Saiba o que rolou no primeiro painel do evento “Perspectivas 2025 e a agenda da Reforma Tributária” da Tendências
- Macroeconomia e política
- 10/12/2024
- Tendências
O evento aconteceu no dia 04 de dezembro de 2024, em São Paulo. Na ocasião, Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio fundador da Tendências, Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências, e Rafael Cortez, sócio responsável pela análise de risco político da Tendências, trataram de temas como o cenário para a economia brasileira no próximo ano, o crescimento esperado para os principais setores, as diferenças de desempenho entre as regiões do país, além da perspectiva para o ambiente político na segunda metade do governo e como ele influenciará a economia.
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Futuro da economia brasileira
Maílson da Nóbrega inicia sua fala mencionando Hemingway, que, ao ser questionado sobre como acontece a evolução de uma crise financeira, mencionou duas etapas, sendo a primeira vagarosa, e a segunda, repentina. Maílson acredita que este é o caminho que a economia brasileira deve seguir nos próximos meses/anos por conta das vulnerabilidades enfrentadas atualmente, principalmente na questão fiscal.
No cenário geral, tanto internacional quanto nacional, é possível identificar incertezas e cenários desafiantes. Maílson cita, por exemplo, as guerras em andamento. Segundo ele, a guerra em Gaza e no Líbano pode escalar para o Oriente Médio, com efeitos nos preços do petróleo, nos fretes e no tráfego pelo Canal de Suez. Já com relação à guerra na Ucrânia, ele lembra que o porta-voz do governo russo concedeu uma longa entrevista à Folha de São Paulo em que mencionou várias vezes a possibilidade de uma guerra nuclear. A depender de como a relação entre eles e o ocidente evoluir, isso seria uma grande catástrofe. Dificilmente a humanidade poderia sobreviver a uma guerra nuclear total.
Rafael Cortez e Alessandra Ribeiro, por sua vez, destacam como pontos de atenção o alinhamento do Brasil com os outros países do BRICs e a tensão dos Estados Unidos com a China.
Impactos do governo Trump na economia
A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos é um dos fatores que devem gerar dificuldades para a economia brasileira. De acordo com Maílson da Nóbrega, o político está indicando cada vez mais que as suas ideias irão prevalecer, diferentemente do que aconteceu durante o seu primeiro mandato, em que ele não era uma figura tão respeitada, nem mesmo pelo Partido Republicano.
Maílson explica que, se olharmos para o rol de pessoas que estão sendo indicadas, elas em sua maioria pensam como Trump e farão o que ele quiser, até porque concordam com suas ideias. Isso pode ser muito importante, por exemplo, do ponto de vista das tarifas, já que ele chegou a cogitar 10% a 20% para todos os produtos, 60% para itens chineses e até 500% para veículos elétricos. Além disso, recentemente foi anunciado que, apesar do tratado de livre comércio que os Estados Unidos têm com Canadá e México, haveria uma tarifa para parceiros, o que viola um princípio básico desse tipo de acordo, a tarifa externa comum.
Essas mudanças tendem a ter efeitos inflacionários, que levarão o Banco Central norte-americano a elevar os juros. Isso, por sua vez, leva a valorização do dólar, com consequente desvalorização do real, impacto inflacionário, juros mais altos e assim por diante no Brasil.
Além disso, há também a ideia de reduzir a tributação das empresas e, possivelmente, pessoas físicas. Isso teria impactos no déficit norte-americano, que já é gigantesco e se aproxima de 9% do PIB este ano. Se acontecer uma queda na arrecadação que não seja compensada (Elon Musk promete economizar 2 trilhões de dólares ao rever as despesas do Estado), isso significa pressão inflacionária da mesma forma e na mesma direção que as tarifas.
Outro ponto polêmico é a ideia de Trump de deportar entre 11 e 15 milhões de imigrantes ilegais. Maílson questiona: Como é possível localizar essas pessoas? Quais serão os efeitos disso na economia? Segundo ele, trata-se de um choque de oferta negativo, particularmente para a agricultura, dado que aproximadamente metade da força de trabalho na agricultura norte-americana é composta por imigrantes ilegais.
