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Para analistas, câmbio reflete questão fiscal – O Estado de S. Paulo

A pedido do ‘Estadão’, economistas escrevem sobre disparada do dólar intensificada após o anúncio do pacote considerado tímido

Especialistas dizem que a falta de sustentabilidade fiscal é base para a disparada do dólar desde que o pacote de cortes de gastos foi anunciado. No dia 27 de novembro, data da divulgação das medidas, a moeda americana estava cotada a R$5,938 – ontem, fechou em R$ 6,091, uma alta de 2,6% em menos de um mês.

O descontrole das contas do governo se reflete também nos juros, o que torna a situação mais crítica. “No caso dos juros altos, não há investimento produtivo que supere uma taxa nominal acima de 15% ao ano. Dessa forma, ao empresário resta colocar o seu dinheiro para render”, escreveu a pedido do Estadão Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.

Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências, a avaliação do mercado é de que o arcabouço fiscal, sancionado há pouco mais de um ano, não vai conter a trajetória de crescimento da dívida. “A saída para interromper o círculo vicioso será um ajuste fiscal ainda mais profundo e doloroso do que o atualmente em discussão.”

Segundo Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, “a profunda deterioração dos preços de ativos reflete a magnitude do desarranjo político, econômico e institucional que vive o País”. A seguir, o que escrevem os especialistas:

Dólar alto é problema, mas juro é bem pior

Luís Otávio Leal (Economista-chefe da G5 Partners)

Começamos com uma afirmação peremptória – o mercado está disfuncional. E não porque o dólar está ao redor de R$ 6,15, mas porque boa parte da curva de juros reais está acima de 7% ao ano.

Por que o problema está nos juros, e não no câmbio? Porque a economia se ajusta ao câmbio. Sim, teremos uma mudança de nível de preços, isso gera inflação, o País fica mais pobre em termos relativos, mas vida que segue.

Já no caso dos juros altos, não há investimento produtivo que supere uma taxa nominal acima de 15% ao ano e, principalmente, uma taxa real acima de 7% ao ano. Dessa forma, ao empresário resta colocar  seu dinheiro para render.

Portanto, se o mercado demorar muito para voltar ao normal, só nos restará fazer como na música do Raul Seixas e “alugar o Brasil!”.

Ausência de controle fiscal cobra seu preço

Silvio Campos Neto (Economista da Tendências)

Embora possa parecer paradoxal, um ano ainda marcado por uma boa performance econômica, com crescimento acima de 3% pelo quarto ano consecutivo e desemprego baixo, terminará sob crescente pessimismo e desconfiança por parte dos agentes econômicos.

A crescente percepção de insustentabilidade fiscal está cobrando seu preço, com a avaliação de que um novo arcabouço não será suficiente para conter a dinâmica ascendente da dívida pública, além dos sinais reforçados de que o governo – e o mundo político de forma geral – não tem uma agenda capaz de reverter o quadro.

O estresse dos mercados não é por acaso, e o arcabouço fiscal aprovado em 2023 já se mostrava insuficiente para estabilizar a dívida pública. A saída para interromper o círculo vicioso será um ajuste fiscal ainda mais profundo e doloroso do que o atualmente em discussão.

Novo arcabouço fiscal gera desconfiança

Rafaela Vitória (Economista-chefe do Inter)

Os desafios para 2025 serão muitos. Vamos iniciar a segunda metade do governo com enorme desconfiança no novo arcabouço fiscal, o que levou à recente desvalorização do dólar, aceleração da inflação e um novo ciclo de aperto monetário, que promete ser um dos mais restritivos dos últimos 20 anos.

O impacto do novo patamar de câmbio será uma aceleração da inflação, que já se encontra acima da meta, em 4,9%. A maior inflação tende a reduzir o poder de compra das famílias, principalmente as de baixa renda, e podemos ver um novo aumento do comprometimento de renda e deterioração da inadimplência. Por outro lado, o real desvalorizado pode beneficiar a balança comercial e levar a um aumento do superávit, resultado de uma esperada redução das importações, que cresceram 8% em dólar em 2024, com demanda interna mais aquecida.

Corrigir as contas só pela receita gerou fadiga

Gabriel Leal de Barros (Economista-chefe da ARX Investimentos)

O governo Lula 3 se assemelha, em larga medida, ao governo Dilma, cujos erros de condução da política econômica, materializados na então Nova Matriz Econômica (NME), culminaram em uma crise.

O pacote fiscal recém-anunciado, que deveria corrigir os excessos de origem, foi tímido e insuficiente. A renovação de promessas não entregues de economia com o “pente-fino” voltaram à pauta, que contém ainda muitas medidas que buscam ampliar a flexibilidade orçamentária, mas que não significam economia fiscal efetiva.

A falta de senso de urgência e a estratégia unilateral de consolidação fiscal pelo lado da receita fadigaram os agentes políticos e econômicos. A profunda deterioração dos preços de ativos reflete a magnitude desse desarranjo político, econômico e institucional que vive o País. O resultado não está bom.