orçamento desde 2017, apenas com o reajuste da inflação. Em termos de participação no PIB, tem em torno de 1,2% ou 1,3%, mas se tomarmos a participação de há 10 anos, foi expressivamente reduzida.”

Sobre essa fala, Maílson diz que, apesar de respeitar muito o Ministro Barroso, lamenta a fala dele, porque essa comparação não é adequada. “Eu posso amanhã dizer que os funcionários da Receita Federal não são relevantes no gasto público e não são mesmo. O Judiciário tem um número muito menor de funcionários e tem muito menor gasto de custeio. Então, ele não é relevante.”

Maílson diz que essa é uma questão moral, principalmente no momento em que todo o país está sofrendo os efeitos de um desequilíbrio fiscal grave, que está redundando numa crise de confiança que poderá levar o país para um problema muito sério em poucos anos, até meses. Ele diz que não é o momento de fazer uma declaração dessa.

Maílson explica que não é aceitável, por exemplo, que a gente veja na maioria dos estados juízes ganhando R$ 100 mil por mês. Não tem um funcionário público que ganha isso. Pior: só 60% desse salário paga Imposto de Renda em cima de tudo isso. Ele diz que é injurioso. Ele acredita que essa é uma questão moral que tem que ser atacada e que não cabe o privilégio ao que hoje é uma casta do serviço público.

A grande mudança no pacote fiscal, que Maílson acha  que não foi realçada até agora pelo que vê por alguns analistas, é a marotagem que o relator fez para mudar uma palavra de complementar para ordinária, como foi mencionado no começo.

A Proposta do governo era que os penduricalhos fossem regulados por lei complementar, que é uma lei com natureza constitucional e, portanto, obriga a União, os estados e os municípios. E mais: até resolver isso estão suspensos todos esses penduricalhos. O que o relator fez? Tirou a suspensão e marotamente mudou.

“Ora, se é ordinária, só vai valer para a União. Os estados que têm Judiciário e Ministério Público ficaram fora. Portanto, o grande vitorioso desse pacote fiscal é a casta dos magistrados e procuradores. Eles ficaram fora do pacote. E eles são a parte mais grave, mais cara desse processo. Portanto, o Ministro devia ter pensado duas vezes antes de fazer essa declaração, porque ele fez uma declaração baseada numa conta aritmética. Não é assim que se faz.”

Revisão de gastos

Haddad, em café com vários jornalistas, disse que a revisão de gastos tem que ser rotina, que não pode ser extraordinária, não pode ser surpreendente. Ele defendeu, portanto, novas medidas de ajuste e falou que a ideia, depois desse pacote fiscal ser aprovado, se aprovado no Congresso, a tendência seria novos cortes acontecerem ao longo dos próximos anos, mas de forma rotineira, sem ser algo extraordinário. Ele também disse que a direita não quer pagar impostos diante desses cortes do fiscal, mas também disse que a esquerda não quer cortar gastos.

Sobre a primeira fala, Maílson diz que ele tem certa razão. É preciso estar permanentemente avaliando o gasto público e cortando onde não for necessário. Não é como se isso fosse feito todo dia, mas estamos introduzindo para proposta do Ministério do Planejamento a ideia da reavaliação ou avaliação periódica dos gastos públicos.

Já sobre a segunda fala, Maílson acredita que não é a direita nem a esquerda que estão contra esse pacote. São os ricos, e tem rico de esquerda e rico de direita. 

Um cálculo feito por um professor do INSP indica que quem ganha acima de R$ 50 mil paga uma líquida de Imposto de Renda efetiva de 13%. Maílson diz que pode garantir que todas as secretárias desses ricos pagam mais imposto de renda proporcionalmente do que eles. Isso é uma questão que está sendo discutida no mundo inteiro, no G7, no G20, na OCDE, que estabeleceu um piso mínimo de contribuição.

O erro de todo esse processo, de acordo com Maílson, foi enfiar essa questão do Imposto de Renda no pacote fiscal, porque tem um impacto de renúncia, que tem um sentido oposto ao da necessidade de ajuste fiscal.

Ele diz que outro erro é introduzir uma novidade que tem sua lógica, está sendo debatida em todo o mundo, mas precisa ser discutida, debatida, ir para seminário, vai ter artigo, é coisa para 2, 3 anos para assentar um certo consentimento da sociedade e do sistema político para essa mudança fundamental, que é justificável para a cobrança do Imposto de Renda dos mais ricos.

Situação do câmbio

Sobre a questão do câmbio, Haddad disse que seria necessário corrigir o que ele chamou de escorregada do dólar e também falou que foi um problema de comunicação no fim do ano que levou à valorização do dólar.

Maílson acredita, no entanto, que não foi uma falha na comunicação por parte do governo que fez o dólar dar essa escorregada. Ele ressalta que respeita muito o ministro Haddad, que é uma pessoa sensata e que foge do padrão mental do PT, sendo um homem responsável.