Tudo isso significará um aumento nos custos da mão de obra, pois será necessário fazer novas contratações, com os mesmos efeitos: maior inflação, aumento dos juros, valorização do dólar e os mercados mundiais sofrem. O Brasil é um exemplo de país que será bastante impactado caso o governo Trump avance com essas ideias, apresentando menor potencial de crescimento.
Crise fiscal na economia brasileira
Maílson da Nóbrega comenta que o pacote fiscal recém-divulgado não atendeu às expectativas do mercado. Ele reconhece que o mercado exagerou na reação e na previsão das consequências, mas ainda assim, “o pacote serve para, no máximo, oferecer uma sobrevida ao arcabouço fiscal até 2026”. Segundo o ex-ministro, o cenário a partir de 2027 depende do que vier a acontecer, de quem for eleito, de qual o programa for escolhido, e assim por diante.
Maílson acredita que tenha ficado claro para os avaliadores de risco do Brasil, tanto internos quanto externos, que não há como estabilizar e reduzir a relação entre a dívida e o PIB, principal indicador de solvência do setor público. De acordo com ele, esse é o “calcanhar de Aquiles” brasileiro, e é por aí que a crise pode vir: uma queda na confiança pela percepção de que a relação entre dívida e PIB deve adquirir uma trajetória explosiva.
“Atualmente, o Brasil está classificado entre os piores. Quando você olha os países mais endividados por esse critério, estão Ucrânia, Egito, Líbia, Nigéria… Não estamos em boa companhia nesse quesito”, afirma.
Outro ponto que merece destaque é a produtividade. Segundo Maílson, o país está estagnado, mas não porque gasta menos, como afirma o presidente Lula. “O PT, desde sua fundação, tem uma percepção de que o que impulsiona a atividade econômica é o gasto. Gasto é vida. Portanto, o partido só acha que o Brasil cresce se o governo gastar mais. No caso do Lula, há uma particularidade inédita no mundo, que é uma classificação distinta de gasto. Para ele, colocar dinheiro em educação, por exemplo, não é gasto, e sim investimento social”.
Maílson explica que esta é uma contabilidade esquisita, que dá a impressão de que o governo não entende a restrição orçamentária, que é um limite de gastos aplicável tanto a famílias quanto a empresas.
Nesse contexto, não há nada que leve o Brasil a fazer o chamado dever de casa na questão fiscal. De acordo com Maílson, o arcabouço fiscal pode ir até 2026, mas também pode haver um colapso de expectativa antes disso. Infelizmente, esse tipo de acontecimento não é previsível – como dizia o economista e professor alemão Rudiger Dornbusch, a crise demora mais do que se pensa para chegar, mas é muito mais rápida do que se imagina.
Maílson cita ainda que “o mercado não tem como precificar esse momento, porque o desconto seria gigantesco e poderia ser uma aposta errada. Assim, devemos nos preparar para o pior”.
O Brasil está preparado para a crise?
Maílson da Nóbrega acredita que sim e diz que nunca estivemos tão preparados, por uma série de avanços institucionais na economia que tornaram o Brasil mais resiliente. Do lado econômico, o agronegócio e o setor mineral são fundamentais. Eles fortalecem o balanço de pagamentos e geram robustos superávits comerciais. “Também contamos com um sistema financeiro sólido, sofisticado e bem regulado. Não por acaso, o Banco Central brasileiro foi eleito como o melhor do mundo este ano por uma revista europeia”, lembra ele.
Nesse sentido, há uma revolução pouco percebida: o papel crescente do mercado de capitais na oferta de crédito. Nos últimos cinco anos, o crédito pelo mercado de capitais evoluiu 300%, enquanto o crédito típico do sistema bancário cresceu 150%. Logo, o mercado de capitais já é o maior fornecedor de crédito em termos percentuais, o que pode ter um efeito positivo adicional: no caso de uma crise, o impacto na economia seria menor, já que o mercado de capitais não seria tão afetado quanto o sistema bancário.
Maílson também menciona que o Brasil tem sete das dez melhores universidades da América Latina e está na vanguarda do chamado “power shoring” no campo da energia. “A indústria do futuro, como inteligência artificial, é altamente consumidora de energia. Os países mais competitivos são aqueles que possuem energia abundante, limpa e barata”. Segundo ele, o Brasil reúne facilmente duas dessas condições, mas não a terceira, já que, em suas palavras, “há muitos ‘penduricalhos’ na conta de luz que precisam ser eliminados”.
