Pacote de corte de gasto é insuficiente para cumprir meta de resultado zero em 2025, dizem analistas – O Globo
- Na Mídia
- 09/12/2024
- Tendências
Governo prevê economia de R$ 30,6 bi com medidas. Para especialistas, será preciso contar com receitas extras e congelamento de recursos no próximo ano
O pacote de contenção de gastos anunciado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva pode ser insuficiente para garantir o cumprimento da meta de resultado primário zero em 2025, avaliam especialistas em contas públicas. Ainda que esse não fosse o objetivo principal do pacote, focado em adequar as despesas ao limite do arcabouço fiscal, era um efeito colateral desejável por analistas, sobretudo considerando o propósito final de colocar as contas no azul e estabilizar a dívida pública. No próximo ano, o governo prevê economizar R$ 30,6 bilhões com as medidas.
Essa frustração, junto com temores gerados pela proposta de aumento da isenção do Imposto de Renda (IR), vem contribuindo para manter o dólar ao redor do recorde histórico de R$ 6. Para economistas, o pacote avança com alguns ajustes estruturais nas despesas obrigatórias, mas, sem reforço das medidas no Congresso, o governo deve continuar dependente de receitas extras e incertas e do congelamento de recursos para fechar as contas em 2025.
Assim como neste ano, a meta fiscal de 2025 é zero, com intervalo de tolerância de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) — entre déficit de R$ 30,97 bilhões e superávit de R$ 30,97 bilhões. No Prisma Fiscal de novembro, a mediana aponta para rombo de R$ 89,6 bilhões — a pesquisa é feita pelo Ministério da Fazenda junto ao mercado. No Boletim Focus, do Banco Central, a estimativa de déficit não se mexeu após a apresentação das medidas, mantendo-se em 0,7% pela sexta semana consecutiva.
Pente-fino é dúvida
Algumas medidas não devem abrir de fato espaço no Orçamento. É o caso da regra que determina que 50% das emendas de comissão devem ir para a Saúde. O Executivo conta que a iniciativa deve economizar R$ 6,7 bilhões, mas economistas argumentam que as verbas parlamentares não diminuirão, só foi definido um destino certo para parte do montante, referendando o que ocorre na prática.
Há dúvidas sobre o sucesso das medidas de pente-fino em poupar recursos. Neste ano, inicialmente o governo previa poupar R$ 10 bilhões com a revisão de cadastros no INSS. Essa projeção caiu para R$ 5,5 bilhões em novembro.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que o pacote atende o que “a área econômica pretende atingir de resultados fiscais nos próximos anos”, mas deixou em aberto a possibilidade de “voltar à planilha” no futuro para buscar soluções se necessário. Ao apresentar o pacote, lembrou ainda que o mercado errou as projeções fiscais de 2024, cujos resultados devem ficar dentro dos objetivos.
Nos cálculos do economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, o ajuste necessário para cumprir o piso da meta zero, em 2025, é de R$ 46,9 bilhões. Destes, ele avalia que o pacote contribuiria com R$ 23 bilhões. O economista diz que os problemas não param por aí, uma vez que o “déficit real” seria de R$ 75,1 bilhões, considerando o pagamento de R$ 44,1 bilhões em precatórios (dívidas judiciais de entes públicos para as quais não cabe mais recurso) que serão descontados para fins da avaliação de cumprimento da meta. Mas é esse valor que conta para a dívida pública.
O economista João Leme, da Tendências Consultoria, tem diagnóstico parecido. Já contando com o efeito do pacote, a previsão deficitária para 2025 é de 0,30% do PIB, fora da meta, que prevê rombo de até 0,25% do PIB.
Leme diz que o pacote tem medidas estruturais importantes, como a adequação da regra de reajuste do salário mínimo ao arcabouço (que varia de 0,6% a 2,5% acima da inflação) e a mudança nos critérios de acesso ao abono salarial, mas que elas são insuficientes. As medidas para militares e a mudança de indexação do Fundo Constitucional do Distrito Federal são positivas, mas geram economia pequena.
— Ainda que o pacote seja bem-vindo, vai precisar ser complementado por outras medidas. É um importante passo, mas não suficiente. Só essas medidas não são capazes, sem mais nada, de entregar a meta em 2025 — disse, citando que será preciso contingenciar recursos.
Para o economista, o pacote ajuda a manter o arcabouço de pé até 2026, mas sem entregar o objetivo principal de estabilizar a dívida pública:
— O arcabouço do jeito que está não parece conseguir entregar o que se esperava dele: a contenção de parte de despesas, e assim a contenção da trajetória da dívida.
Já o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, avalia que o espaço que deve ser aberto nas despesas obrigatórias em virtude do pacote deve contribuir para dar mais flexibilidade na execução do Orçamento de 2025, possibilitando congelamento de recursos com menor custo político.
Contingenciamento
Dentre as medidas previstas no pacote, há, inclusive, dispositivo que possibilita que o contingenciamento mire o centro da meta. Hoje, a equipe econômica argumenta que o dever de execução do Orçamento só permite congelar recursos até o limite inferior.
Sbardelotto projeta déficit primário de R$ 47,5 bilhões em 2025, considerando cerca de R$ 50 bilhões em receitas extras e impulso na arrecadação graças à atividade, à inflação e ao dólar altos. Para alcançar o limite inferior da meta, faltariam R$ 16,5 bilhões, que, segundo ele, poderiam ser preenchidos com medidas de receitas adicionais ou atingidos com contingenciamento. Ele calcula que deve ser possível poupar R$ 17,6 bilhões com as medidas de contenção de despesas propostas:
— Será possível fazer congelamento sem grandes restrições. O contingenciamento não pode ser feito ad infinitum. Há limite mínimo de despesas discricionárias (para bancar a máquina pública). O pacote vai acabar ajudando no cumprimento da meta de 2025.
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