Maílson diz que isso tudo é uma questão estrutural. Se o governo diz que isso é falha de comunicação, a culpa é dele por informar mal. Ele ainda menciona algo que achou patético: o ministro da Comunicação dizer que tudo isso aconteceu por causa de uma fake news. Realmente existiu essa fake news, mas ela foi rapidamente esclarecida e não é nem de longe a causa dessa pressão e da subida forte do dólar.

Há uma questão real, grave, estrutural, que é a insustentabilidade do sistema de finanças públicas do Brasil, particularmente do governo federal, e o risco de continuidade de uma relação entre a dívida e o PIB, que vai chegar a 90% daqui a seis, oito anos.

O problema do Brasil difere profundamente daquele imaginado tanto pelo presidente Lula quanto pelo ministro Pimenta, por maior respeito que eles mereçam da opinião pública e de Maílson, particularmente.

Cenário para 2025

Maílson acredita que uma reforma do Imposto de Renda é justificável hoje. Ele diz que tem gente muito competente no governo trabalhando nisso, como o secretário Bernard Appy, aponta que existem privilégios para a classe média alta e rica no Imposto de Renda e que não há nenhuma justificativa econômica e social para abater gastos com saúde e educação do Imposto de Renda. Isso não ocorre em quase nenhum lugar do mundo. Esses são alguns privilégios, mas outros poderiam ser mencionados, como isenções para certos investimentos, por exemplo.

O ponto mais importante é que o mercado passou a desconfiar do governo. Ou seja, a ideia que o Lula acalenta, de que basta ele falar e as pessoas acreditam, não funciona. O governo dele está gastando mais do que tem e isso se agravou com a PEC da transição e a reintrodução da vinculação do salário mínimo à Previdência.

Maílson viu o ministro da Casa Civil repetir várias vezes que o governo não abre mão da responsabilidade fiscal, mas depende muito de como ele define responsabilidade fiscal. No entendimento de Maílson, responsabilidade fiscal é evitar um desequilíbrio que produza um crescente endividamento insustentável do governo federal.

Existem medidas que poderiam mudar a percepção do mercado. Maílson aponta quatro coisas que seriam como um tiro de canhão na credibilidade do governo, embora não tenha esperança de que serão adotadas.

Primeiro lugar: anunciar que o governo desiste, pelo menos por hora, de dar isenção para quem ganha até R$ 5.000. É preciso estudar melhor, debater e avaliar as consequências fiscais disso.

Segundo lugar: apresentar uma proposta de reforma constitucional, eliminando a vinculação do salário mínimo à aposentadoria. O salário mínimo deveria crescer à medida que o país cresce em produtividade, pois isso não gera efeitos inflacionários e permite que o trabalhador se aproprie de parte dos ganhos de produtividade da economia.

Terceiro lugar: apresentar uma proposta de emenda constitucional para desvincular os gastos com saúde dos impostos, tanto na União quanto nos estados e municípios.

Quarto lugar: incluir nessa mesma emenda a desvinculação dos gastos com educação. Claro, tudo isso poderia ser uma única emenda.

Maílson acredita que são quatro ideias que gerariam uma mudança estrutural importante para o futuro e, no presente, seriam um sinal poderoso de compromisso do governo Lula com a responsabilidade fiscal.

Se essas mudanças não forem feitas e a desconfiança continuar, voltaremos a enfrentar problemas como aumento do dólar, juros altos e inflação elevada. A inflação alta é mortal para a popularidade de qualquer presidente e pode afetar a competitividade de Lula na sua batalha pela reeleição. Portanto, Maílson diz que Lula faria bem a si mesmo se ouvisse o ministro Haddad e a ministra Simone Tebet, que acredita que apoiariam ideias desse tipo.

É importante lembrar que uma das promessas de campanha de Lula era baixar a inflação, algo que ele conseguiu em certo momento, mas que agora parece voltar a subir. Por outro lado, o desemprego caiu, o que também era uma promessa de campanha e que, até agora, ele conseguiu entregar.

O boletim Focus de janeiro de 2024 previa que terminaríamos o ano com um déficit primário de 0,8% do PIB, mas agora a previsão mudou para 0,5%. Essa é claramente uma mudança positiva, mas Maílson diz que ela decorreu do aumento da receita e não de corte de gastos. Pelo contrário, os gastos aumentaram, chegando perto de R$ 400 bilhões no governo federal. Mas, sim, foi uma mudança positiva.

Mesmo que Lula tome ações corajosas, Maílson acredita que ainda resta a dúvida se ele conseguirá convencer a sociedade. Infelizmente, a sociedade comprou muitas das teses das corporações, particularmente na área da educação. Pesquisas mostram que os brasileiros acreditam que a educação melhora com mais gastos, mas isso nem sempre é verdade. O Brasil gasta proporcionalmente mais com educação do que os Estados Unidos e a China, mas com resultados muito inferiores.

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