Além disso, Maílson cita que o Brasil conta com empresas competitivas e de presença global, como Embraer, Vale, entre outras. “Elas estão muito mais preparadas para defender seu caixa, acompanhando a conjuntura e buscando entender o ambiente macroeconômico, de modo a prevenir eventuais crises”.
Perspectivas para os próximos anos
Rafael Cortez acredita que o ano de 2025 será marcado como um período de transição, com o potencial de estabilizar a percepção de crise que, atualmente, está bastante acentuada. Esse cenário inclui fatores como a volatilidade do dólar, a perspectiva de taxas de juros mais altas e a necessidade de controlar esses elementos para reduzir os ruídos no mercado. Isso poderá resultar em dois desdobramentos: um cenário em que os riscos são controlados, dissipando ruídos excessivos, ou outro em que a atual percepção de risco se consolida como um novo equilíbrio.
O próximo ano será especialmente importante do ponto de vista econômico, mas também há que se considerar os impactos políticos, em linha com o ciclo eleitoral. “Será um período crucial para condicionar as chances do governo atual de conquistar a reeleição em 2026 e para definir quem poderá ser o seu principal rival”, explica Rafael.
Nesse contexto, debates e análises tornam-se fundamentais para projetar os caminhos econômicos e políticos. “As projeções precisam considerar tanto as tendências internacionais quanto as questões domésticas, o que gera quatro cenários possíveis: mundo bom e Brasil bom, mundo ruim e Brasil ruim, mundo bom e Brasil ruim, ou mundo ruim e Brasil bom”.
Ele explica que, até 2024, vivemos em um mundo relativamente controlado, com a inflação desacelerando, políticas monetárias eficazes e riscos geopolíticos sob controle. Apesar de este não ser um ambiente perfeito, ofereceu estabilidade para os países emergentes continuarem seus processos de desenvolvimento. No entanto, desde então, surgiram novos desafios, como tensões geopolíticas e uma desinflação mais complicada do que o esperado, além de choques que atrasaram a flexibilização monetária.
O cenário global mais desafiador impactou diretamente o Brasil, expondo uma maior vulnerabilidade e evidenciando problemas internos. A grande questão para 2025 é se será possível evitar a combinação de um mundo mais difícil com um Brasil ainda mais vulnerável, o que comprometeria ainda mais a estabilidade econômica e política no país.
Alessandra Ribeiro explica que “quando olhamos a performance da economia brasileira nos últimos quatro anos do pós-pandemia e, agora, nesses últimos três anos, é possível identificar um crescimento muito expressivo, com números que realmente surpreendem os economistas”. Mas, então, de onde está vindo esse pessimismo? Porque a economia deve desacelerar a partir desse conjunto de elementos?
Primeiro, segundo ela, é importante entender por que a economia está tão forte. “Há elementos estruturais e elementos conjunturais. No quesito estrutural, destacam-se as reformas realizadas de 2016 para cá, que garantem, sim, um aumento do potencial de crescimento. Porém, esse aumento é avaliado como algo próximo de 2%. O fato é que, nos últimos três anos, a economia está crescendo mais de 3%. E aí entram os elementos conjunturais, que são importantes e têm um peso muito significativo, principalmente o fiscal. O aumento nos gastos públicos está incentivando o consumo e impactando o investimento”.
Assim, a economia cresce acima do seu potencial, como dizem os economistas. No entanto, os desequilíbrios estão começando a aparecer.
Alessandra diz que estamos enfrentando um quadro de inflação mais elevada e um déficit em transações correntes mais alto. Os desequilíbrios estão aparecendo, e essa é a ideia – o custo dessa conjunção de cenários externo e doméstico se tornará visível. A expectativa, portanto, é de que a economia desacelere.
Obviamente, isso não acontecerá de forma abrupta. Deve ser um processo gradual, mas a partir de meados de 2025, deve ocorrer um movimento mais expressivo de desaceleração, que deve culminar em um maior risco em 2026.
Nesse sentido, Rafael espera um governo potencialmente mais desesperado em 2026, que deve “meter os pés pelas mãos”, seja em relação ao Banco Central, seja na política econômica, em uma tentativa de garantir a sua reeleição, o que pode impulsionar um cenário mais pessimista.
Enquanto no cenário básico a Tendências está considerando crescimentos de 1,7% em 2025 e 2% em 2026, no cenário pessimista esses valores devem ficar mais próximos de 1%.
Esse ponto é essencial: a combinação de um cenário externo mais difícil, com dólar apreciado e juros elevados devido à alta inflação no exterior se soma à menor eficiência econômica resultante de políticas como as do Trump em relação ao comércio exterior. Isso impacta a economia brasileira por meio da desaceleração global, enquanto enfrentamos também nossos dilemas domésticos, como o aumento da percepção de risco e o aperto das condições financeiras.
Espera-se que essa conjunção mais negativa leve a uma dinâmica de esfriamento da economia brasileira nos próximos trimestres, especialmente a partir de meados do próximo ano.
Alessandra diz que outro vetor importante é o câmbio: “Estamos vendo uma taxa já bastante depreciada, que recentemente superou os R$ 6,10 à luz do anúncio do pacote de corte de gastos, que veio cheio de elementos problemáticos”.
A questão é: por que tamanha depreciação do real? Mesmo quando comparado a outras moedas emergentes, o real apresenta uma tendência de desvalorização mais expressiva. Isso reflete uma piora na percepção de risco em relação à economia brasileira, em grande parte devido a problemas fiscais.
Cenário político
Segundo Rafael Cortez, algumas questões serão especialmente relevantes para o cenário político futuro.
A primeira delas é a eleição para as casas legislativas: “Embora atualmente tenhamos um cenário com Hugo Motta na Câmara e Davi Alcolumbre no Senado, não há um problema de governabilidade tradicional, pois contamos com uma ‘mão de ferro’, tanto de Arthur Lira, em certa medida, quanto de Rodrigo Pacheco. Eles formam grupos de trabalho, cortam a tramitação e, quando querem que algo passe, simplesmente passa. Não há mais aquela demora, como antes, com PECs, por exemplo”.
Qual seria, então, o risco para 2025? Rafael acredita que esse cenário de “mão de ferro” de Lira, que comandou a Câmara com êxito, não se sustentará. Espera-se uma divisão dentro do chamado Centrão, o que fará com que a votação de muitos projetos seja difícil. “Com isso, o governo precisará, a partir da eleição das casas legislativas, manter uma mínima unidade”, diz.
“Caso o Centrão realmente se divida, ele se tornará quase uma ‘chantagem’ ao governo, forçando emendas muito fortes, o que levaria a votações mais demoradas. Porém, pode ser que, em 2025, essas condições se rompam, já que não será fácil manter os quase 500 votos que Lira obteve. Agora, será interessante ver qual o nível de apoio a Hugo Motta, que é o favorito. Esse é um fator importante a ser observado”, explica Rafael.
A segunda questão é a realização de uma reforma ministerial. As eleições de 2024 mostraram uma esquerda muito fraca – muito provavelmente, o governo colocará Arthur Lira e Rodrigo Pacheco dentro de sua equipe ministerial, com o objetivo de fortalecer o cenário descrito por Rafael, a fim de evitar a divisão do Centrão. Se ela ocorrer, não haverá votos, pois não se terá maioria, e o processo de votação se tornará muito mais difícil. Portanto, a reforma ministerial é fundamental para garantir unidade.
A terceira questão gira em torno das investigações da Polícia Federal envolvendo o ex-presidente Bolsonaro e seu núcleo político. Por que isso é importante? De acordo com Rafael, 2025 será o ano em que os partidos de centro-direita decidirão se continuam com o governo Lula ou se afastam: “Para isso, o ‘barco’ precisa parecer minimamente seguro”, explica ele. E as investigações terão impacto – o ex-presidente Bolsonaro ou seu núcleo podem ser a chave para essa mudança de rumo.
Caso o governo se mostre muito instável, isso pode resultar em uma debandada da coalizão para uma candidatura de oposição. Se houver muito barulho dentro da direita, o custo de saída do governo será grande, o que dará algum fôlego para controlar sua coalizão.
“Tudo isso certamente terá impactos na questão fiscal. Discutimos muito a política para entender o ambiente legislativo e como ele afetará a dinâmica fiscal. Mesmo com uma política econômica relativamente responsável e o governo tentando encaminhar um pacote de gastos, vemos muitas dificuldades para se fechar as contas em 2025 e 2026”, conclui Rafael.
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